Apesar da pandemia, os preços das casas em Portugal subiram 8,4% no ano passado. Apesar do crescimento, esta subida representa menos 1,2% face a 2019, o que significa que foi registado um abrandamento na subida face ao ano anterior. Os dados, revelados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), não surpreendem o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). «Não é uma surpresa», diz Luís Lima ao Nascer do Sol.
E explica porquê: «É preciso que tenhamos em mente que as dinâmicas do imobiliário se regem pela oferta e pela procura e neste momento, apesar da crise pandémica, a procura interna continua bastante elevada, sobretudo nos segmentos da classe média e média baixa». O responsável diz ainda que, «por outro lado, no mercado, a oferta para estes segmentos é cada vez mais escassa, o que faz com que os preços continuem a manter-se elevados».
Apesar da subida dos preços das habitações, o número de transações desceu. No total, foram transacionadas quase 172 mil habitações, um valor que além de representar uma quebra de 5,3% face ao ano de 2019, significa a primeira vez desde 2012 que o número de transações de alojamentos cai. O aumento do desemprego e as dificuldades financeiras decorrentes da pandemia são as principais justificações apontadas por Luís Lima para justificar esta quebra.
«Quando comparamos o valor das rendas praticadas com aquela que seria a prestação de um empréstimo de crédito à habitação, verificamos que na taxa de esforço mensal de uma família, a prestação de crédito continua a ser inferior, para um bem que é também um investimento, o que não acontece no arrendamento, que deixa de ser uma alternativa habitacional para ser o último recurso para quem não consegue reunir as condições necessárias para obter crédito à habitação, o que faz com que a procura continue a ser muito elevada no mercado de transações», explica o presidente da APEMIP.
Por isso, «é natural» que com o aumento do desemprego «e da instabilidade laboral causada pela crise pandémica, os jovens e famílias se retraiam e receiem avançar com um negócio tão importante como a compra de uma casa», acrescenta o responsável.
A nível regional, o gabinete de estatística revela que Norte e Centro concentraram o maior peso no número de transações. Por outro lado, a Área Metropolitana de Lisboa, pelo segundo ano consecutivo, registou uma redução no seu peso relativo regional. Este fator de mudança também não causa estranheza ao presidente da APEMIP que diz ao nosso jornal ser «cada vez mais frequente vermos as pessoas a dirigir a sua procura para zonas mais periféricas, precisamente porque não conseguem suportar os preços que são praticados nas localizações mais centrais, fenómeno este que deverá continuar a verificar-se até pela democratização do trabalho remoto».
Mas se o total do ano de 2020 registou uma quebra nas transações que não era vista desde 2012, o último trimestre do mesmo ano circulou em sentido contrário e nunca tinham sido vendidas tantas casas como nesses últimos meses de 2020. A tendência é «surpreendente». No entanto, é preciso perceber que «a realidade habitacional em Portugal está muito desequilibrada e que a melhor alternativa que as pessoas encontram continua a ser a compra, mesmo que os preços estejam elevados, pois o mercado de arrendamento não tem a dinâmica necessária para».
Voltamos ao tempo da troika?
Questionado sobre a possibilidade de podermos voltar a assistir ao que se assistiu no tempo da troika, com excesso de oferta e preços baixos, Luís Lima defende que «os erros cometidos no passado devem ter um papel pedagógico». «Sabemos hoje o que correu mal nos tempos da troika, em que se faziam capas de jornais com o número crescente de imóveis entregues em dação por famílias que não conseguiam assumir os seus compromissos, engordando os números do stock imobiliário que na já altura, era superior à procura existente».
Hoje a «realidade é diferente e não existe nenhuma justificação para que o filme se repita: o mercado não tem excesso de oferta e para além disso a exposição ao setor financeiro é bem inferior», explica ao nosso jornal o presidente da APEMIP.
Riscos dos fins das moratórias
As moratórias para o crédito à habitação estão também a chegar ao fim. Terminam este mês: a partir de abril, quem tem moratória privada no crédito à habitação começa a pagar juros. Que problemas isto pode trazer para o futuro? Luís Lima começa por lembrar que as moratórias «foram pensadas considerando 2021 como um período de retoma económica e não o seu agravamento».
O responsável lembra a experiência do «passado traumático». Por isso «há que evitar a todo o custo um cenário em que as famílias deixam de conseguir pagar as suas prestações de crédito, entregando os seus imóveis aos bancos, que ficarão com o crédito malparado em mãos e recolocarão os ativos no mercado a qualquer preço para normalizar os seus fluxos financeiros».
Para Luís Lima, «este cenário de desvalorização forçada dos ativos acabará por contaminar o setor imobiliário, que depois terá um efeito de arrasto a muitos outros setores, daí ser essencial que possa haver um prolongamento do prazo da moratória publica de crédito, por pelo menos um ano».