Horas depois de o Presidente Joe Biden anunciar que os tempos em que os Estados Unidos destruíam e reconstruíam países a seu bel-prazer tinham terminado, os talibãs celebravam com uma parada da vitória em Kandahar, capital espiritual do grupo, esta quarta-feira, como que para sublinhar o falhanço de duas décadas de intervenção militar americana.
Entre gritos de celebração, mas com ordem de marcha como se de um exército formal se tratasse, fundamentalistas islâmicos passearam em longas filas de blindados Humvee – entre 2005 e 2016, os EUA ofereceram mais de 22 mil ao caído Estado afegão, segundo o Washington Post, com um custo estimado à volta dos 250 mil dólares cada, segundo o USAToday – e até mostraram as suas manobras a bordo do icónico helicóptero Black Hawk.
Por mais dúvidas que haja quanto à sua capacidade técnica para o utilizar, a lista de armamento americano tomado pelos talibãs é extensa. Vai desde veículos resistentes a minas, ou MRAPS, avaliados em cerca de um milhão de dólares cada, até artilharia, morteiros, sistemas antimíssil e aeronaves – o facto dos talibãs terem conseguido pôr a voar um Black Hawk sugere que possam ter cooptado pilotos e especialistas das forças armadas afegãs.
Ver esse material de guerra exibido entre as bandeiras brancas do novo emirado do Afeganistão, sobre as ruínas da República, certamente não terá caído bem na Casa Branca. As imagens da parada de Kandahar mostram militantes com trajes típicos dos talibãs, com o velho e habitual armamento de fabrico soviético ao ombro, sejam AK-47 ou lança-rockets – mas também homens vestidos com uniformes em tudo semelhantes aos dos EUA, com espingardas americanas M-4 nas mãos.
Aliás, Biden já tinha deixado claro que, sob a sua alçada, os Estados Unidos não voltariam a meter-se numa aventura do género, defendendo a retirada, que começara a ser negociada pelo seu antecessor, Donald Trump. “Esta decisão sobre o Afeganistão não é apenas sobre o Afeganistão”, salientou Biden esta terça-feira, perante as câmaras, após o último soldado americano deixar Cabul. “É acerca de acabar uma era de grandes operações militares para refazer outros países”.
futuro O futuro do Afeganistão está na mãos dos anciãos talibã, que se reuniram no campo de criquete de Kandahar para assistir à parada militar, com alguns reclinados em cadeirões à sombra, outros sentados no chão, de pernas cruzadas, descreveu a France Press. O próprio líder supremo dos talibãs, Hibatullah Akhundzada, estará a viver em Kandahar, uma cidade de população maioritariamente pashtun – a maior etnia afegã, tradicionalmente associada aos talibãs – a partir de onde o grupo dirigiu o seu regime entre 1996 e 2001.
Para já, o grupo tem prometido uma amnistia aqueles que trabalharam para o anterior Governo ou para a intervenção da NATO, fosse como militares ou tradutores, assegurando que não haveria uma vingança. Mas os relatos de represálias dos talibãs multiplicam-se, um pouco por todo o país.
Aliás, não escapou à atenção que a própria conferência de imprensa onde se prometeu uma amnistia, a semana passada, foi no exato local onde o porta-voz do anterior Governo, Dawa Khan Menapal, costumava dirigir-se à imprensa – semanas antes, este fora executado pelos talibãs, como punição, lembrou a BBC. Agora, todos aguardam ansiosamente pelo prometido “Governo islâmico inclusivo” dos talibãs, que estes asseguram apresentar até esta sexta-feira.