Esgotado o ritual de entronização do líder no último congresso do PS, sem escaramuças nem divergências conceptuais como convém – para deleite dos fiéis inebriados pelo perfume do poder –, fazem-se agora as contas às sinecuras ainda possíveis, com a confortável convicção de que António Costa está para ‘lavar e durar’, sem oposição interna ou externa que o belisque.
No anterior congresso, Pedro Nuno Santos ainda tentou a sorte, antecipando a ‘reforma’ de Costa, mas depressa percebeu que se precipitara e que só tinha a ganhar em não repetir a graça, como se viu agora em Portimão. Emudeceu na mesa do congresso, onde se sentou com outros putativos ‘herdeiros’, entre Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes e Fernando Medina, apodados por alguns socialistas, ainda com sentido de humor, como o ‘bando dos 4’…
Há muito que se sabia que Costa é um primeiro-ministro sui generis, cerebral e frio, que não interrompe as suas sagradas férias mesmo que o país esteja a arder, como já aconteceu. Por maioria de razão, não o fez também desta vez, apesar dos atentados suicidas no Afeganistão, com as chancelarias europeias a ‘tocar a rebate’.
Por aqui, reinou a silly season. Afinal, Cabul fica longe e a primeira ministra em exercício, Mariana Vieira da Silva – a quem Costa confiou a liderança do governo na sua ausência, apesar de ser a número 4 na hierarquia –, guardou sobre o assunto um embaraçado silêncio, próprio da sua verdura e inexperiência.
É tal a displicência com que António Costa governa que se permite gozar férias, simultaneamente, com Siza Vieira e Augusto Santos Silva, muito ao estilo ‘para quem é bacalhau basta’…
Mariana teve azar, com o Afeganistão e com a evolução da pandemia, longe de estar contida. A jovem ‘debutante’ não foi capaz de ‘segurar as pontas’ e revelou toda a sua impreparação, não obstante uma notícia ‘plantada’ com a intenção desviar as atenções, dizendo-a preferida de Costa na ‘linha sucessória’. Uma fábula alimentada no congresso, onde a ministra retribuiu a ‘promoção’, mimando o secretário geral com encómios.
Teria sido a ‘estrela da companhia’ se não se atravessasse Marta Temido, convidada por Costa para militante da agremiação e por ele mesmo ‘nomeada’, também, candidata a sucessora…
Como diria o ressentido Pedro Nuno, o secretário geral «é um brincalhão» e diverte-se a inventar sucessores.
Um dos mais notórios é Fernando Medina, que já foi ‘herdeiro’ de Costa no Município, e que conseguiu a proeza de piorar a qualidade de vida em Lisboa, para quem nela habita ou trabalha, desde o trânsito caótico – agravado pela paranoia das ciclovias –, à habitação mais cara, empurrando as populações para as periferias.
Com Medina e o ex-vereador ‘todo-poderoso’ Manuel Salgado – ainda hoje seu consultor, apesar de arguido –, a cidade descaracterizou-se, e assemelha-se, em algumas zonas, a uma Disneylândia para turistas.
Sobram os projetos falhados, desde o Museu dos Descobrimentos – adiado sine die por cobardia política – até à oferta de habitação social a preços controlados, ou à nova Feira Popular, parada com várias saídas em falso.
Floresceram, entretanto, o compadrio e as benesses do cartão partidário, engordando ainda mais o ‘monstro’ ingovernável em que se transformou o Município, com cerca de 14 mil funcionários que, ao certo, não se sabe em que se ocupam, atendendo ao desleixo visível fora dos eixos turísticos.
O balanço da gestão de Medina é para esquecer. O caso recente do envio à embaixada russa dos dados de identificação de manifestantes anti-Putin, constituiu um vergonhoso atentado contra a segurança desses cidadãos, que teve o desfecho que se sabe: um ‘bode expiatório’ demitido, enquanto o autarca ‘assobiou ao cochicho’, como se não tivesse nada a ver com o escândalo.
Foi ainda com Medina que se assistiu a buscas policiais nos Paços do Concelho, em abril deste ano, por suspeitas de corrupção no importante setor do urbanismo.
Soube-se, então, que estavam na mira das autoridades documentos relativos à Torre das Picoas, à ampliação do Hospital da Luz, ou à chamada Operação Integrada de Entrecampos, envolvendo os terrenos da antiga Feira Popular, cujo projeto de mudança não chegou a sair do papel.
Mesmo assim, o PS reincidiu em Medina, e este, inseguro, socorreu-se de uma parceria exótica, com um partido residual, criado por um personagem de opereta, que se tem distinguido pelas cambalhotas políticas, desde que foi eurodeputado bloquista.
O certo é que Medina já se comprometeu, caso seja eleito, a entregar-lhe o pelouro da Cultura, o que, a suceder, será outra desgraça para a capital. Mas nem esta aliança espúria, nem tão-pouco Sócrates incriminado, interessaram os congressistas. O PS tem um projeto de poder e não pode perder tempo com ninharias…