A economia está no caminho certo da recuperação, disse ontem o ministro da Economia. A governabilidade do país daqui em diante são outras contas, por agora com diferentes incógnitas, desde logo o que vier a ser o resultado das eleições antecipadas e o que vier a ser o cenário quando for aprovado o Orçamento para o próximo ano, já com o primeiro trimestre percorrido.
Na análise do Conselho de Finanças Públicas à proposta de OE para 2022 chumbada esta semana, eram apontados como principais riscos a incerteza sobre a evolução da pandemia – terá o teste de stresse ao efeito da vacinação na viragem do ano – a possibilidade de ser preciso um maior apoio financeiro à TAP caso a normalidade não seja assim tão normal este inverno, eventual necessidade de capitalização do Novo Banco que não foi orçamentada (quando a instituição ainda pode solicitar até 597 milhões de euros).
E ainda o risco de contágio das moratórias na banca – em agosto, a banca portuguesa tinha perto de 36 mil milhões de euros de créditos em moratória, pagamentos que estão agora a voltar a ser regularizados mas cuja «eventual capacidade de solvência pode implicar perdas para o sistema financeiro português para além do montante já por este provisionado e, no limite, obrigar à intervenção do Estado, mediante apoios financeiros».
Atualmente, a previsão é que a economia continue a crescer, depois de já este ano – confirmaram esta sexta-feira os dados do INE – ser revelada uma subida de 4,2%no PIB no 3.º trimestre face a 2020 e 2,9% em cadeia (em volume, dados ajustados de sazonalidade).
Ainda assim, o Conselho de Finanças Públicas assinalava naquela análise que a taxa de crescimento real do PIB de 5,5%, que enformava o cenário macroeconómico do Orçamento para 2022, se posicionava «na margem otimista das previsões atuais para a nossa economia».
Se há sempre outras margens e a futurologia de pouco serve neste campo, recuperamos então alguns dados: Após a ‘saída limpa’ do programa de assistência financeira em 2014, a economia registou anos de crescimento contínuo, interrompidos pela maior queda do PIB em democracia em ano de pandemia.
Foi nos seis anos de governação socialista que se registaram os maiores crescimentos (+3,5% em 2017), mas a carga fiscal atingiu também máximos históricos (em 2020, quando representou 34,8% do PIB). A proposta de OE para 2022 previa uma descida para 35,3%. Há que dizer que o bolo dos impostos e contribuições tem vindo a crescer, mas mantém-se abaixo da média europeia de 41,1% do PIB (2019).
Se o país conseguiu fechar 2019 sem défice orçamental, pela primeira vez desde 1973, apurando-se até um excedente de 0,1% – feito do ministro Centeno, a quem os parceiros da geringonça nunca perdoaram as cativações – a pandemia ressuscitou-o.
A proposta de OE para 2022 previa ainda que o peso da despesa pública no PIB baixasse de 49,1% em 2021 para 46,7% no próximo ano, porque o PIB está a crescer mais do que a despesa pública estar a diminuir. Medidas adicionais da covid-19 eliminadas e o PRR fazem destes anos atípicos, mas a tendência tem sido essa.
Em termos nominais, o Governo previa que a despesa pública chegasse aos 105 752 milhões de euros em 2022 (contanto com cerca de 3 mil milhões de euros de execução de fundos europeus), o que apontaria para o ano com maior despesa pública prevista no país.
Nos últimos seis anos, aumentou da casa dos 86,7 mil milhões de euros, cruzando pela primeira vez a linha dos 100 mil milhões de euros, mas em 2022, com eliminação de medidas de apoio à covid-19, inclusive subsídios de doença e descontando os fundos do PRR, em parte alocados a reformas previstas em Orçamentos anteriores por executar, previa-se uma ligeira diminuição.
Em junho, uma análise do Instituto Nacional de Estatística fazia a retrospetiva: as principais molas do aumento da despesa, para usar uma metáfora que ganhou lastro com a pandemia, têm sido as prestações sociais e as remunerações.
«As prestações sociais cresceram 4,7% ao ano, em termos médios, entre 1999 e 2020, sendo de salientar que as pensões, que em 2020 representaram quase três quartos da despesa com prestações sociais, cresceram a um ritmo médio anual superior (5,8%)», sinalizou o INE.
Já as remunerações na administração pública, que refletem também contratações e, após o fim do programa de ajustamento, reposição de cortes e subsídios, tiveram um crescimento anual de 1,9% neste período. Note-se ainda o peso dos juros da dívida, que também contam como despesa e têm ajudado na estratégia de contas certas.
«Em 2020, Portugal pagou cerca de 5,8 mil milhões de euros em juros relativos à sua dívida, quase o dobro dos 3,5 mil milhões de euros que pagou em 1999 – introdução do Euro – mas bem abaixo do máximo de 2014, 8,4 mil milhões de euros. A oscilação das variações dos juros pagos ao longo do período reflete sobretudo as alterações das taxas de juro registadas, uma vez que a evolução da dívida bruta das administrações públicas (consolidada) foi em geral crescente, tendo-se verificado uma taxa média de crescimento anual, entre 1999 e 2020, de 6,9%», notava o INE.
A evolução dos juros, que em 2019 foram um dos contributos para um ano sem défice orçamental, é agora uma das incertezas que se avoluma, numa altura em que a dívida pública se mantém em níveis recorde: Portugal mantém o 3.º lugar entre as maiores dívidas públicas da União Europeia (só atrás de Grécia, que o ocupa o segundo lugar mundial depois do Japão) e a 13.ª maior dívida pública em percentagem do PIB a nível mundial.
Na proposta de OE, o peso dos juros da dívida pública mantinha-se em valores mínimos em relação a 2015, situando-se em 2,6% do PIB este ano e 2,3% do PIB no próximo. Ainda assim, o elefante na sala, passe a expressão, permanece lá: a dívida pública atingiu um novo recorde absoluto em junho deste ano (277,5 mil milhões de euros) e desde então tem vindo a baixar, tendo já recuado em setembro aos 270,5 milhões de euros, como encerrou o ano passado.
Mas continua a ser o valor mais elevado dos últimos anos 20 anos. Per capita, dá mais 26 mil euros de dívida pública por português, quase mais 10 mil euros do que em 2010. Com o crescimento da economia, o rácio da dívida pública está ainda assim agora ligeiramente mais baixo do que o recorde atingido em 2020, quando chegou aos 135,20% do PIB – passou a barreira dos 100% em 2010.
Despesa na Saúde a subir 9,1% este ano
De acordo com a última síntese de execução orçamental, até setembro o défice das Administrações Públicas saldou-se em 4 634,1 milhões de euros, o que reflete uma melhoria de 677 milhões de euros em termos homólogos, com a receita mais em linha com o aumento da despesa este ano, mas mais uma vez sem a cobrir por inteiro.
O aumento da receita segue uma tendência positiva (+6,9%), decorrente da receita fiscal e contributiva (+2 797,1 milhões de euros) «que reflete a retoma da atividade económica e da evolução positiva do mercado de trabalho», assinalou esta semana a Direção Geral do Orçamento.
Numa nota também positiva, a redução dos juros e outros encargos suportados (606,8 milhões de euros) decorrente essencialmente do comportamento dos juros da dívida pública. «Na ausência das despesas associadas às medidas no âmbito da COVID-19, a despesa efetiva das Administrações Públicas teria crescido 2,8% face ao ano anterior (em vez de +5,3%) e a receita efetiva teria aumentado 6,1%», pode ler-se ainda. Mas o facto é que a covid-19 continua a pesar na despesa.
Na Saúde, um dos setores mais sensíveis em termos orçamentais e onde a despesa tem aumentado significativamente (e só desde 2015 o Governo aumentou as transferências do OE para o SNS em perto de 3 mil milhões de euros), o SNS continua com saldo negativo. Até setembro, regista um défice de -275 milhões, num agravamento de 341,8 milhões de euros em relação a 2020.
A sair fora do cobertor surge um aumento da despesa na casa de 9,1%, 4,3 pontos percentuais acima daquilo que foi o aumento da receita este ano, em que o SNS tem o maior orçamento de sempre. Na proposta do OE para 2022, o SNS ia contar com transferências de 11 011 milhões de euros, um aumento de 6,7% face ao Orçamento deste ano (+696 milhões de euros). Que sendo mais uma vez o maior orçamento de sempre, possivelmente voltaria a ficar aquém da despesa, que no ano passado se cifrou em 11 454,3 milhões e este ano deverá aproximar-se dos 12 mil milhões. Nesta última execução conhecida, sobe também a dívida vencida nos hospitais, a totalizar 467 milhões, mais 106 milhões do que há um ano.
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