A edição europeia do Politico escrevia ontem o seguinte título (traduzido livremente): “Lisboa perdida, um banqueiro em fuga e um presidente irritado: maus tempos para Costa de Portugal”. Três assuntos que, para o Politico, alimentam o “mau momento” de António Costa.
Explica o jornal dedicado à atualidade política que, antes das eleições, Costa “devia estar no topo do mundo”: o PS mantinha uma grande distância nas sondagens para as autárquicas, o seu “czar das vacinas” tinha vencido a covid-19 com um recorde mundial de inoculações e um antigo escândalo financeiro teve um desfecho “satisfatório”. Contudo, estes três castelos – não assim tão firmes – acabariam por se desmoronar: Costa viria a perder Lisboa para a oposição (e o seu sucessor no partido), o banqueiro afinal está a monte e, para culminar, o primeiro-ministro conseguiu uma quezília institucional com a Presidência da República devido à tentativa de promoção do tal “czar das vacinas”.
Esta promoção foi, aliás, descrita pelo Politico como o “antídoto perfeito” usado por Costa para as más notícias da noite eleitoral. Um antídoto que, afinal, terá envenenado o próprio Governo. “Infelizmente, Costa e o seu Ministro da Defesa parecem ter-se esquecido que nomeações militares de topo são trabalho do Presidente da República”, escreve o jornal. Marcelo interveio no “despejamento” do atual comandante da Armada António Mendes Calado, que “calha de ser um crítico dos planos do Governo para a reforma das Forças Armadas”, ironiza o jornal com redação em Bruxelas. Aqui chegados, pergunta-se: estará António Costa politicamente vulnerável como nunca esteve? E que leitura se faz do destaque negativo dado ao primeiro-ministro na imprensa internacional?
A vulnerabilidade de António Costa é uma “absoluta evidência”
André Coelho Lima, vice-presidente do PSD e deputado, não tem dúvidas quanto à vulnerabilidade do primeiro-ministro: “é absolutamente evidente”. É, também, “péssima para o país”, pois “a fragilidade de António Costa faz com que o Governo fique mais dependente do PC e do Bloco”, argumenta. “Quanto mais vulnerável está Costa, mais dependente dos partidos da geringonça fica, o que é mau para o país numa altura em que é preciso fazer reformas, numa altura em que precisa de se alavancar no PRR e preparar o futuro. São obviamente más notícias para um país que quer andar para a frente”.
Para Coelho Lima, esta fragilidade não resulta apenas dos três fatores elencados pelo Politico. Resulta, também, da forma “imprópria” como Costa – enquanto primeiro-ministro – fez campanha nas autárquicas: “comicieira, que apouca as instituições e, sobretudo, apouca a importância de um instrumento financeiro fundamental para o país [o PRR], que foi tratado como uma peça de venda numa feira”. No seu entender, tal é revelador de que “Costa sabia o que ia acontecer, pois já antecipava a derrota”. Tratou-se de uma “atitude desesperada”.
Debruçando-se sobre os pontos trazidos pelo Politico, Coelho Lima começa por realçar que a “derrota do PS” não se cinge a “Lisboa ou a Moedas”. Trata-se, sim, de uma derrota “perante os objetivos nacionais do PS”. A seu ver, o resultado das autárquicas é apenas a “consequência visível de algo que já ia sendo evidente, ou seja, um certo decaimento do Governo”. Só faltava mesmo “um ato eleitoral que o manifestasse de forma muito clara”, defende.
“A grande vulnerabilidade é a perda da capital”
Daniel Adrião, o único socialista que vai contestando internamente António Costa nas diretas do partido, admite que a maior vulnerabilidade de Costa surgiu com a perda de Lisboa. “A grande vulnerabilidade é a perda da capital. É vulnerabilidade de António Costa. Neste aspeto, essa derrota afeta o PS e o seu líder e não só Medina. Não há como fugir a isto”.
Rejeitando qualquer tipo de responsabilidade do Governo no caso de Rendeiro, Adrião admite que os outros dois momentos – autárquicas e caso Gouveia e Melo – não são bons e revelam “pontos fracos”. O primeiro, “do PS”, o segundo, “do Governo”. Para Daniel Adrião, a “derrota de Lisboa – sendo a mais pesada – demonstra fragilidade do partido”, já o conflito entre o Presidente da República e o Governo – “já sanado” – é algo “normal em democracia, sobretudo quando estão cores diferentes no poder”.
Atribuindo relevância ao artigo do Politico, principalmente por ser “bastante lido pela nomenclatura e opinion makers da Europa”, diz que o Governo e o PS devem estar “atentos à leitura que se faz do que aconteceu nas últimos eleições e o que se passa em Portugal. É algo importante para o secretário-geral ter em elemento de análise”. E termina, deixando o desafio interno: “isto [tudo] só reforça a necessidade de haver uma renovação ao nível da direção do partido: uma renovação da cúpula dirigente do PS – nomeadamente a Comissão Permanente e o Secretariado Nacional. É uma boa oportunidade para rejuvenescer a direção”.
Costa cede a “derivas radicais” para “sobreviver”
António Galamba, último Governador Civil de Lisboa e deputado do PS – membro da ala Segurista – durante cinco legislaturas, admite haver um “acumular de situações que levam a que as circunstâncias não sejam positivas”, algo que ficou “sublinhado pelas eleições autárquicas”.
Para Galamba, estas situações têm, principalmente, que ver com o “ziguezague” da governação de António Costa: “ora encostada à esquerda, ora precisa da direita”. Cedendo às “derivas radicais das quais o governo de Costa depende para sobreviver politicamente” – nomeadamente ao “PAN e BE” –, Costa “irrita” parte do eleitorado tipicamente socialista, que direciona o seu voto para outras correntes: “se virmos os vereadores que o Chega elegeu, boa parte deles são em territórios com tradição de caça ou tauromáquica”. Para o antigo Governador Civil, a única coisa que impede o PS de ter “maior desgaste” é o facto de “não haver alternativa sólida à direita”.
Rejeita atribuir relevância ao artigo do Politico, contudo, não se poupa a críticas a Costa. Para Galamba, o facto de não haver “explicações” numa governação “com escândalos” – como Cabrita – leva a que se caia num “ambiente propício ao populismo”. Todavia, no seu entender, isso não é algo com que Costa esteja particularmente “importado”, visto que está “mais focado em tratar da sua sobrevivência”.
Recorde-se que, no início de agosto, noticiava-se o facto de o jornal Politico ter tentado convencer o Governo português a pagar por conteúdos que “realçassem a presidência portuguesa da União Europeia”, tendo o governo de Costa recusado.