Nestes tempos desvairados em que vivemos, o racismo tornou-se um tema constantemente presente. Surgiu de repente, na avalancha do politicamente correto que nos quer tomar conta do pensamento, e não só em Portugal: surgiu em todo o mundo ocidental.
Na minha infância e juventude nunca me apercebi de que o racismo fosse um problema em Portugal. Mesmo nos tempos da guerra colonial, em que muitas famílias portuguesas viam os filhos partir para África e morrer às mãos de guerrilheiros negros, nunca assisti a episódios marcadamente racistas – o que, até certo ponto, seria natural e compreensível.
A propaganda do Estado Novo (que neste aspeto era igual à da I República), segundo a qual Portugal era um Estado «pluricontinental e plurirracial», tinha uma correspondência na realidade, pois o racismo que observávamos em países como os Estado Unidos não existia aqui.
Lembro-me de um filme chamado The Chase (Perseguição Impiedosa, na versão portuguesa), de Arthur Penn, com Marlon Brando, Jane Fonda e Robert Redford, que me impressionou profundamente e em relação ao qual pensei: uma situação destas era impossível em Portugal.
Significa isto que a propaganda ‘antirracista’ a que temos vindo a assistir nos últimos anos tem tido o efeito contrário ao pretendido: tem incendiado os ânimos e promovido o racismo. Não percebo como algumas pessoas não veem isto. As campanhas antirracistas, as organizações antirracistas, estão a criar um ambiente confrontacional que só contribui para despertar demónios adormecidos.
Sérgio Sousa Pinto, um homem que não conheço pessoalmente mas aprecio, porque tem a coragem de pensar pela sua cabeça, dizia um dia destes que o racismo «não é sistémico», ou seja, não está disseminado na sociedade. Dito de outro modo, em Portugal há racistas (como em todo o mundo) mas Portugal não é um país racista. Da mesma forma que, havendo ladrões entre nós, não se pode dizer que sejamos um país de ladrões.
Mas depois de dizer isto, Sousa Pinto afirmava que o racismo «é estúpido». Ora, esta afirmação já não é correta.
O racismo não é estúpido. Pode ser «odioso», pode ser «repugnante», pode ser «egoísta», mas não é «estúpido». Por estúpido entende-se que não faz sentido, que não tem razão de ser, que é absurdo, anacrónico. Ora, o racismo é um fenómeno que existe em todas as sociedades e é perfeitamente explicável. Todos os animais (e não só os humanos) reagem ao que é diferente. Trata-se de uma reação instintiva, de defesa. Os brancos reagem com alguma estranheza aos negros, os negros aos amarelos, os amarelos aos brancos, etc.
São reações que decorrem do instinto de sobrevivência, comum a todo o reino animal. Que têm que ver com a preservação da identidade, da cultura, da religião, do padrão étnico, dos usos e costumes.
Nestas condições, como combater o racismo? Com propaganda, como se está a tentar? Não. O racismo combate-se com a civilização. O homem primitivo reagia com agressividade perante a invasão de pessoas estranhas. Mas o homem civilizado tende a aceitá-la. A compreender o que é diferente. Até a ser solidário com o que é diferente.
Se observarmos bem, as pessoas das camadas mais baixas da população são as mais intolerantes em relação aos negros e a outras ‘raças’. São as mais racistas. Talvez porque os africanos e os orientais lhes disputam os empregos. Mas julgo que não é só isso.
O racismo combate-se através da civilização, porque é através da civilização que educamos os nossos instintos básicos e as reações primárias. Que aprendemos a aceitar a diferença. Que aprendemos a admitir opiniões contrárias. Que aprendemos a perder, a aceitar a derrota com fair play. Tudo isso são aquisições da civilização.
Mas atenção: essas aquisições, que em geral são boas, são mesmo fundamentais para permitir a vida em sociedade, também correm o risco de levar a um certo ‘amolecimento’ dos povos. As reações primárias, instintivas, de defesa, protegem as comunidades dos intrusos, dos invasores. A partir do momento em que se civilizam e os aceitam, as sociedades correm o risco de ser tomadas por dentro – como está a acontecer em alguns países ocidentais, onde em certas zonas as comunidades islâmicas já impõem as suas leis.
Resumindo: ao dizer que o racismo «é estúpido», Sousa Pinto – que é suposto ter pensado suficientemente no assunto – enganou-se na palavra. De estúpido o racismo não tem nada. É uma reação instintiva de defesa, que se modera com o avanço civilizacional – e com a aceitação do princípio de que todos os seres humanos têm os mesmos direitos. Cuidado, porém!
O progresso civilizacional, que nos leva a admitir a diferença, também tem os seus perigos, pois conduz ao tal amolecimento. Ora, foi devido a ele que Roma foi tomada pelos bárbaros. O equilíbrio entre a tolerância para aceitar o que é diferente e uma certa firmeza para sublinhar a identidade será o segredo das comunidades que querem manter a sua autonomia. E, em última análise, preservar a sua existência.