Anacom. Contratos duvidosos

Regulador tem feito ajustes diretos à Ubiwhere, empresa que ganhou o concurso para a plataforma de leilão 5G. Anacom garante que ‘cumpre escrupulosamente a lei em matéria de contratação pública’. 

O presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), João Cadete de Matos, desde que tomou posse fez o dobro dos ajustes diretos à Ubiwhere, empresa atualmente responsável pela plataforma onde está a decorrer o leilão 5G. Ao que o Nascer do SOL apurou, ao todo fez oito ajustes diretos superiores a 154 mil euros, alegando não existir concorrência por motivos técnicos. Isto é, recorrendo ao artigo 24 do Código dos Contratos Públicos – desta forma, evita a consulta prévia ao mercado e, ao mesmo tempo, é permitido ultrapassar o limite legal de 75 mil euros em 3 anos à mesma empresa.

Contactado pelo Nascer do Sol, o regulador garante que «as adjudicações efetuadas à Ubiwhere reportam-se ao sistema aplicacional NETmede que tem passado por um processo de upgrade, que começou antes, mas que se intensificou a partir de 2017, e a contratos para manutenção e assistência às sondas de Televisão Digital Terrestre, que foram desenvolvidas pela Ubiwhere e que carecem de manutenção periodicamente». 

Fonte da Anacom garante ainda que a entidade «cumpre escrupulosamente a lei em matéria de contratação pública» lembrando que, no caso da Ubiwhere, «os ajustes diretos referem-se a contratos de licenciamento, manutenção, evolutivas e desenvolvimento de software, relativos a equipamentos ou soluções adquiridas à empresa através de concursos públicos anteriores, conforme previsto no Código dos Contratos Públicos», acrescentando que se trata de «contratos de manutenção relacionados com o sistema aplicacional NETmede e com a rede de sondas de TDT».

Mas o nosso jornal sabe que várias empresas que oferecem soluções tecnológicas garantem que é possível fazer manutenções e atualizações de plataformas criadas por uma outra empresa desde que o cliente detenha a propriedade intelectual. Aliás, o Nascer do SOL sabe que esta garantia estava prevista no contrato do concurso público de 2012, uma vez que os antecessores de Cadete de Matos se recusavam a ficar ‘reféns’ da Ubiwhere.

Contratos

Mas vamos a números. Nos últimos sete meses, depois da Ubiwhere ter ganho o concurso público para a criação da plataforma do leilão 5G, Cadete de Matos assinou duas das três adjudicações diretas a esta empresa. A última foi assinada 23 de março, altura em que já decorria o leilão. 

A primeira, no valor de 14 mil euros, foi adjudicada para a monitorização do sinal da TDT, assinada em 24 de setembro de 2020, ou seja, 6 meses depois depois de a Ubiwhere ter ganho o concurso para a criação da plataforma do leilão num valor a rondar os 28 mil euros, mais alto face à proposta avançada pela concorrente ANO – Sistemas de Informática e Serviços. 

Recorde-se que, tal o i já avançou, a ANO foi excluída do concurso lançado pela Anacom para implementar a plataforma tecnológica para leilão do espetro de rede 5G em Portugal, mas recorreu ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que lhe deu razão em dezembro de 2020. Na sentença a que o i teve acesso, o relator ordenou a readmissão a concurso do concorrente preterido pelo regulador, mas acabou por não ter efeito.

O Nascer do SOL sabe que, já em janeiro deste ano, Cadete de Matos assinou pessoalmente nova adjudicação direta à Ubiwhere, no valor de 13.500 euros, para serviço de suporte e manutenção da APP Net.med e My net.med, uma aplicação que mede a intensidade do sinal de internet.

E menos de três meses depois, a 23 de março, no decurso do leilão do 5G, Cadete de Matos assina nova adjudicação direta no valor de 19.570 euros para serviços de melhoramento da área estatística da mesma aplicação.

O que é certo é que utilizando sempre a mesma cláusula de exceção e a mesma explicação dada ao nosso jornal, Cadete de Matos chega a fazer um ajuste direto no valor de mais de 53 mil euros para que a Ubiwhere desenvolva novo software para uma App (Net.Mede) que mede a intensidade do sinal de internet. No entanto, o Nascer do SOL apurou que existem várias aplicações deste género no mercado. Aliás, as três operadoras de telecomunicações – Vodafone, NOS e MEO – disponibilizam uma solução semelhante. A par disso, há que contar com dezenas de sites que oferecem gratuitamente aos utilizadores a possibilidade de medir a sua velocidade de internet.

Uma questão que ganha maior revelo quando a Net.Mede, da Anacom, tem provocado alguma polémicas junto dos consumidores porque exige ter conhecimento da localização destes, o que acabou por motivar várias críticas ao serviço que é disponibilizado.

Conflito de interesses?

A Ubiwhere, que ganhou o concurso público da plataforma do leilão 5G no valor de 119,8 mil euros, tem interesses e projetos nesta área. Mas a empresa, ao apostar em projetos ligados à quinta geração móvel, não está a respeitar as regras impostas pelo regulador, que exigiu aos concorrentes a assinatura de declaração de sigilo e prevenção de conflito de interesses, situações que está a ignorar.

Recorde-se que no contrato assinado com o regulador está previsto que a empresa e os seus colaboradores «não possam divulgar nem utilizar, em proveito próprio ou alheio, diretamente ou por interposta pessoa, o conhecimento que tenham desses factos». Além disso, está previsto que «a informação e a documentação cobertas pelo dever de sigilo não podem ser transmitidas a terceiros, nem objeto de qualquer uso ou modo de aproveitamento que não o destinado direta e exclusivamente à execução do contrato» e que esse dever de sigilo «mantém-se em vigor indefinidamente, até autorização expressa em contrário pela Anacom, a contar do cumprimento ou cessação, por qualquer causa, do contrato, sem prejuízo da sujeição subsequente a quaisquer deveres legais relativos, designadamente, à proteção de segredos comerciais ou da credibilidade, do prestígio ou da confiança devidos às pessoas coletivas».

Confrontada com este cenário, fonte da Anacom diz apenas que a Ubiwhere foi selecionada para prestar os serviços ligados à «disponibilização e operacionalização de uma plataforma eletrónica de leilão, de suporte ao procedimento de atribuição de direitos de utilização de frequências» e que o programa do concurso exigia a todos os concorrentes a apresentação, com a respetiva proposta, de uma declaração de prevenção de conflito de interesses. «No caso da Ubiwhere, esta declaração integrou a proposta apresentada, tendo sido incorporada na cláusula 12.ª do contrato celebrado em 06.30.2020, que se encontra disponível no portal dos contratos públicos». E acrescenta que «perante uma denúncia apresentada pela MEO – à Anacom, ao Ministro das Infraestruturas e da Habitação, e ao Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital – a Anacom solicitou à Ubiwhere  as informações necessárias à avaliação dos factos relatados pela MEO». O regulador informa, no entanto, que «analisadas essas informações entendeu não existir uma situação de conflito de interesses».