Benfica. Venda de 25% da SAD sem comunicar a regulador trama Vieira

Também o filho do presidente do Benfica e os empresários “Rei dos Frangos” e Bruno Macedo foram detidos. Em causa estão também suspeitas de burla qualificada ao Fundo de Resolução bancária, de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

A venda de 25% do capital do capital da Benfica SAD a um empresário estrangeiro, obtendo com esta alienação ganhos milionários, sem a ter comunicado ao regulador dos mercados (o que representa uma contraordenação considerada muito grave, sujeita a multa elevada) é um dos objetos da investigação de que Luís Filipe Vieira, ontem detido, está a ser alvo, apurou o i de fonte segura. Até ao fecho da edição não foi possível obter uma reação por parte do regulador, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

A esta ilícito juntam-se ainda as suspeitas da prática de crimes de burla qualificada ao Fundo de Resolução bancária, de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. Que estarão relacionados também com a transferência de jogadores (nomeadamente César Martins, Galeano e Cláudio Correa Ganiza) e quantias milionárias que foram desviadas da Benfica SAD para contas de Vieira. 

A detenção do presidente do Benfica, assim como do seu filho Tiago Vieira, do empresário seu amigo José António dos Santos (conhecido como “O Rei dos Frangos”) e do empresário desportivo Bruno Macedo, tal como tinha sido avançado ontem pelo Nascer do SOL e pelo i, foi confirmada mais tarde em comunicado pela Procuradoria-Geral da República, “atendendo aos indícios já recolhidos, com vista a acautelar a prova, evitar ausências de arguidos e a prevenir a consumação de atuações suspeitas em curso”.

Declarou ainda a PGR: “No âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal cuja investigação se encontra a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e conta com a estreita colaboração da Polícia de Segurança Pública (PSP), foram cumpridos cerca de 45 mandados de busca, abrangendo instalações de sociedades, domicílios, escritórios de advogados e uma instituição bancária.

Estas buscas decorrem nas áreas de Lisboa, Torres Vedras e Braga. E esclareceu que “os detidos serão presentes, previsivelmente no decurso do dia de amanhã [hoje], a primeiro interrogatório judicial com vista à aplicação, considerando a gravidade dos crimes e as exigências cautelares, de medidas coação diferentes do termo de identidade e residência”. No processo, acrescenta-se, estão a ser investigados “negócios e financiamentos em montante total superior a 100 milhões de euros, que poderão ter acarretado elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades”.
 
Buscas 

As buscas – que contaram com mais de uma centena de agentes da PSP e da Inspeção Tributária (IT) –  foram realizadas às instalações do Benfica, à sede do Novo Banco (do qual o presidente do clube é um dos grandes devedores, desde o tempo do seu antecessor BES – Banco Espírito Santo), aos escritórios da Promovalor (empresa imobiliária de Vieira, em Santo António dos Cavaleiros), à Avibom (firma de avicultura do grupo Valouro, de José António dos Santos) e às sociedades gestoras de fundos C2 Capital Partners (antiga Capital Criativo) e Iberis Semper.

Tratou-se do culminar de um longo processo de investigação que teve origem na Operação Monte Branco, que em 2011 desmantelou uma rede dedicada à prática de crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais (incidindo sobre movimentos financeiros ilícitos ocorridos desde 2006, no valor de centenas de milhões de euros), que operava a partir da Suíça, permitindo a centenas de empresários portugueses fugir aos impostos e apagar o rasto das suas fortunas.

Nas buscas feitas ao então BES (cuja resolução, em 2014, deu origem ao Novo Banco) foi descoberta informação que permitiu mais tarde a extração de uma certidão judicial com vista a investigar a dívida de Vieira ao banco extinto, a qual já havia transitado para a instituição que lhe sucedera.

A operação está a ser coordenada pelo procurador da República Rosário Teixeira, pelo coordenador da delegação de Braga da IT, Paulo Silva, e pelo juiz Carlos Alexandre, o trio que há quase sete anos deteve o ex-primeiro ministro José Sócrates por suspeitas de corrupção passiva, evasão fiscal e branqueamento de capitais, no âmbito da Operação Marquês.

Recorde-se que, de acordo com dois relatórios de auditoria da PwC e da EY posteriores à resolução do BES que analisaram as exposições a grandes devedores, a Promovalor devia 304 e 487 milhões de euros, respetivamente, sendo a diferença atribuível ao perímetro de análise dos grupos.

Quando foi recentemente ouvido na Assembleia da República no âmbito de um inquérito parlamentar às dívidas do Novo Banco, Luís Filipe Vieira, afastou o cenário de ser um dos maiores devedores da instituição. “Por muito que seja cómodo publicamente colarem-me às perdas do Novo Banco e às perdas dos contribuintes portugueses, tudo isso não passa de uma tentativa de alterar a realidade”, referiu aos deputados. “Não tive nenhum perdão de capital, nem nenhum perdão de juros. Nem eu, Luís Filipe Vieira, nem o grupo Promovalor”, referiu aos deputados.

Em relação aos seus rendimentos, disse na mesma ocasião possuir mais património do que um “palheiro”, como fora referido em informação recebida pelos deputados, uma vez que tinha “outros negócios” e “uma boa reforma”. “Vivo bem”, garantiu, defendendo que já era “reconhecido e prestigiado” quando se juntou ao clube desportivo.

O líder do Benfica afirmou ainda que os bancos quiseram, no início dos anos 2000, que fosse para o clube devido à sua situação financeira: “A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte.

Foi também um pedido de várias instituições financeiras […] interessadas na viabilização [do clube]” Acrescentou: “Interpretei isso como uma prova de confiança nas minhas capacidades e na minha palavra, tendo em conta a situação de extrema fragilidade que o Sport Lisboa e Benfica atravessava no ano 2000”.

E revelou que o clube “encontrava-se numa situação financeira muito delicada, como nunca antes tinha vivido na sua história”, classificando de “tristes acontecimentos” as suas “dificuldades” e “fragilidades”.

Nova emissão tremida

Esta operação ocorreu três dias depois de o clube encarnado ter lançado uma nova emissão obrigacionista para arrecadar 35 milhões de euros. O preço de subscrição por cada obrigação é de cinco euros, com um investimento mínimo de dois mil euros, o que corresponde a 400 obrigações. O prazo de subscrição termina às 15h no próximo dia 23 deste mês. E é oferecido uma taxa de 4% ao ano. 

Essa “ameaça” é visível pela desvalorização das ações da Benfica SAD, que ontem fecharam a sessão a cair 5,52%, para os 2,911 euros. Tratou-se e a maior queda diária em bolsa registada pelo clube da Luz desde abril do ano passado. Para já, a oferta mantém-se, mas “será solicitada a aprovação pela CMVM de uma adenda ao prospeto aprovado em 1 de julho”, de forma a avisar os investidores dos últimos acontecimentos. Os que pretendem podem retirar as ordens de compra até ao dia 16 e julho.

Esta não é a primeira vez que o Benfica recorre a empréstimos obrigacionistas com vista a reduzir a sua exposição a empréstimos junto da banca. Atualmente, há uma dessas emissões a atingir a maturidade. As obrigações foram emitidas em 2018 e têm agora de ser reembolsadas, embora parte já o tenha sido antecipadamente.

Em dezembro de 2019, a SAD avançou com um reembolso parcial na ordem dos 25 milhões. Essas obrigações pagavam um juro de 4%, e, na altura, o Benfica financiou-se em 45 milhões de euros.