As audições da comissão de inquérito ao Novo Banco já arrancaram e o tiro de partida foi dado pelo antigo presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal (BdP), João Costa Pinto, que também foi autor do polémico relatório secreto sobre a atuação do regulador na queda do BES. No Parlamento não poupou críticas à atuação dos reguladores – BdP e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – ao Governo de Pedro Passos Coelho e de António Costa por causa do BES e ao Novo Banco por entender que as vendas foram «desastrosas».
Costa Pinto criticou a solução de misturar coisas «boas e más», considerando que «há perdas que poderiam ter sido evitadas». «Quando se avança para um fire sale, vendas apressadas, tudo muda. As perdas de valor são imediatas. Quando se decide agregar em pacote créditos em que se misturam alhos e bugalhos, coisas boas e más, é receita para o desastre. Quando se recorre a fundos que querem ganhar por ano 15 a 20%, o que implica desvalorizações dos ativos que não podem ser inferiores a 50%. Quando tudo isso acontece não podia haver senão perdas substanciais», referiu.
Um fórmula usada por todos os bancos
A verdade é que esta fórmula tem sido seguida nos últimos anos por vários bancos não só em Portugal como no estrangeiro. O Nascer do SOL sabe que, em 2018 e 2019, foram realizadas em Portugal 33 operações de venda de ativos em pacote entre NPL e imóveis a fundos internacionais, em que o valor nominal destas operações atingiu 14 mil milhões de euros. A par do Novo Banco, também a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o Santander e o BPI realizaram operações de vendas de ativos problemáticos de grande dimensão nos últimos dois anos a fundos internacionais.
Nos últimos dois anos, destacam-se quatro operações: projeto Viriato do Novo Banco por 700 milhões de euros vendido à Anchorage. O projeto Tagus do Santander foi alienado por 640 milhões de euros à Cerberus. Já o projeto Sertorius do Novo Banco foi vendido por 450 milhões de euros à Cerberus, enquanto a Bracebridge comprou por 345 milhões de euros à Caixa o projeto Arctic e a Anacap adquiriu por 210 milhões de euros ao BCP o projeto Pumas.
Também em Espanha, entre 2018 e 2019, foram vendidos pela banca em grande portefólios mais de 80 mil milhões de euros em NPL e imóveis, em mais de 110 operações.
O que é certo é que a recuperação do crédito duvidoso foi apontado pelo antigo presidente do conselho de auditoria do BdP como uma das áreas mais difíceis da atividade bancária, mas lembrou que «todos os bancos têm áreas especializadas no acompanhamento deste crédito e é um trabalho constante, permanente, de acompanhamento dos devedores, de avaliação permanente dos colaterais de garantia, de ver se o crédito se deteriora, muitas vezes leva a reorganizações desses créditos. Tem que ser uma atenção permanente. Não foi o que o Novo Banco fez».
Segundo Costa Pinto, é natural haver «um mecanismo de compensação para perdas futuras». Mas lembrou que o que tornou este caso excecional: «A dimensão dos interesses em causa, uma vez que estamos a falar de uma garantia de quase quatro mil milhões, e os controles sobre a forma como essa garantia iria ser utilizada».
Falhas na resolução do BES
João Costa Pinto avaliou ainda a conduta do regulador até à resolução do antigo BES e garantiu que «mesmo depois de ter sido vendido, como foi vendido», as coisas «podiam ter corrido de maneira distinta», apesar de admitir que já havia compromissos para essa solução com a Comissão Europeia, a DGComp e o Banco Central Europeu. «Primeiro esses compromissos nunca deviam ter sido aceites da forma como foram, mas depois de ter sido, a gestão no Novo Banco não precisou do tempo todo que foi dado que foram cinco anos», criticou.
O economista também apontou o dedo à atuação da CMVM sob liderança, na altura, de Carlos Tavares. Em causa estavam esquemas financeiros usados para financiar o grupo através da emissão de papel comercial da ESI que era vendida a clientes do banco através dos balcões. «Se a ESI ficasse insolvente isso implicava a perda por parte dos acionistas do controle sobre o próprio BES. Por isso, o supervisor teve uma atuação atempada, enérgica? A articulação entre o BdP e a CMVM foi sempre a mais adequada? O relatório fez uma apreciação disso e acha que não».
Mas as críticas não ficam por aqui. O antigo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal defendeu ainda que devia ter havido intervenção política no BES durante o programa da troika. «Uma intervenção, que devia ter acontecido, mais enérgica, e uma intervenção que evitasse os problemas que o relatório refere, para ser conduzida, tinha que ter uma componente política», defendeu o autor do relatório.
Novo Banco prepara resposta
Para reagir a estas acusações, o Novo Banco nomeou Carlos Brandão, atual diretor de risco da instituição, como porta-voz para todos os assuntos relacionados com a comissão de inquérito que está em curso. Ex-CEO do Bankinter e ex-CEO do Barclays em Portugal terá como objetivo «poder esclarecer em detalhe quaisquer dúvidas» no âmbito desta comissão.
Ao mesmo tempo, segundo a instituição financeira, esta nomeação «permitirá reduzir o efeito da Comissão de Inquérito Parlamentar no dia a dia do banco numa altura em que os desafios do retorno ao normal são essenciais e muitas das empresas portuguesas se preparam para lidar com a crise económica».
Recorde se que no final do ano, o banco anunciou a criação de uma equipa especial com mais de 40 colaboradores, liderada pelo CEO, «para poder responder com a máxima rapidez a todas as solicitações dos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] ou quaisquer outras que surjam nos próximos meses». O Novo Banco espera que a documentação solicitada possa ultrapassar um milhão de páginas e estimou um custo superior a 3,25 milhões de euros com esta operação.
Uma tarefa que poderá ganhar maiores contornos depois de a comissão de inquérito ter anunciado que irá recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para levantar o segredo profissional do relatório secreto da atuação do Banco de Portugal na queda do BES e tornar o documento acessível ao público.
Uma decisão que vai ao encontro do que foi defendido, ainda esta semana, por Costa Pinto. «Como cidadão, acho que este relatório já devia ter sido tornado publico há muito tempo».