Os preços dos combustíveis não param de subir e a medida anunciada pelo Governo – em reduzir o Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) em um cêntimo no gasóleo e de dois cêntimos na gasolina desde sábado, mantendo-se em vigor até ao final de janeiro de 2022 – não parece aliviar as mais variadas atividades que garantem estar esmagadas pelos elevados custos. Uma questão que ganha maiores contornos, já que a partir de hoje as gasolineiras vão voltar a mexer nos preços: a gasolina vai aumentar dois cêntimos (que já aumentou 31 cêntimos desde dezembro) e o mesmo cenário repete-se com o gasóleo (uma subida de 26 cêntimos em relação ao ano anterior). Isto significa que os valores deverão voltar ao nível a que estavam no dia em que Mendonça Mendes anunciou a “borla” de cerca de 90 milhões de euros.
Para Luís Mira Amaral, a solução para este problema passa por o Governo reduzir ainda mais o ISP, o que no seu entender, se torna mais urgente tendo em conta a forte contestação dos últimos dias, até porque, defende que a diferença em relação a Espanha “é chocante”. E garante que, em termos fiscais, “quanto maior a diferença fiscal entre Portugal e Espanha mais a Espanha ganha em termos económicos”, diz ao i.
O economista lembra, no entanto, que os aumentos de combustíveis começaram a existir quando António Costa tomou posse, porque apanhou uma fase em que os preços do barril de petróleo caíram bastante e, como tal, aumentou o ISP. Mas deixa um alerta: “Na altura prometeu que quando o preço do petróleo voltasse a subir iria descer o ISP para não prejudicar os consumidores. Mas nunca o fez, esqueceu-se”.
E vai mais longe: “No tempo da Troika o preço do petróleo era ainda mais alto e os preços eram mais baixos do que são atualmente, o que é uma situação completamente escandalosa. Afinal Passos Coelho e a Troika tinham a culpa de tudo, mas tinham um preço mais baixo, mesmo com o preço do petróleo ser muito mais elevado do que é hoje”.
Mira Amaral aponta ainda o dedo a quem considera que este é apenas um impacto da descarbonização, já que justifica essa tendência com o aumento de receitas voluntárias para o Orçamento do Estado. “O problema é que a malta refilou, fez pressão e agora o Governo está a correr atrás do prejuízo. Mas atuou a tarde e a más horas, não perceberam o movimento popular que já está a haver e, ainda por cima, de forma insuficiente”, recordando o movimento dos coletes amarelos quando em França subiu os impostos sobre os combustíveis. “Os franceses são menos pacientes que nós, mas tudo tem um limite. A malta vai engolindo mas há um dia que se farta como se viu agora com a Câmara de Lisboa e Fernando Medina”, diz ao i.
O economista critica ainda a política de desarborização. “É tudo muito bonito, mas este ritmo a que querem fazer é totalmente irrealista. Não há carros elétricos, nem alternativas de um dia para o outro. Estas transições são lentas não são como estes pirómanos ambientais de Bruxelas querem fazer”. E não vê um fim à vista: “O problema é que o Governo está muito entalado com o OE porque precisa da receita e é uma missão quase impossível, ainda por cima com os constrangimentos que têm com o Bloco e com o PCP. Sampaio dizia que havia vida para além do défice, pois há troika, há austeridade e há falência. Também percebo que com as contas que temos não temos margem de manobra como outros países têm para reduzirem os impostos. Andaram na corda bomba estes anos todos mas tudo isto tem limites”.
Opinião diferente tem Luís Aguiar-Conraria. “Temos de decidir se queremos levar as alterações climáticas a sério, se queremos reduzir a poluição a sério ou não. Quem pensa que vamos reduzir brutalmente as emissões de CO2, fazer uma transformação completa em meia dúzia de anos sem isto ter impactos negativos no crescimento económico está enganado. As pessoas estão todas enganadas se pensam que isto tudo pode ser feito sem que tenha impactos fortemente negativos na economia. O que estamos a ver aqui é uma pequenina ilustração desses custos e ou estamos dispostos a tê-los ou não estamos”, refere ao i.
E o economista admite que toda esta situação vai tornar todos os produtos que exijam mais custos de transporte fiquem mais caros, uma vez que, o objetivo é que as pessoas os consumam menos. “A transição energética é isto: consumir menos as coisas feitas de forma poluente e mais as outras, como o consumo local em vez de produtos vindos de longas distância”. Ainda assim, reconhece que esta fase está a coincidir com o aumento dos custos energéticos do gás, do petróleo e da eletricidade e, que no seu entender, “muito provavelmente estão relacionados com uma retoma simultânea da atividade económica no mundo inteiro”.
No entanto alerta: “Se quiserem reduzir impostos para compensar estes preços dos combustíveis estão basicamente a dizer que nos preocupamos com o ambiente desde que isso não tenha impactos económicos negativos. E mesmo que queiram isso façam de forma transitória, ou seja, reduções de impostos só para aliviar este aumento do preço das energias que esperamos que seja temporário”.
Outra solução, segundo Conraria é dizer: “Sozinhos não conseguimos combater as alterações climáticas e portanto não vale a pena estarmos com tretas, enquanto a China e outros países não cumprirem os acordos e não reduzirem as suas emissões. Não discordo disso, acho é que as políticas têm que ser assumidas. Se querem assumir isso: Nós europeus somos demasiado pequenos no mundo e, como tal, não faz sentido termos a mania de querer dar o exemplo e à custa disso sofrermos uma recessão económica grande. Também compreendo essa decisão, mas se queremos ser o exemplo do mundo então somos e isso implica esta transição energética implica custos económicos. Temos que escolher: uma coisa ou outra. Não podemos ter sol na eira e chuva no nabal”, diz ao i.
Ainda assim, considera que esta situação é “asfixiante” para a economia portuguesa e acontece “na pior altura possível quando queremos recuperar o PIB de 2019. Isto vai atrasar a tal recuperação desejada”.
Falências a curto prazo As reações não se fizeram esperar. A Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) que já tinha alertado para a existência de centenas de empresas perto da falência devido ao aumento dos custos e para o risco de uma crise de abastecimento de mercadorias em todo o país, agora voltou a reforçar que as empresas “estão no seu limite”, antevendo insolvências “a breve trecho”.
Para a associação, que representa duas mil empresas, o Governo devia combater o aumento dos preços nos combustíveis “diminuindo a carga fiscal”. E dá exemplos: “Um transporte de Lisboa para o Porto está a custar em média 250 a 270 euros. Este preço é assim há 10 anos, não foi alterado para cima e na altura nem o preço dos combustíveis era este nem o da folha salarial era sequer parecido”.
Também a Associação Nacional do Ramo Automóvel acena com o risco de encerramento de muitas empresas de serviço de pronto-socorro e logo perdas de trabalho perante o aumento dos custos, como combustíveis, sem atualização de preços pelas empresas de assistência em viagem.
A ARAN fala mesmo em “dias dramáticos” que estão a ser vividos pelas empresas do setor, referindo que o preço dos combustíveis, que pesam, pelo menos, 50% nos custos gerais destas atividades.
Um argumento repetido pela Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) que a par da descida das taxas e dos impostos sobre os combustíveis também defende o mesmo caminho para a energia. “Neste momento, estamos a chegar a um ponto em que se está a tornar insustentável manter as empresas a laborar. O custo das matérias-primas, o aumento do custo de transportes e o aumento brutal dos custos do combustível e da energia afetam diretamente as nossas empresas e urge o Governo tomar uma posição para que torne sustentável um dos maiores setores da economia portuguesa”, afirma.
Também a Associação das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Portugal (AIMMP) já veio considerar que o aumento de combustíveis é uma “chaga” para o setor, penalizando os custos de transporte e das operações de corte e transformação da madeira.
“A madeira tem um custo de transporte muito elevado, para o transportar a 100 ou 200 quilómetros fica muito caro, porque o custo de transporte aumenta o preço. Com subidas de 50% dos combustíveis, obviamente vamos repercutir isso em viagens de longa distância”.
Para já, a ameaça do preço do pão e das bandeiradas dos táxis são algumas das consequências que se poderão tornar imediatas.