A política doméstica em Portugal está cada vez mais divertida. Nos últimos dias, o PS através de dois destacados ‘ajudantes’ do secretário geral/primeiro-ministro, um do aparelho e outro do governo, queixaram-se que o PSD é incapaz de apresentar propostas alternativas, agarrando-se à política das ‘coisinhas’ e dos factos menores.
Entretanto o PSD exibe a sua prova de vida, apresentando propostas, que independentemente do seu mérito, não tem qualquer utilidade eleitoral pois não correspondem, no momento presente, à verdadeira preocupação da generalidade dos portugueses.
A revisão constitucional e a alteração da lei eleitoral, não são propriamente ‘coisinhas’ e factos menores, mas tem um tempo cronológico e político que, manifestamente, não é o atual.
Todos sabemos que a Constituição deve ser melhorada, clarificando alguns poderes e expurgando-a de compromissos programáticos, datados a acontecimentos do passado, hoje totalmente ultrapassados.
E também sabemos que a atual lei eleitoral deve ser melhorada, não apenas para aproximar os eleitores dos eleitos, permitindo um melhor escrutínio dos seus mandatos, mas também para facilitar, com outras medidas, uma maior participação eleitoral.
Só que tudo tem o seu tempo e a sua lógica e este não é o momento das grandes reformas institucionais, porque essas reformas exigem consenso e respeito mútuo entre os dois principais partidos do sistema. O problema não será tanto o PSD se distrair com factos e coisinhas, mas será exatamente o contrário.
Mudar a Constituição e alterar a Lei Eleitoral exige maiorias qualificadas, impossíveis de conseguir sem o entendimento, que não se vislumbra nos próximos tempos e com os atuais líderes, entre o PS e o PSD. Não podendo assumir esta verdade, afirma-se que acordos, estilo bloco central, enfraqueceriam a democracia e dificultariam a alternância.
Ora o que se pode antecipar do que, com muita probabilidade, ocorrerá em setembro na Alemanha é exatamente o contrário, pois o SPD em nada terá sido prejudicado com a coligação que fez com os conservadores e pode tornar-se o maior partido no Parlamento alemão.
Quando está em causa o interesse nacional e os partidos democráticos se recusam a ser reféns de minorias, os eleitorados compreendem as opções políticas e premeiam os partidos que tem coragem de abdicar dos caprichos pessoais dos seus líderes e até de alguns aspetos programáticos da sua existência.
Na Alemanha estiveram no centro das decisões líderes como Merkel que vai abandonar a vida pública como verdadeira heroína europeia, apesar da narrativa de algumas minorias (em Portugal o PCP , o BE e setores do PS, ousaram chamar-lhe Hitler dos tempos modernos) e Olaf Scholz, o carismático ministro das Finanças, que nunca cedeu ao populismo e nunca pactuou com o desperdício só para ganhar eleições.
Uma dupla assim não é facilmente clonável em Portugal, em virtude do fraco sentido de responsabilidade das elites dos partidos e das características pessoais dos interlocutores necessários.
A última grande entrevista do primeiro-ministro (já todos lhe perdemos a conta) é, para este efeito, um bom exemplo. Afinal não se passa nada de mal pois estamos a convergir com a UE, temos dinheiro à farta para gastar, uma Administração Pública cada vez mais forte (e domesticada), investimento público que vai dar para todas as promessas, uma oposição ‘fofinha’a viver à beira do pântano e o PS, à boa maneira do PRI mexicano, dos velhos tempos, como garantia de um futuro cada vez melhor.
Perante este cenário tão risonho (quem tem coragem para estragar a novela?) os jornalistas esqueceram-se das tais pequenas coisinhas. Porque continuamos a caminhar alegremente para o fundo da tabela dos estados membros da UE divergindo daqueles que são os nossos verdadeiros parceiros económicos?
Porque é que se deixou de falar do grande investimento em Sines, numa cloud de dados que ia criar milhares de postos de trabalho, agora substituído por um projeto diferente? Como é que se vai negociar um Orçamento com o PCP quando o seu líder acaba de afirmar que o Plano de Recuperação e Resiliência (que já não pode ser substancialmente alterado) é uma enorme cedência ao grande capital (sic)?
Quando seremos dignos de saber a que velocidade circulava o carro do ministro da Administração Interna, quando atropelou e matou um trabalhador na AE8? E já agora que tipo de apoio e ajudas tem sido dadas à sua família?
Qual o balanço possível da luta contra a pandemia, que apesar do enorme sucesso da política de vacinação, ainda nos mantém entre os países do mundo com maior taxa de ocorrências por milhão de habitantes?
Porque não aproveitou o PM a entrevista para fazer uma crítica impiedosa aos ‘terroristas’ que tentaram boicotar o processo de vacinação e porque continua a ignorar o gestão competente do vice-almirante Gouveia e Melo, numa altura em que se verifica um enorme e favorável consenso acerca da sua capacidade e competência?
Parece que denunciar os pequenos casos ou ‘coisinhas’, se transformou numa tarefa infindável e fastidiosa, que não agrada ao PS, porque a critica, e ao PSD porque não a pratica. É por isso que, como bem notou João Vieira Pereira no Expresso, Costa olha para a governação como algo parecido com ‘um passeio primaveril, numa tarde de domingo’.
Não será agora, em plena silly season e na véspera das festas e piqueniques a que alguns chamam Congresso e outros Rentrée, que se vai perder tempo com ‘inutilidades’
A seguir chega a grande festa das autárquicas e, como sempre, ganharão todos os que melhor souberem torturar os números. Sempre assim foi, porquê mudar? Há um PRR para cumprir com eficiência , o que exige diálogo e consenso, mas também não é preciso ir tão depressa ‘ajudar o grande capital’. É Portugal e ninguém vai levar a mal.