Infelizmente a investida do PS contra as Ordens Profissionais tem consistido num conjunto de afirmações falsas, que não resistem a qualquer exame minimamente sério. No Expresso do passado fim-de-semana, afirmava o secretário de Estado Adjunto que a reforma das Ordens era um compromisso com Bruxelas e que valia 2,4 mil milhões do PRR. Quando solicitei que isso fosse demonstrado, imediatamente esse argumento desapareceu por milagre do debate político.
Procura-se, por outro lado, desmentir que haja aqui alguma tentativa de governamentalização das Ordens, mas se tal não ocorresse, caberia perguntar o que é que veio fazer o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro a um debate parlamentar sobre um projecto de lei do Grupo Parlamentar do PS. Até o próprio presidente do Parlamento se mostrou perplexo com a sua presença, a qual só se pode compreender pelo interesse do Governo em controlar as Ordens Profissionais, algo a que nem o Estado Novo se atreveu a fazer.
Se o tivesse feito, os inúmeros advogados que defenderam os cidadãos nos tribunais plenários, alguns dos quais foram posteriormente fundadores do PS, teriam tido uma Ordem dos Advogados a sancioná-los disciplinarmente, em lugar de terem uma Ordem dos Advogados sempre ao seu lado nessa batalha, na missão dos advogados de defesa dos direitos dos cidadãos.
Mas, como de facto tudo isto cheira a Estado Novo, lá fomos objecto pessoal de um artigo de opinião no Público da deputada Constança Urbano de Sousa, com o título: O ataque de certas ordens profissionais a Portugal. Na verdade, no Estado Novo é que se afirmava que quem estava contra o Governo, estava contra Portugal, e até podia ser sujeito à prisão e ao exílio, como sucedeu ao fundador do PS.
Numa sociedade democrática, os deputados devem ouvir as opiniões alheias sobre as suas iniciativas, especialmente quando essa opinião vem do representante eleito dos que serão brutalmente afectados por elas, neste caso os advogados. Não foi, porém, o que os autores dessa iniciativa fizeram, apresentando esse projecto sem solicitar a opinião às Ordens que iam atingir, atacando depois as críticas que estas fizeram à iniciativa.
Ao contrário do que escreve a deputada Constança Urbano de Sousa, eu não defendo os interesses de uma ‘quintinha’, defendo os interesses dos 33.000 advogados que me elegeram, com base num programa que lhes apresentei, que pretende precisamente devolver o respeito, a dignidade e o prestígio à advocacia, por muito que isso não agrade ao PS e ao actual Governo.
Quanto ao resto, o texto da Deputada Constança Urbano de Sousa é um conjunto de falsidades. Diz que a revogação da alínea a) do art. 5º da Lei 2/2013, que se refere à missão principal das Ordens «de defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços» não tem quaisquer consequências, então que que explique porque é que é revogada. Qualquer jurista sabe que a alteração de uma lei não deixa tudo na mesma.
Quanto à afirmação de que esta lei não surge em resposta à intervenção das Ordens durante a pandemia, Constança Urbano de Sousa que explique as suas declarações ao Público em 23 de Agosto de 2020, logo a seguir à intervenção das Ordens no caso dos lares, onde referiu que o «PS vai mexer na lei das Ordens Profissionais mas não toca na fiscalização». Agora o PS apresenta um diploma que não faz outra coisa se não tocar nessa fiscalização, praticamente acabando com ela.
E finalmente, quanto à afirmação de que nada existe nesta iniciativa que governamentalize as Ordens, como é que então se explica que surja um Provedor com amplos poderes, que é escolhido de entre pessoas indicadas pela Direcção-Geral do Consumidor, ou seja, pelo Governo? E como é que é criado um órgão com pessoas estranhas à profissão com origem nas Universidades, que dependem do Governo, a que cabe a supervisão de uma profissão que esses vogais nunca exerceram e da qual nada sabem? Se isto não é governamentalização das Ordens e um ataque à sua independência e à auto-regulação dos profissionais que representam, não sei o que seja.
Por mais que se procure disfarçar as intenções políticas do PS de governamentalizar as Ordens, essas intenções estão à vista de todos. Em relação às mesmas, há quem queira ser ainda mais radical e quem opte se abster perante este ataque às Ordens. Já a Ordem dos Advogados continuará a expressar as suas posições, por muito que haja deputados que queiram atacar o seu Bastonário. É essa a sua missão, em defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e da mesma não abdicará.