Por Marta F. Reis e Felícia Cabrita
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) foi informada de que Pedro Martins, da Quinta de Jugais – detentora de 2% da Benfica SAD – já não pretende vender as suas ações a José António dos Santos, conhecido como o ‘Rei dos Frangos’, que a investigação da operação Cartão Vermelho acredita que terá sido testa de ferro de Luís Filipe Vieira num negócio clandestino para a venda de 25% da SAD encarnada ao norte-americano John Textor, com promessa de comissões milionárias para dois colaboradores do clube. É o primeiro a saltar fora do negócio, ao ter conhecimento das manobras e numa altura em que as ações da SAD estão a valer mais do que lhe foi proposto.
Como o Nascer do SOL noticiou na edição deste fim de semana, escutas intercetaram instruções para o negócio ser tratado com máxima confidencialidade, com promessa de comissões de 3,5 milhões de euros para Hugo Ribeiro, diretor do Departamento Internacional do Benfica, e Carlos Janela, assessor de comunicação da Benfica SAD, a quem caberia uma comissão de 7% no negócio de 50 milhões de euros, a repartir entre ambos em partes iguais.
A investigação apurou ainda que, ao mesmo tempo que estavam a negociar com Textor e com os acionistas minoritários da SAD, Carlos Janela confidenciou à mulher que tinha combinado com José António dos Santos continuar a trabalhar numa proposta anterior que estava em cima da mesa, que também não era conhecida do clube, numa altura em que o ‘Rei dos Frangos’ tinha urgência em concretizar a venda por necessitar de capital e não pretender recorrer a financiamento bancário. Nas mesmas interceções, a investigação acredita que Luís Filipe Vieira, embora tivesse um diminuto número de ações a vender (3,28%), era quem exercia maior poder de decisão no negócio.
Duplamente lesado Para reunirem 25% da SAD encarnada, José António dos Santos e Luís Filipe Vieira abordaram José Guilherme (um construtor civil da Amadora, conhecido pelos seus negócios em Angola e por ter ‘oferecido’ a Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo, uma suposta prenda de 14 milhões de euros) e Pedro Martins, da Quinta de Jugais (especializada na produção de cabazes de Natal). Mas, além de comunicarem a ambos que todas as ações deveriam passar para a titularidade de José António dos Santos, informaram que Textor pagaria por cada título 5 euros, quando o americano ia comprar as ações por 8,7 euros.
O negócio proposto não foi o mesmo para José Guilherme e Pedro Martins, nem foi tratado da mesma forma – e teria outra intenção: garantir o pagamento das comissões a custo zero para Vieira e Santos, que ficariam com o diferencial do valor de venda das ações.
No caso de Pedro Martins, da Quinta de Jugais, o contacto foi feito por parte do ‘Rei dos Frangos’ no sentido de o levar a vender cada ação por 4,5 euros, com o argumento de que seria preciso descontar uma comissão de venda de 10% (7% a pagar a Ribeiro e Janela e ainda 3% destinados a um intermediário inglês estabelecido em Londres, Laurie Pinto, que promoveu o contacto inicial com o investidor norte-americano). Seria assim o mais lesado no negócio. No caso de José Guilherme, foi Vieira que foi ao encontro do empresário da Amadora para elaborarem o contrato de promessa de compra e venda que passava as suas ações para o nome de José António dos Santos, neste caso por 5 euros cada ação – ou seja, sem lhe imputar a taxa da comissão.
Ao Nascer do SOL, José Guilherme mantém o interesse no negócio e disse não se sentir traído. “Eu vendo a quem me aparecer com o dinheiro à frente, para pagar as dívidas que tenho aos bancos. Até agora isso não aconteceu. Fiz um contrato-promessa de compra e venda com o Luís Filipe Vieira, mas era para vender a outro senhor. O contrato é até 30 de outubro, e, como sou um homem de palavra, vou aguardar. O Luís Filipe Vieira até me fez um favor – nunca ninguém me tinha oferecido antes um preço tão alto pelas ações. Disseram-me que era isso [5 euros] que o americano pagava, mas não me sinto traído. Anda-se nesta vida para ganhar dinheiro”.
Não foi possível obter comentários de Pedro Martins. O i sabe no entanto que a CMVM, a quem os contratos de compra e venda foram reportados já após a detenção de Vieira, já foi informada de que o empresário se retirou do potencial negócio. Durante o fim de semana e após a notícia do Nascer do SOL, o Benfica anunciou a abertura de um processo de averiguação interno quanto ao possível envolvimento dos seus dois colaboradores “num alegado negócio respeitante à transação de participações qualificadas da sua SAD”. As ações do Benfica continuam em valores máximos – fecharam a 5,48 euros na sexta-feira, agora um valor mais alto do que os 5 euros a que Santos as ia adquirir para vender a Textor. Já o empresário esteve na última semana em Portugal e mantém o interesse em investir no Benfica.