Bazuca: Plano pronto para entregar em Bruxelas

Versão final contempla mais dinheiro para as empresas depois de documento inicial ter sido alvo de fortes críticas por parte de várias confederações empresariais e economistas, tal como tem sido avançado pelo Nascer do SOL.

O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado por António Costa ao Marcelo Rebelo de Sousa vai contar com 7.700 milhões de euros de apoios dedicados às empresas, de acordo com o Programa de Estabilidade (PE) aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros. Em cima da mesa estão 5.000 milhões de euros de apoios diretos às empresas e 2.700 milhões de apoios indiretos, a executar até 2026, no âmbito do PRR. Estes e outros números serão apresentados na próxima semana em Bruxelas para que possa ser aprovado e Portugal tenha acesso à bazuca europeia. «Estamos a chegar ao fim de uma longa maratona», disse António Costa, acenando com a aprovação do documento em junho.  «A ambição que temos é que no Ecofin de 21 de junho possamos aprovar os primeiros planos, temos muita vontade que entre eles esteja o de Portugal», afirmou.

Feitas as contas, a maior ‘fatia’ dos apoios diretos às empresas vai para a capitalização, que receberá 1.550 milhões de euros, seguida da inovação, com direito a 1.364 milhões. Mas abaixo dos mil milhões de euros de apoios estarão a descarbonização, que contará com 715 milhões de euros, a transição digital (650 milhões), a qualificação de recursos humanos (630 milhões) e a bioeconomia (145 milhões).

Nos apoios indiretos, a maior fatia diz respeito às infraestruturas (690 milhões de euros), seguindo-se a digitalização da administração pública (578 milhões), a qualidade das finanças públicas (406 milhões), a gestão hídrica (390 milhões), o hidrogénio e energias renováveis (371 milhões), a justiça económica e ambiente de negócios (267 milhões) e ainda a eficiência energética dos edifícios (70 milhões).

A descarbonização, a digitalização, a bioeconomia sustentável, a melhoria da rede rodoviária, o investimento nos recursos humanos, a promoção da investigação, desenvolvimento e inovação, a capacitação do sistema científico e a diminuição dos custos de contexto através da modernização da administração pública são os oito pontos de apoio às empresas privada.

Para o estimular o emprego, o PRR conta com 600 milhões de euros, dos quais 250 milhões de euros terão como destino as zonas desfavorecidas de Lisboa e Porto, «onde se prevê a aposta na formação profissional e nas políticas de promoção de empregabilidade ajustadas às realidades e dinâmicas locais, assim como o aumento da qualificação de adultos e na certificação das suas competências, bem como no completar de percursos de qualificação de jovens ativos».

Mas vamos a números. O Governo aprovou na quinta-feira o Programa de Estabilidade (PE) 2021/2025, onde prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 4% este ano, abaixo dos 5,4% anteriormente previstos, e 4,9% em 2022. João Leão justificou a revisão em baixa das previsões para este ano com «o efeito da terceira vaga da pandemia que obrigou a um confinamento no primeiro trimestre, que levou a uma paragem importante da atividade económica». No entanto, em matéria de impostos, o Executivo acena com estabilidade fiscal. «Em termos de política orçamental, garante-se ainda no próximo ano a estabilidade fiscal ao nível dos principais impostos, colocando-se ênfase nas medidas de relançamento da economia», diz.

Já esta quinta-feira, o ministro das Finanças tinha revelado que Portugal estava em condições de enfrentar esta crise de forma diferente das anteriores: «sem receio de austeridade» e «sem receios de ter de aumentar impostos para pagar os efeitos da crise».

Quanto ao desemprego, a meta é que fique nos 7,3%, acima dos 6,8% com que terminou 2020, mas abaixo da anterior previsão, de 8,2%. Por seu lado, o consumo público deverá aumentar em 2021 e 2022, (1,7% e 1,4%, respetivamente), desacelerando posteriormente até 2025 (1%), enquanto o consumo privado será de 2,8% do PIB em 2021 e acelerará para os 4,9% no próximo ano, abrandando depois para 2,2% em 2021 e 2,1% em 2024 e 2025.

O défice das contas públicas portuguesas ficará nos 4,5% este ano, a partir de 2022 atingirá o valor de 3,2%, e a partir de 2023 voltará a ficar abaixo dos 3%.

Este ano, a dívida pública deverá ficar nos 128% do PIB, baixando depois para 123% em 2022, para 121% em 2023, para 117% em 2024 e 114% em 2025.

O Executivo prevê ainda que as exportações portuguesas aumentem 8,7% em 2021 e 7,9% em 2022, devido à retoma mundial e ao turismo. O Governo tem assim a expectativa de que haja «uma evolução positiva da situação epidemiológica e dos efeitos associados ao processo de vacinação» contra a covid-19.

Números que não convencem o Conselho das Finanças Públicas (CFP) que levanta dúvidas em relação às metas apresentadas. No entender da entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral, os riscos associados ao cenário macroeconómico apresentado pelo Governo no PE «são de natureza predominantemente descendente, dado que o PE 2021 já incorpora os efeitos macroeconómicos da implementação do PRR na economia portuguesa», alertando para o risco da «hipótese favorável» do aumento das importações, tendo o PE «subjacente uma redução da elasticidade das importações face à procura global em 2021 e uma redução adicional em 2022», algo justificado «pelo forte crescimento neste período ocorrer nas componentes da despesa com menor conteúdo importado», como consumo privado de bens e serviços, gastos, obras públicas e exportações de turismo.

 

Raio-X

Para a TAP está previsto injetar 970 milhões de euros na TAP este ano, uma medida classificada como temporária, mas cujo efeito nas contas públicas será revertido em 2022 e 2023, em 170 milhões e 800 milhões, respetivamente. Este valor surge depois de o Governo ter apresentado, em março, à Comissão Europeia uma notificação para a concessão de um auxílio intercalar à companhia área de até 463 milhões de euros para «garantir liquidez até à aprovação do plano de reestruturação».

Também para o Novo Banco está contemplada uma injeção de 430 milhões de euros, no entanto, o documento fala numa verba classificada como «one-off», ou seja, como extraordinária.

Recorde-se que nas tabelas do Orçamento do Estado para 2021 estavam previstos 476 milhões de euros nos fluxos externos do Fundo de Resolução, destinados a financiar o Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (CCA) da instituição financeira.

Para o setor bancário está também destinada uma verba referente a ativos por impostos diferidos (DTA), com um impacto de 162 milhões de euros este ano, valor cujo impacto o Governo prevê que se venha a reduzir em 43 milhões de euros em 2022 e 119 milhões em 2023.

O Banco de Fomento não fica esquecido e será alvo de um montante de capital na ordem dos 250 milhões de euros com vista a garantir o rácio de capital mínimo de 13%, imposto pelo Banco de Portugal. A partir daí, segundo o Governo, a instituição financeira está preparada para disponibilizar «soluções de financiamento, nomeadamente por dívida, em condições de preço e prazo adequadas à fase de desenvolvimento de empresas e projetos». O objetivo, de acordo com o documento, é «promover projetos de investimento enquadráveis nas quatro janelas do programa: infraestruturas sustentáveis; investigação, inovação e digitalização; pequenas e médias empresas (PME); e investimento social e competências».

As medidas de combate à pandemia também estão contempladas no documento com o Governo a prever gastar 5.113,8 milhões de euros. Feitas as contas, a maior fatia cabe às despesas relacionadas para compensar o confinamento que a evolução da pandemia impôs no início deste ano e que ascendem a 3.843,8 milhões de euros. Só os apoios às empresas para suportar os custos do trabalho – onde se incluem o layoff simplificado ou o apoio à retoma progressiva, por exemplo – ascendem a 1.579,9 milhões de euros, enquanto as verbas destinadas às empresas para suportar os custos fixos, onde uma das medidas mais expressivas é o programa Apoiar, o Governo espera gastar este ano 1.377 milhões de euros, a que se somam apoios extraordinários ao rendimento dos trabalhadores no valor de 617,5 milhões de euros, apoios à proteção social (incluindo o apoio à família) no montante de 105,6 milhões de euros e ainda 163,9 milhões de euros em medidas de isolamento profilático e subsídio de doença.

A par disso há que contar ainda com um montante de 1.270 milhões de euros para a área da saúde pública, justificado pelos gastos com aquisição de vacinas (em 400 milhões de euros), de testes à covid-19 (100 milhões de euros) e aquisição de material de proteção individual, medicamentos e outros (500 milhões de euros), assim como um gasto extra de 270 milhões de euros no pagamento de horas extra, prémios e outros abonos ao pessoal da saúde.

E em relação aos investimentos estruturantes em infraestruturas (em execução ou contratação), o documento prevê um investimento em novos hospitais de 69 milhões este ano e 181 milhões no próximo.

Ainda neste campo, estão previstas mudanças na componente ‘Infraestruturas’, dentro da prioridade da ‘Resiliência’, que passa de 833 milhões de euros, na versão do PRR de fevereiro, para 690 milhões de euros. O objetivo é «reforçar a resiliência e a coesão territorial, aumentar a competitividade do tecido produtivo e contribuir para a redução dos custos de contexto».