Por Daniela Soares Ferreira e José Miguel Pires
Em Portugal, as audiências dos canais de televisão são auditadas pela GfK, que se baseia numa amostra de 1100 lares, o que corresponde a cerca de 3000 pessoas. E o Nascer do SOL apurou que as números que regem o mercado não batem certo nem com o impacto dos programas nas redes sociais, nem com os registos dos portugueses que têm televisão por cabo – sendo que a percentagem da população com TV Cabo já atinge os 90% e a TDT apenas 10% (era 11% há uns meses e já está praticamente nos 9%).
Ora, as audiências recolhidas pelas três principais operadoras – Altice, Vodafone e NOS, que não são públicas – mostram valores muito diferentes dos apresentados pela GfK, sistematicamente favorecendo um dos canais privados. Não seria então mais fidedigno que fossem as operadoras a apresentar os resultados das audiências?
Ao Nascer do SOL, António Salvador, managing director da GfK, explica que «as operadoras não sabem quem está a ver o quê. O que as operadoras sabem, em regra, é aquilo que quando a pessoa carrega no comando para ver um determinado canal, o server da operadora sabe o que está a ser emitido». No entanto, diz, «não sabe quem está a ver e nem sequer sabe se está a ver. Sabe apenas que está a emitir. Se eu não desligo a box, ela continua a dizer que estou a ver aquele canal onde estava quando desliguei. Claro que, numa situação qualquer, em que ao fim de x tempo sem fazer busca por qualquer outro canal é porque já não está a ver».
O responsável diz ainda que deve existir «um critério ou uma metodologia – que não sei qual é – porque deve haver um compromisso no mercado, creio eu, porque as operadoras não dizem quais são as audiências. É um número um bocadinho cinzento. Não sei quais são os resultados das audiências». António Salvador lembra também que esta diferença de audiências pode estar relacionada com os canais exclusivos que algumas operadoras ainda têm. «Nós auditamos 150 canais. Mas há mais».
Da mesma opinião é a Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM), que garante ao Nascer do SOL que «as boxes das operadoras, apenas registam o facto de estarem ligadas ou desligadas e se ligadas em que canal, só e apenas do aparelho de televisão a que a box está ligada. Não permite qualquer informação sobre quem poderá estar presente quando a box estiver ligada, não permitindo qualquer classificação sociodemográfica do auditório», diz Fernando Cruz, diretor executivo da CAEM.
A verdade é que os canais generalistas têm perdido para os canais por cabo. «A fragmentação é uma realidade e é impossível não o reconhecer. O que lhe digo é que talvez até por este pico fantástico de competitividade, as free to air têm trabalhado muito bem e até têm conseguido estancar».
SIC na retranca e TVI desconfia
Questionadas pelo Nascer do SOL, as estações de televisão privadas assumem posições diferentes, já que a SICtem vindo a beneficiar sistematicamente dos números divulgados pela GfK e a TVItem vindo a registar a discrepância entre a atenção dedicada aos seus programas nas redes sociais e os registos nas boxes das operadoras (que lhes são favoráveis) e os resultados obtidos nas análises das audiências (que, por regra, têm colocado a SIC na frente).
«Temos efetivamente detetado essa discrepância. Em que programas nossos, como por exemplo o All Togheter Now, ou a estreia ainda esta segunda-feira do programa Cristina ComVida, que teve enorme destaque nas diferentes plataformas digitais, sem comparação possível com os programas concorrentes diretos, e depois verificamos que tais dados não têm qualquer correspondência com os níveis de audiência referidos», começou por confessar o canal de Queluz.
Os números mais questionados são dos dias em que a TVI transmitiu jogos de futebol que lideraram o prime time claramente (por exemplo o Braga-FC Porto) e em que a SIC acabou por ganhar o dia em face das audiências muito díspares entre programas que costumam ter números aproximados e registaram nesse dia em particular diferenças muito maiores.
Sobre o facto de as audiências se regerem unicamente pelos 1100 aparelhos espalhados pelo país, e não através das diferentes boxes, que ocupam cerca de 90% dos lares dos portugueses, o canal não mostra dúvidas: «É uma questão que deve merecer uma profunda análise e reflexão. O ideal para o mercado é a existência de um painel o mais fidedigno e o mais abrangente possível».
Ainda assim, a estação não se mostra a satisfeita com eventuais discrepâncias nos resultados. «O que não pode acontecer é a existência de uma diferença significativa entre os resultados desse painel representativo com os dados quantitativos concretos de um universo de utilizadores bastante mais amplo», afirma o canal, que refere que tal situação representaria «a existência de uma distorção e não garantia ao mercado a necessária informação rigorosa e credível».
E sobre um possível aumento do número dos dispositivos instalados nos lares dos portugueses, o canal vai mais além, garantindo acreditar que, «mais importante do que alargar o número de participantes do painel, é garantir o cumprimento das regras de gestão do painel e o rigor e transparência com que os dados são recolhidos, tratados e reportados».
O Nascer do SOL não conseguiu obter qualquer resposta por parte da RTP, tendo a SIC remetido as questões para a CAEM, relembrando unicamente que, no momento em que a estação de Paço de Arcos «se prepara para fechar o 26.º mês consecutivo na liderança das audiências em Portugal», os últimos tempos «demonstraram a importância de uma informação credível e do entretenimento de qualidade».
Maior amostra, melhores resultados
António Salvador garante que sempre o preocupou que o trabalho feito fosse «o melhor possível» , até porque, «em termos práticos, as televisões e as agências definem qual é o preçário e depois nós damos as audiências. Ou seja, somos um interveniente final nas vendas e não podemos condicionar a qualidade de vida das pessoas com um trabalho que não seja de boa qualidade. Temos essa grande preocupação».
Curiosamente, diz António Salvador, quando a empresa começou com este trabalho, a preocupação prendia-se também com a diferença do ranking da GfK com as operadoras. «A informação que tive foi que era similar e isso descansou-me», assume. E não tem dúvidas: «Tenho obrigatoriamente que ter qualidade na informação que presto».
Mas a amostra é pequena comparada com a das operadoras, embora António Salvador não tem dúvidas que é «uma amostra boa», apesar de admitir que «quando mais robusta melhor, naturalmente. Sobretudo porque muitas vezes querem fazer análises segmentadas por género, região, escalão etário… quanto mais precisas quiserem ser essas análises maior risco se corre porque a amostra é menos robusta».
No entanto, é a Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM) que define os critérios. «Não fomos nós que assumimos que assim devia ser. De qualquer forma, devo dizer, os números não são muito diferentes de países com dimensão similar à nossa», avançou o responsável, dando a Bélgica como exemplo.
Sobre a possibilidade de se aumentar o número da amostra, Fernando Cruz garante que a representatividade dos 1100 lares «é uma amostra representativa da população». E explica: «A necessidade de aumento da amostra está normalmente relacionada com o facto de se pretender um maior segmentação dos dados, para permitir manter, nesse caso, um número de casos que garanta a representatividade». O responsável deixa ainda um exemplo. «Por exemplo, se um canal que tem 5% de share de audiências quiser saber a audiência que teve num programa determinado num público alvo de homens de 35 a 44 anos será possível que para essa situação específica não existam um número de casos suficiente no painel. Isto não questiona a amostra e os resultados apenas recomenda que, quando a análise que se pretende seja muito segmentada, se use um serie temporal mais alargada».
Buzz das redes sociais também não corresponde
Outro fator importante que não corresponde aos números divulgados pela GfK são os alcances nas redes sociais.
António Salvador desvaloriza. «Isso tem a ver com o comportamento dos cidadãos, com o lifestyle, com n aspetos. O nosso estudo de audiências tem um objetivo fundamental que é ajudar os anunciantes a perceberem onde é que devem anunciar. E é esse o principal objetivo. De resto, isso são situações que acontecem na sociedade que se devem a polémicas mais agudas ou menos agudas, mas que não têm um reflexo direto ou não têm que ser um reflexo direto daquilo que são as audiências».
Fernando Cruz corroborou este ponto de vista sobre as redes sociais, garantindo que «o buzz nas redes sociais corresponde, de forma generalizada ao senso comum guiado pelas perceções e opinião pessoal de quem nelas escreve».
Recorde-se que a GfK vai manter a auditaria das audiências de televisão em Portugal até 2026, depois de ter sido escolhida, em concurso, pela CAEM.