É o mesmo homem de sempre, despachado, emotivo e com um entusiasmo juvenil. Mesmo perante as perguntas mais incómodas, o antigo primeiro-ministro não se desmancha e tem um poder de encaixe que poucos políticos demonstram. Esteja na mó de cima ou na de baixo, Pedro Santana Lopes é, usando uma linguagem futebolística, igual a si próprio. Depois de ter anunciado a sua candidatura à Câmara da Figueira da Foz, dá-nos a primeira entrevista.
Podemos dizer que, mais uma vez, o anúncio da sua morte política foi manifestamente exagerada?
Acho que sim, pelo menos não contam com a minha colaboração para esse desidrato. Apesar de ser Sá Carneirista, as pessoas sabem, sou muito Soarista desse lado. Quando acho que devo ir a um combate político vou. Se ganhar ou perder, faz parte da vida, não me impressiono com isso, desde que sinta que era o meu dever. Como agora para a Figueira, espero que as pessoas percebam que não tenho interesse nenhum em voltar a ser presidente da Câmara. Costuma-se dizer que ‘só pode ser por amor, não é por interesse’. E aqui é verdade, como calcula, já não tenho 30 nem 40 anos como tinha da outra vez quando fui para a Figueira. É uma mudança de vida complexa, mas é o que gosto. Gosto da Figueira, gosto do projeto de trabalho que tenho lá. Tive, graças a Deus, vários convites para várias câmaras. O que é um pouco insólito, devido ao passado recente da Aliança, mas as estruturas do PSD convidaram-me para várias câmaras. E tenho provas disso tudo. Mas sempre disse que se for alguma câmara só pode ser a Figueira da Foz.
Porquê?
Porque sinto esse dever, senti sempre. Não acho que deva nada à Figueira, nem a Figueira a mim. Mas sempre quis fazer um segundo mandato na Figueira. E, como se recordará, não pude fazer. E tive muita pena na altura. E neste momento é por isso que até vou como independente. Houve pessoas que disseram: ‘Ele quer é fazer um acordo com o PSD e por isso é que sai da Aliança’. Até por isso fico contente de ser candidato à Figueira como independente, para as pessoas perceberem, e às vezes têm dificuldade em perceber, que não faço acordos desses. A Aliança foi um projeto que falhou, não correu bem, já se sabe. Achei que a Aliança tinha mais futuro sem mim. As pessoas ligam-me ao PSD, não há nada a fazer. E agora mesmo como independente tenho essa dificuldade. Aliás, em sondagens recentes, há pessoas que respondiam aos entrevistadores ‘o senhor está enganado, Santana Lopes é do PSD, não é independente’. E isso aconteceu muito nas legislativas.
A idade não lhe deu muito juízo?
Se juízo é estar quieto, não. Mas para mim juízo é lutar enquanto podemos.
É conhecida a sua instabilidade na vida profissional e pessoal. Sempre foi uma pessoa que fez o que queria, mas estava na Santa Casa e sai para fazer um partido.
Não, eu saí da Santa Casa para ir às diretas do PSD. Depois de Passos Coelho, entendi que tinha esse dever de clarificar. Talvez pela geração de que faça parte, há uma coisa que é irrefutável: vivo a política, a política faz parte de mim, desde que me conheço, é um facto. Se disser o contrário, todos se riem e com razão. Gosto muito. Na altura, colocou-se a questão de saber qual o rumo, o futuro do PPD/PSD. E se já tinha feito tantas batalhas, disse: ‘chegou a hora de sim ou sopas’. Não fui às diretas com intenções escondidas. Estilo, ‘se perder vou-me embora’. Foi depois de perder, não ganhar, que fiz seis meses de exame de consciência. Disse até para mim que já devia ter saído, há mais tempo. E não saí, porque foi a troika e Passos Coelho e tudo aquilo. Porque de facto, entre mim e, não digo as bases, mas o resto do PPD/PSD, foi sempre uma relação muito conturbada, muito complicada e muito desagradável em certos aspetos, nomeadamente em 2004, 2005. Isso que diz, é falta de juízo ou é juízo? O juízo, em sentido clássico, convencional ou mais comum seria fica na Santa Casa. Até para aquilo que as pessoas diriam: ser candidato à Presidência da República. O lugar da Santa Casa é o ideal a vários títulos, nomeadamente o social, humano, nesta altura em que vivemos. Mas também ninguém adivinhava. Fui para lá na crise da troika. Entendi que o meu dever era fazer aquilo e não foi fácil tomar essa opção.
Estive a rever algumas entrevistas suas e percebe-se que coragem não lhe falta. Quando lançou a Aliança disse que o objetivo era combater António Costa e esperava conquistar 15 ou 20 deputados. Depois foi o que se viu.
Sim, era o objetivo. Falhou clamorosamente. Assumo o falhanço, correu muito mal. E a época não está para partidos novos, moderados. É muito difícil.
O que o levou a pensar que ia ter 15 ou 20 deputados? Não tinha noção de que não tinha um discurso de rotura como os outros?
Não tive, analisei mal a falta de acesso à comunicação de maior audiência, nomeadamente às televisões. Sem televisões não há voto hoje em dia. Quem é que conseguiu eleger? Não elegemos um deputado por quinze ou vinte mil votos. O Chega elegeu na contagem dos últimos dez mil votos. Eleger um deputado fazia toda a diferença. Mas confesso que nunca fiz a Aliança para lutar por ter um deputado, julgava que ia ter mais. De facto pensei mal. Sou europeísta, mas há muitos anos que tinha uma posição diferente do PPD/PSD, em matéria política europeia. E a política europeia hoje em dia, como é evidente, vai parar a tudo. Vai parar à questão de produtividade – Paulo Portas agora todas as semanas fala da produtividade, e acho muito bem que fale. Sempre defendi que os aumentos salariais devem estar indexados ao aumento da melhoria da produtividade. Portugal continua com metade da média europeia. E a nossa economia só será competitiva aí. Quando saí do PSD foi para fazer essa luta, a luta dos ideais em que acredito. Não fez eco. Ponto, acabou.
Já se percebeu com esse discurso não casava com o ‘fatinho’ da Aliança.
Eu e a Aliança era contra-natura. O tempo estava para discursos como o de Ventura ou da deputada do Livre, ou da Iniciativa Liberal, com um certo tipo de radicalismo, inteligente nalguns pontos. Mas tiveram um sucesso enorme com o tipo de comunicação que fizeram com os cartazes.
Nessa altura da Aliança, chegou a falar numa coligação pré-eleitoral?
Falei, sim.
Ficou um pouco como Rui Tavares do Livre. Foi o homem que defendeu a coligação à esquerda e que depois não conseguiu entrar na ‘Geringonça’ (risos).
Morámos vários anos na mesma rua, se calhar é algum tipo de afinidade da D. João V. Achei uma falta de inteligência não se ter feito esse acordo. Se têm feito, Cristas ainda era líder. Só o facto de o CDS não se ter coligado com a Aliança e talvez mais outro partido tirou quatro a oito deputados ao CDS, com base no resultado das europeias e das legislativas anteriores, e ela sabia. Ela esteve até à última a ponderar e acho que foi um erro grande.
A sua mensagem não passou.
No Norte, nas aldeias muito pouca gente sabia que tinha saído do PSD. Quando as pessoas me diziam ‘o nosso partido’, eu sabia que estavam a falar do PSD. Alguém dizia, o sôtor já não está no PSD e as pessoas faziam uma cara quase de indignação.
Nos últimos meses alimentou-se muito a conversa de que provavelmente iria ser o candidato do PSD por Sintra, chegou a falar-se de Lisboa, Torres Vedras, Leiria. Quem o convidou para essas Câmaras?
As estruturas do partido. Tenho provas disso tudo. Sei que não poderiam desmentir, porque são pessoas de bem. E faltam aí outras que me foram sugeridas.
Em janeiro falou numa no Norte.
Sim, convidaram-me para concorrer a Viana do Castelo, onde ninguém ganha ao PS. Apesar do falhanço clamoroso na Aliança, estes convites todos são gratificantes, até surpreendentes em certa medida, mas a história é essa. Até para Seia me convidaram.
Está a falar do PSD?
Sim, das estruturas locais e nacionais.
Não achou que estavam a gozar consigo? Com todo o respeito por Seia, que é bem bonita e de gosto muito.
Não. Agradeci-lhes noutro dia, até estava em falta. O que quer que lhe diga, devo tomar como ofensivo? Não. Até de outros partidos tive convites. A semana passada se calhar achavam que não ia para a Figueira.
Outros partidos? O PS convidou-o?
Não. Todos do lado direito.
CDS?
Sim e não só, curiosamente.
A Iniciativa Liberal ou o Chega?
Do Chega, tive um convite das estruturas locais.
Já disse que não desiste de tentar ser feliz. Consegue explicar o que o faz feliz em concorrer à Câmara da Figueira?
Porque adoro o trabalho. Não sei se quer que lhe mostre declarações que recebi… Aliás, digo sempre: ‘Não há trabalho mais bonito na política do que o de autarca’. E, para mim, um projeto como a Figueira é muito mais fascinante do que ser presidente da Câmara de Lisboa. Porquê? Lisboa é uma cidade, um município muito consolidado. A Figueira não. Lisboa tem 84 quilómetros. A Figueira tem 384 quilómetros. Tem a parte rural, a parte do turismo, das praias, a parte agrícola, a parte industrial. A Figueira é um concelho que precisa de muito trabalho e principalmente nesta fase do mundo, que aí vem. Na outra vez que fui para a Figueira, a questão que se punha era pôr a Figueira no mapa. A questão agora não é essa, é muito mais difícil. No mundo em que estamos, uma cidade tem de ser minimamente competitiva. É um enormíssimo desafio e ali à volta muito mudou. Aveiro, Viseu, que é ali ao pé mas evoluiu muito, até Cantanhede que é vizinha da Figueira, são concelhos que subiram muito. E a Figueira tem imensos problemas para resolver – alguns que vêm de longe como a questão das areias, as correntes, a extensão do areal da praia, a erosão da costa a Sul. A sazonalidade. Há uma série de questões que estão por resolver, que exigem o novo modelo de desenvolvimento, mas agora é outra época.
Não vai reativar a Figueira Grande Turismo?
Não. Os desafios agora são outros. Qual é a questão que se coloca a um povo? É muito o seu nível de vida. E a promoção turística, naquela época, contribuiu para uma melhoria do nível de vida dos figueirenses. E sabe quem me empurrou agora para ser candidato? A malta de vinte anos, a juventude. Tenho o apoio de muita gente do PSD, nomeadamente da sua juventude.
Que o apoia contra o candidato do PSD?
Sim, é absolutamente anti natural, apesar de eu ter saído do PSD.
Mas teria aceite ser candidato do PSD?
Teria.
Por que acha que não o convidaram? Se lhe ofereceram a Câmara de Viana do Castelo.
Porque os tipos da comissão política do PSD da Figueira não quiseram. Como sabe, nestas alturas há muitos que querem saber quem vai para vereador e quem não vai. Se há sítio, mesmo tendo saído do PSD, onde o PSD tinha o dever de me apoiar é na Figueira. Porquê? Porque só ganhou a câmara
comigo. Ainda por cima, veremos no dia 26 de setembro, tenho um apoio muito significativo da Figueira – as pessoas sempre pediram para eu voltar. O PSD da Figueira não querer Santana Lopes é a coisa mais anti-natural que há. E espero que no dia 26 de setembro isso fique provado e se calhar vai ficar provado de uma maneira não muito agradável. Mas eu não vou concorrer contra o PSD. Sou independente, vou apresentar um programa, não vou concorrer contra ninguém. O programa é o meu trabalho, o que quero fazer. As parcerias que vou levar a cabo, com os vários setores da sociedade figueirense. Sei o trabalho que quero fazer. Não concorro às autárquicas pela vaidade de ser presidente de Câmara, isso é ridículo. Se fosse possível governar a Figueira, não sendo presidente de Câmara, eu queria. Não tenho interesse nenhum nisso, como calcula. As pessoas devem pensar: ‘o que leva este tipo, que até já foi primeiro-ministro, que teve os cargos todos que se sabe, a ir concorrer a presidente de Câmara da Figueira?’. Acho que é preciso alguma humildade.
Acha que é uma atitude racional?
Não é por inconsciência, é porque acho mesmo que me falta fazer isso na vida. Devo fazer isso, fiquei com essa dívida, por culpa, entre aspas, de Durão Barroso que me desviou em 2001 para Lisboa. Até julgava que ia perder em Lisboa. Mas ele dizia: ‘Tens que vir! ‘Tens que vir! Só assim é que o Guterres cai’. Vim para Lisboa, mas fiquei para sempre com uma ligação à Figueira.
Diz que não tem prazer nenhum em ser presidente de Câmara mas vai concorrer.
Não, gosto muito do trabalho. Não preciso é do cargo, da honraria, da ambição, nada. Agora o trabalho é o mais bonito que há.
Já arrendou casa na Figueira?
Estou a escolher, agora recenseei-me lá, com uma morada onde costumo ficar em casa de amigos. Mas estou a escolher a casa que vou arrendar. Será em Buarcos, em princípio, com vista para o mar, se Deus quiser.
Como é viver com o ordenado de presidente de Câmara? Vai continuar como advogado?
Posso continuar a ser sócio da sociedade de advogados. Não posso é exercer advocacia sendo presidente de Câmara, mas posso ser sócio. Como vários o fizeram quando foram membros do Governo. Os presidentes de Câmara podem estar em exclusividade. Se não estiverem, recebem metade de ordenado e podem acumular com outras remunerações. Provavelmente é a forma por que vou optar.
A não exclusividade?
Sim, a não exclusividade. Tive um mandato na Santa Casa sem receber ordenado, só tinha despesas de representação como provedor. Fiz questão, disse a Passos Coelho ‘eu vou mas não quero receber remuneração’. Graças a Deus tenho a minha vida organizada. Quando saí do Governo, voltei a fazer o escritório que tinha desmanchado quando fui para a Figueira pela primeira vez. Era incompatível, era impossível, e não tinha as coisas estruturadas como tenho hoje em dia, graças a Deus. Tenho um escritório com vinte pessoas que tem um funcionamento corrente. Tenho bons colegas sócios do escritório que tomam conta dele nas minhas ausências, que são frequentes. Como presidente de Câmara não posso exercer. Claro que não viverei do ordenado de presidente de Câmara e portanto essa questão não se põe. Embora hoje em dia já não tenho os meus cinco filhos comigo. As despesas que tenho não são as mesmas que tinha antes em termos de obrigações e portanto isso não me assusta.
Também já não gasta dinheiro à noite (risos).
Não, há muito tempo.
Mas ainda vai a restaurantes…
Vou e gosto muito de ir. Se quiser, são os meus luxos. Tenho um carro importado, que por acaso não é meu, é da sociedade, de 2015 – 2016. Sou sócio da Global Lawers e tenho atividade privada que me dá segurança.
Admite precisar do PSD se não tiver maioria?
Logo verei. Quem queira ser digno de exercer funções públicas não pode governar com rancores e nomeadamente com rancores que vêm de campanhas eleitorais. Logo se verá. Estou convencido que vou ter maioria, é o que dizem todos os estudos que tenho. Estou convencido, mas ter maioria não me impede de distribuir um pelouro a alguém da oposição que queira trabalhar. Sou independente, que é um gosto e um sabor que nunca tinha tido. Devo dizer que estou a gostar e que me dá uma margem de liberdade que aprecio. Se vir uma pessoa com valor e que possa ser útil ao concelho não tenho problema nenhuns em distribuir pelouros. Mesmo que tenha maioria. Mesmo as pessoas que vão estar na câmara não chegam para o muito que a Figueira vai ter de fazer. A Figueira parou no tempo. E as pessoas sabem, umas fazem de propósito porque gostam da Figueira assim, há outras que deixam isto assim porque não sabem fazer de outra maneira.
Diz que parou no tempo porquê?
Porque outros concelhos avançaram e a Figueira estagnou no seu nível de vida, de investimento, de atividade económica, de várias instituições que saíram de lá, já nem falo da própria região do Turismo do Centro, as universidades, a própria juventude. As pessoas não têm atração para ficar lá e essas condições têm que ser criadas. A Figueira tem todas as condições, tem uma rede de acessibilidades extraordinária. O problema do porto tem de ser resolvido. A questão da segurança de quem vai à pesca é uma coisa que me faz imensa confusão e que irei apresentar no meu programa, o modo de ter isso assegurado em permanência.
Como vai garantir essa segurança?
Com uma estrutura da Proteção Civil a funcionar permanentemente porque não aceito e, já disse antes de ser candidato – escrevi no Jornal de Negócios, há três anos – que cidades como a Figueira da Foz, com um porto de pesca e com uma entrada de barra muito difícil como tem a Figueira, não tenha uma estrutura de Proteção Civil permanente. Há anos morreram cinco pessoas à entrada da barra, a 50 metros dos molhos. Uma terra destas tem de ter um helicóptero em permanência e pessoal capaz para fazer salvação em permanência. É um custo que tem de ser assumido. E não é um custo alto, mesmo que fosse por uma vida. O que me faz impressão em Portugal é isso: muitas vezes, o que é óbvio demora muito tempo. Isto é uma coisa que para mim nem discuto. Ou seja, a Figueira não pode deixar morrer pessoas à entrada da barra com as famílias a verem porque não tem meios e o helicóptero está a 100 kms. A Figueira ficou para trás, Aveiro cresceu e sabe que a administração do porto da Figueira tem quatro pessoas de Aveiro? O porto da Figueira é administrado por uma estrutura que são quatro pessoas de Aveiro. Aveiro é uma cidade fortemente concorrencial da Figueira e que tem trabalhado muito bem, tem-se desenvolvido, tem uma universidade ótima. É uma cidade cada vez mais poderosa, mas os aveirenses que tratem de Aveiro. Agora o problema é que quem dirige a Figueira não faz, na minha opinião, o que deve ser feito para a Figueira ser imprescindível em algumas matérias, para ser atrativa, para fixar gente e não funcionar só uma vez por ano ou um mês e meio por ano. Quando estive como presidente da Câmara, José Sócrates vetou-me o campo de golfe para a Figueira que precisávamos como de ‘pão para a boca’ porque dizia que havia o lince ibérico. Agora passaram 20 anos, não apareceu o lince, espero que não me voltem a falar no mesmo.
Quer avançar com o campo de golfe?
Isso é imprescindível também.
É uma das suas promessas?
Em absoluto sim. Com privados, não estou a dizer que é a câmara que o vai fazer. Na altura, tinha feito um acordo com os donos da Quinta do Lago, que eram irlandeses, e o grupo Amorim, que está na Figueira, para fazerem a construção da solução turística do Campo de Golfe: campo de golfe e casas à volta, ao pé da Lagoa da Vela. Até as lagoas estão assoreadas. Foi nessa altura que Carmona Rodrigues foi trabalhar comigo nisso, na limpeza das lagoas – ele era da área das hidráulicas. Tudo isso está parado no tempo. É uma coisa que me faz impressão: a falta de projetos, a falta de ideias, a falta de capacidade de concretização. Parece quando a televisão avaria e fica uma imagem parada. É a sensação que tenho quando estou lá – vim de lá ontem à noite, vou para lá amanhã [a entrevista foi feita na quinta-feira] – é que parou no tempo. Tem alguma boa indústria, a parte da ciência, a parte da investigação – hoje em dia é fundamental e desenvolvi muito na Santa Casa, pois criei as maiores bolsas nas áreas neurodegenerativas e nas vertebro-medulares – e é fundamental apostar na ciência, nomeadamente no que é ligado ao mar. Como na parte do desporto, onde irei apresentar um programa capaz e inovador.
Em que matéria?
A Figueira tem de ter estruturas de alto rendimento, entre congressos, golfe, centro de alto rendimento, para ser atrativa o suficiente para a economia funcionar o ano todo. Só que não são só esses polos, digamos assim, de grandes símbolos. O que a Figueira tem de ter é resolvidas as condições do porto, porque é um centro natural de movimento exportador, só que é muito prejudicado pelas condições de acesso à barra. Também é necessário resolver a questão da marina ou a construção de um molho que permita a navios que cruzam a costa Atlântica ancorar na Figueira. Conhece o Sul de Espanha, Marbella? Há uma marina de cinco em cinco minutos, praticamente. A costa Atlântica portuguesa toda não tem uma marina de Lisboa até lá cima. E de Lisboa para Sul, a mesma coisa. O Algarve tem várias. Ou seja, os barcos passam ali…
Temos em Troia…
Pequenita. São mais docas do que marinas. Mas estou a dizer de Lisboa para cima, não tem como. Como é que isso é compreensível? Uma cidade como a Figueira, que também tem uma pequena doca, tem de ter condições para os navios, às vezes, nem precisam de vir a ancorar às marinas, ficam ao largo. É o que acontece, por exemplo, no sul de Espanha, em vários casos e isso dá um movimento turístico completamente diferente. Canalizando fundos europeus, aproveitando o Programa de Recuperação e Resiliência, em que estes quatros anos são vitais, as autarquias têm de ter dirigentes que saibam onde ir, saibam com quem falar, que o possam fazer, que saibam aproveitar as oportunidades e que tenham projetos prontos a tempo. Da outra vez que estive na Figueira da Foz fui o primeiro a esgotar toda a verba que tinha direito com comparticipação de 75% – e quando falam na dívida, a razão é essa – porque logo no princípio do mandato apresentei os projetos todos. Seria boa opção de gestão deitar fora 75% a fundo perdido? Acho que é uma má opção. Ou ia buscar esse dinheiro ou nunca mais o tinha.
E foi.
Fomos buscá-lo. A minha estratégia é que neste mandato vamos investir, vamos assumir alguns encargos com dívida consolidada a médio-prazo, porque não foi nas despesas correntes que carreguei. Quando cheguei à Figueira tinha 624 funcionários e quando saí tinha 625, o que subiu foi a despesa de investimento, mas a despesa de investimento não é má quando é para ser utilizada, consumida por várias gerações. É mau se for em despesas de consumo, despesas supérfluas, se for em bens que se esvaziam rapidamente. Fiz algum investimento em promoção, mas também teve a contrapartida de o metro quadrado na Figueira da Foz ter aumentado imenso e, como sabe, a competente psicológica na economia é importante. O que me dizem os figueirenses de lá, principalmente a malta nova, é ‘venha para tirar isto deste marasmo’. É a palavra mais usada na Figueira. Há uma coisa que a Figueira tem: é a beleza natural e condições. Sabe que deixei também um aeródromo licenciado? Nunca o puseram a funcionar. A Figueira tem um casino. Uma terra como a Figueira com um casino com aquelas condições naturais devia ter um aeródromo, onde pudessem aterrar até jatos privados de pessoas que gostam de ir jogar sossegadas, discretas. Não é só para isso, mas também para isso. Depois há tanto trabalho a fazer na extensão do porto, na segurança de entrada do porto e a questão da erosão da costa. Faço intenções de trabalhar muito com o LNEC porque a Figueira anda há um século e meio com esta conversa da areia porque a areia vem desde o Norte da costa para Sul.
Trabalhar com o LNEC em quê?
Em todas as funções que exerci há uma entidade que para mim é fundamental que é o LNEC, que utilizei quando fiz o túnel do Marquês. Já fui falar com o Ministério do Ambiente, não tornei público, mas disseram-me: ‘Também temos boas entidades em termos de engenharia para decidir e tratar destas matérias’. O LNEC é fundamental e, várias vezes, o comprovei. O problema da erosão da costa não é só da Figueira, não é conjuntural, é um problema estrutural e que tem a ver com as mudanças climáticas. Há várias teorias, mas quem vai decidir a solução não vou ser eu, enquanto presidente da Câmara, é quem sabe. Depois tem de se tomar a decisão política, mas eu e o Governo porque isso é matéria, em grande parte, do Governo. Já da outra vez que estive lá tivemos de pôr muita pedra na costa porque o mar estava a invadir. E depois é ter imaginação.
Para promover?
Da outra vez cheguei a gravar vídeos para levar as pessoas à Figueira – a pedir ao Dani que jogava no Ajax para gravar um vídeo a dizer ‘este ano vou passar as férias à Figueira’. Se soubesse a quantidade de gente que andava nas ruas na Figueira e dizia ‘oh Santana, onde é que está o Dani?’. Eu dizia ‘Acho que chega amanhã’. Foi tanta gente conhecida para a Figueira que foi muito bom para para os comerciantes, para os hotéis, foi um movimento louco. Tudo disparou, mas desta vez, o meu grande desafio não é esse. O meu grande desafio é tornar a Figueira competitiva e recuperar o atraso que se verificou nos últimos anos. Um dos outros candidatos – e não quero entrar em polémicas estéreis – foi dez anos presidente da Região do Turismo do Centro. Fez 50 vídeos, até é um tipo simpático, nenhum sobre a Figueira…
Pedro Machado…
Ele foi desagradável comigo, odeio a política da mentira, desculpo tudo com base na verdade, o tipo disse que a Figueira tinha sido a minha última escolha. A Figueira foi a minha primeira e única verdadeira escolha e está por escrito. Não fez um vídeo com um minuto sobre a Figueira. Mas isto não é de agora, nem foi com ele. Por isso, é que da outra vez, quando fui presidente da Figueira, optei por sair da região do Turismo e fui promover a Figueira lá fora, nas feiras do turismo, sozinho. Em Madrid, por exemplo, levei o Figo ao stand e o stand da AICEP estava sozinho. E o stand da Figueira cheio. A região Centro tem coisas muito boas e sabe qual é a teoria deles? ‘Aveiro e Nazaré é que estão na moda e, por isso, puxamos por eles’. Bem, a Câmara da Figueira não faz o seu trabalho e, como tal, não se puxa por ela. Então? Só puxam por aqueles que já estão puxados? Alguém tem de tratar da promoção da Figueira. Ainda esta semana tive uma grande conversa com pessoas dos portos, da estiva, o que ando a fazer na Figueira, outra vez, é documentar-me, saber tudo e só falo quando tiver a certeza da estratégia de desenvolvimento que vou apresentar. Agora para fazer flores, rotundas e uns jardinzinhos não contem comigo… da última vez que lá estive, fui eu que levei o saneamento para as aldeias todas, porque o que estava no caderno com a concessionária era mudar as condutas da cidade. E para as pessoas da aldeia não havia nem água, nem saneamento. Mas disse: ‘é o contrário’. Perguntei quanto tempo aguentam as condutas da cidade. Responderam-me que era mais 30 a 40 anos e nem discuti: ‘Vamos reconverter isto tudo e vamos levar saneamento ao concelho todo’. Desde que saí de lá, praticamente não fizeram mais um metro quadrado de saneamento e o povo sabe disso. É por isso que, quando dizem que foi o ‘reinado do efémero’ – tenho aqui uma intervenção de Paulo Pereira Coelho, na assembleia municipal quando acabei o mandato lá… Sei o que fiz e, sei o que fiz em todos os domínios, mas para isso às vezes é preciso investir. Mas aproveito para dizer que fiquei com o mito que foi a maior estupidez política da minha vida: não fui eu que fiz a dívida em Lisboa e deixei andar esta conversa sempre. Foi uma estupidez e tive a culpa. Na Figueira da Foz, esse tipo que foi presidente da Câmara e fala para aí e que é presidente da Misericórdia lá – deve ser chato um tipo ter sido presidente da Câmara e ninguém o desafiar para voltar a ser e, ainda por cima, ser da terra – já me atribui quase 90 milhões de euros quando saí. Ainda era contos, mas quando entrei oito ou nove milhões de euros, quando saí, o relatório oficial dá 15 milhões. Se puser mais nove milhões da Figueira Grande Turismo são 24 milhões. Sabe quanto é que 20 anos depois é a dívida da câmara?
Não.
26 milhões de euros. Não os censuro, se calhar, às vezes é necessário e faz parte. Mas a receita baixou. Tive receitas de IMT, de IMI, de derrama extraordinárias porque a atividade económica aumentou, a dívida estava bem consolidada e era por boas razões. Até fiz uma rede de cobertura de paragens de transportes de autocarros pelo concelho todo e que ainda hoje existe. E porquê? Quando lá cheguei vi que era a malta toda, os miúdos e os velhinhos principalmente, vi-os ‘n’ vezes à chuva à espera da camioneta. E foi a primeira medida que tomei na Câmara, foi ir lá a uma metalomecânica mandar fazer paragens de autocarro para o concelho todo. É evidente que consegui fundos europeus para isso tudo, mas a Figueira tinha essa necessidade. Quando cheguei à Figueira perguntei ‘vão ao teatro aonde’? Eles não tinham onde ir ao teatro. Somos Lisboa, Porto e Algarve – é o que é o país – cinema tinham uma sala no casino num auditório porque tinha ardido um teatro, o outro tinha sido demolido. Disse ‘está fora de questão’, vamos construir um centro de artes e espetáculos que eles se orgulham muito hoje em dia. Se vir muitos espetáculos que vêm a Portugal dizem Porto, centro de artes na Figueira e Lisboa, Coliseu ou CBB. Portanto, há duas visões sobre a Figueira.
Qual é a sua reação às declarações de José Pacheco Pereira que disse que a pior coisa que podia acontecer à Figueira da Foz era a sua recandidatura e que após ter deixado o cargo, deixou a câmara falida?
Gosto muito de fazer política com base na verdade. A política da mentira não tem jeito nenhum. E
Pacheco Pereira tem a mania desse truque. Neste caso invoca o testemunho de uma pessoa que já morreu, que é o engenheiro Duarte Silva. Ele diz ‘quem me disse foi o engenheiro Duarte Silva que já cá não está’. Não posso ir buscar o testemunho do engenheiro Duarte Silva, como digo, ele já não pode corroborar. Mas António Duarte Silva já levava uns anos de presidente de Câmara e atribuiu-me a Chave de Ouro da cidade em sessão pública com um discurso que desmente totalmente o que esse senhor diz. Quando saí da Câmara Municipal, por muita obra aqui feita, a Figueira tinha entre 25 a 30 milhões de euros de dívida. Por acaso, quando Duarte Silva acabou o mandato tinha 90 milhões de euros. Hoje em dia, passados 20 anos, tem a mesma dívida de quando eu saí. Se era muita, ainda não conseguiram tratar disso 20 anos depois? É um bocado estranho. Só que a minha dívida corresponde toda a obra. A despesa corrente diminuiu. O que é que eles não fariam? O centro de espetáculos? A ETAR da zona urbana? Continuava a atirar esgotos para o rio? Não renovar as estradas todas do concelho que estava tudo uma desgraça, uma calamidade? As escolas que ainda tinham as caixas métricas do tempo do professor Salazar? Deve fazer-se tudo desde que seja investimento reprodutivo e que seja útil para várias gerações. Quando foi as diretas, esse senhor [Pacheco Pereira] disse que eu lhe tinha dito, numa conversa, que se calhar ia sair do PSD. Numa conversa a dois é a palavra contra palavra. Ele inventa sempre coisas. Um dia destes tenho que levar testemunhas que estão vivas, tenho que falar com esse senhor, dos tempos em que ele era presidente da distrital de Lisboa e como é que ele tratava do orçamento e do financiamento. Mas isso vou com testemunhas.
Uma das suas grandes obras para a Figueira é mesmo o campo de golfe?
É, é essencial. Esta gente toda não tem e precisa de quem o construa para virem para aqui muitas pessoas quebrar a sazonalidade desta região, desta oferta turística, desta economia. O golfe é um dos principais fatores. Veja-se o Algarve ou a Madeira, por exemplo. No Algarve – vou lá mais que à Madeira – vejo as pessoas a chegarem de viagem sem mala mas com um saquinho de golfe, muitas vezes. Às carradas, como se costuma dizer.
É fundamental.
Essencial. E é para isso que venho para um segundo mandato: é para fazer aquilo que não pude fazer no primeiro. E outras coisas, necessidades, que entretanto foram surgindo. Nomeadamente o pós-pandemia, que vai ser um tempo muito difícil.
Também já percebemos que o saneamento financeiro não põe em causa as suas ideias para a Figueira…
Não, a realidade agora é diferente. Não preciso de fazer investimentos que tive de fazer da outra vez. Há muita coisa que está feita.
Mas disse que parou…
Parou porque não foram buscar investimento privado, não apresentaram projetos atrativos. Não trabalharam na área da ciência, da investigação. As lagoas são um bom exemplo, para não falar na questão do porto, que pode ser um polo até para treino de remo que há em Montemor-o-Velho. Não fazem, não limpam, não trabalham, não inovam. Fazem a gestão corrente, mas agora estão a anunciar tudo a meses de eleições. Até anunciaram esta semana um desporto que nunca ninguém ouviu falar – como fiz uns campos na praia – que agora é footbeach golf, que é uma coisa ridícula, em que está tudo a vibrar para ver se acerta num buraco de golfe. Até fui à internet e não vi aquele desporto em lado nenhum. Estão a anunciar tudo, até vão recuperar o Convento de Seiça, que é um convento do tempo de D. Afonso Henriques que adquiri para voltar para a posse pública e agora dizem que vão começar as obras. Curiosamente fui eu que comecei a classificação em 1991, como secretário de Estado da Cultura. O Convento de Seiça está muito estragado, mas é uma joia raríssima. Hoje em dia, estamos numa fase da vida em que não sei o que vai ser o mundo, estamos a entrar na criptoeconomia, na inteligência artificial, isto vai ser tudo diferente. Adoro o trabalho, isso é fonte de vida e tenho entusiasmo pelo trabalho. Sinceramente, se há coisa que não quero é ser reformado, estar aposentado, estar parado. Enquanto viver – e se tiver vida e saúde para isso – espero trabalhar sempre, porque adoro.
E já se vê como candidato a Presidente da República?
Não.
Mas não diz não categoricamente….
Vou agora para a Figueira para dois mandatos, pelo menos, por isso, não posso ser candidato no fim do mandato presidencial de Marcelo. Se admitirem candidatos aos 80 logo vejo.
Garante que se for eleito não se vai embora se lhe oferecerem outro cargo?
Não, até porque não quero mais nenhum cargo na vida. Além do mais, a Figueira é uma terra maravilhosa para se viver.
Vai lá viver todos os dias?
Vou lá ter a minha residência principal, mas vou ter um pouso em Lisboa, como tenho de ter sempre, até porque tenho cá os meus filhos, os meus netos. Mas eles também vão à Figueira, os filhos adoram a Figueira. Os meus netos ainda não a conhecem, ainda não eram nascidos quando estive lá da outra vez. O mais velho tem 10 anos, um grande sportinguista, o Sebastião.
Como viveu a vitória do Sporting?
Com muita serenidade. Sabe como vi o jogo? Sozinho, passei a época quase toda a ver os jogos sozinho. Este último ano morei na margem Sul, na Aroeira, para fugir um bocadinho da confusão da pandemia. Agora vou voltar à margem Norte, em princípio. Foram jogos de sofrimento, o Sporting ganhava quase sempre ao fim. Foi uma sensação muito grande. Tive para ir com o meu neto mais velho ao Marquês, mas depois comecei a ver aquelas confusões e não fui. Queria muito saborear o jogo e pensar no meu pai, não é pieguice é mesmo assim, porque o meu pai adorava o Sporting. Tenho pena que não esteja cá para ver isso, sem pieguice nenhuma. Quando acabou o jogo pus no meu Facebook um emblema do Sporting e uma fotografia dele, dos meus filhos e dos meus netos, porque foi ele que me ensinou a ser do Sporting. Aliás, todos os meus irmãos são do Sporting, menos um. O segundo é do Benfica. Os meus filhos são todos do Sporting e os meus netos também. Achei muito bonito como a generalidade dos benfiquistas reagiram, cumprimentaram o Sporting e reconheceram que também temos direito. Adoro esse ambiente e o fair-play. Também quero realçar o facto de o Sporting ter gente jovem: presidente, treinador, jogadores e com gente decente. Acho que a sociedade e o futebol, todos, precisam disso, porque a política também é isso. Lembro-me sempre de a minha mãe dizer em relação à política: ‘Não te metas nisso porque a política é uma coisa muito suja’. Nunca lhe liguei como se vê. Outra coisa que me dizia quando ia à televisão: ‘Leva gravata, não gosto nada de te ver sem gravata’, mas gosto de ir sem gravata. Às vezes lá me lembro disso e ponho gravata. A outra não segui.
Tem pavor da covid?
Algum, porque a minha família tem alergias, asmas e bronquites. Procurei durante este tempo todo ter muito cuidado. Em público ando sempre com duas máscaras. Três filhos meus já tiveram e dois netos. O primeiro dos meus filhos a ter era o mais cuidadoso. O Diogo foi a Espanha e apanhou.