Luís Mira considera que, nas eleições de domingo, ‘ficou claro que o povo português não apoia estes modelos de sociedade e que não podem, como é o caso do PAN, com 50 mil votos querer condicionar 10 milhões de habitantes’. E defende que ‘não é possível termos um país sem vacas, ovelhas, cabras ou porcos’, dizendo que não se trata apenas de uma questão alimentar, mas também de uma questão de ordenamento do território.
Ficou surpreendido com os resultados eleitorais?
A palavra é surpresa. Ninguém estava à espera deste resultado, mas é uma vitória inequívoca do PS e vai proporcionar estabilidade para os próximos quatro anos. O PS só depende de si próprio, não precisa de fazer concessões a ninguém, o que são condições ótimas para realizar determinadas reformas, para dar o rumo que o país necessita, não só para crescer em termos económicos, mas também para executar os fundos comunitários nos próximos quatro anos. Se escolher para ministros pessoas com capacidade técnica, e se escolher os melhores, o desempenho pode ser bom. No entanto, se a escolha recair em pessoas mais fáceis, então isso vai trazer graves problemas, como aqueles a que assistimos nos últimos anos.
Como viu a derrota do PAN?
Os partidos que têm no seu programa de ações uma ideologia anti-mundo rural e anti-agricultura – com o PAN à cabeça, mas o Bloco de Esquerda também se movimenta nessas áreas – tiveram quatro vezes menos representação do que tinham anteriormente. O PAN passou de quatro deputados para um e o Bloco de Esquerda passou de 19 para cinco. Ficou claro que o povo português não apoia estes modelos de sociedade e que não podem, como é o caso do PAN, com 50 mil votos querer condicionar 10 milhões de habitantes. O PAN para o setor agrícola é uma linha vermelha, um muro, que não é aceitável transpor. Uma confederação de agricultores não pode ter diálogo com um partido que é contra e quer proibir a atividade económica com animais. Isso seria apoiar a extinção da atividade agrícola. Não é possível termos um país sem vacas, ovelhas, cabras ou porcos. Nem falo só na questão alimentar. Falo na questão de ordenamento do território. Se não houvesse vacas então deixava-se crescer o mato e assistíamos a fogos todos os anos? É uma irracionalidade muito grande e isso ficou bastante claro nestas eleições. Espero que os partidos que até se disponibilizaram a fazer acordos com o PAN tenham entendido que não têm condições para isso. Para o PAN, a vida do caracol, do cão ou da vaca é igual à vida do homem e essa é uma linha que não podemos aceitar, enquanto agricultores, em que trabalhamos com animais e desenvolvemos uma atividade económica com eles, de sustentabilidade do território e de coesão.
Durante a campanha eleitoral houve troca de acusações entre a CAP e o PAN. O partido diz que a CAP tentou passar uma imagem de partido fundamentalista e incoerente e que defendem uma visão de futuro e de sustentabilidade do território e das atividades económicas ligadas à pecuária e à agricultura…
O PAN faz parte do passado, não faz parte do futuro. Não podemos aceitar de maneira nenhuma as ideias deles, nem podemos tolerar e dialogar com um partido que é contra a atividade que desenvolvemos. Essa é uma linha vermelha e os portugueses responderam inequivocamente que também não concordam com isso. O assunto não está arrumado, mas está minimizado. O ideal era que não tivesse existido a eleição de nenhum representante na Assembleia da República. Mesmo assim, houve um bónus. E face aos 10 milhões que Portugal tem como habitantes existir uma minoria de zero qualquer coisa de votos nessa ideologia radical não pode condicionar o resto da sociedade. As pessoas querem continuar a comer caracóis e eles são contra isso. Têm direito a ter essa ideologia, a defender esse principio, mas não é isso que os portugueses querem e expressaram-no inequivocamente.
O PAN mostrou disponibilidade em chegar a acordo tanto com o PS, como com o PSD. Mas com este resultado…
Nem o Partido Socialista, nem nenhum partido. O PS tem estabilidade e deputados que chegam para governar sem fazer concessões a ninguém. O PAN terá a sua expressão com uma deputada porque nem grupo parlamentar tem. A vida continua e foi reposta a expressão que tem na sociedade portuguesa esse tipo de radicalismo.
Voltou tudo à normalidade?
Acho que sim. Não sou nada extremista para dizer que não tem que existir essa ideologia, não podem é condicionar a vida de todos os outros. Os agricultores não recebem lições de bem-estar animal, porque eles já o praticam e além de praticarem são controlados relativamente a essa matéria. Tudo o resto são ideias, quando se quer valorizar mais o animal do que a própria vida humana parece-nos que estamos no mau caminho.
As notícias sobre os negócios de Inês Sousa Real sobre túneis e estufas e não só prejudicaram a imagem do PAN?
Acho que isso tornou claro o tipo de personalidade que a líder do PAN tem. Tornou claro a incoerência que existe entre defender determinados princípios e depois ela própria não o fazer. Até os próprios partidos que colocaram a hipótese de fazer um pacto do Governo com eles não se aperceberam dessa gravidade e essa tem que ser uma linha vermelha na governação de um país com as características que Portugal tem.
As touradas e a caça podem agora ter algum sossego? Inês Sousa Real chegou a dizer que a caça é uma das atividades que mais contribui para o declínio das espécies…
Isso demonstra a ignorância total e a demagogia profunda de uma pessoa que faz essas declarações. Inês Sousa Real conhece bem a verdade, mas gosta de vender essas mentiras. O lince em Portugal foi reintroduzido em zonas de caça, não foi no Parque da Malcata. Foi em Mértola, cuja preservação e manutenção é paga pelos caçadores, não é pago pelo Orçamento do Estado. Porquê? Porque preserva-se a caça e existem ali coelhos que são a base da alimentação do lince. Na serra da Malcata não existe coelho nenhum e para conservar é preciso pagar. Esse é o mesmo problema com os elefantes em África. Quando alguns países optaram por proibir a caça ao elefante, deixaram de estar protegidos, apareceram os caçadores furtivos e acabaram com eles. A caça tem de ser vista aos olhos de uma sociedade desenvolvida com um triângulo entre os agricultores, os caçadores e os ecologistas/cientistas. E são os agricultores que alimentam a caça. Quem é que lhes paga a comida? São as pessoas que vivem nas cidades? Não, é o agricultor para controlar as espécies, mas não para exterminar. Sou caçador e aprendi desde miúdo com os agricultores que caçavam coelhos e sabiam quantos é que haviam. Há uma altura, em que dizem que se não pode caçar mais para que haja no próximo ano. Não é para acabar, é para gerir.
Afasta a ideia do extermínio?
Isso é contra a caça. Se acabar com a caça num ano, a seguir não a tenho. Então vou preservar para que se desenvolva e para que haja mais. É isso que fazem os caçadores conscientes. É assim que se faz em França, na Alemanha, em todo o lado. A caça nunca vai acabar, podem é mudar o nome. É importante fazer esta gestão da quantidade dos animais selvagens que há, do impacto que têm e não é só nas culturas. Se não houvesse caçadores, os acidentes com os javalis iriam aumentar e iria haver muita gente a morrer de acidentes nas estradas. Até haveria problemas com as pessoas nas cidades. Por exemplo, na Holanda é proibido caçar, mas quando há invasões de gansos e de patos, as autoridades vão pedir ajuda. E caçar em África, uma questão mais polémica, é a única forma de gerir esses animais e são as próprias populações a dizerem que a caça dá dinheiro para poderem viver.
E em relação às touradas?
Se acabássemos com as touradas o que iríamos fazer às centenas de milhares de hectares de montados onde vivem esses bois? Se saírem de lá vai para lá o quê? Gatos e cães para comerem a erva? O boi não é uma entidade autónoma de tudo. Vive num determinado habitat, que é reconhecido pelos ambientalistas como muito importante. Há 40 anos havia uns desenhados animados da família Prudêncio que davam instruções aos agricultores que se tivessem um produto químico para o queimarem e enterrarem. Isso hoje são crimes ambientais. À medida que o conhecimento vai evoluindo e a sociedade vai tendo outra sensibilidade vamo-nos adaptando. A solução não é eliminar e mais do que isso vivemos numa sociedade democrática. Nunca ouviu a CAP pedir a extinção do PAN, mas o PAN pede a extinção da caça e das corridas de touros. É essa a noção de democracia que eles têm, assim como da tolerância.
Neste último Governo assistimos à mudança da gestão dos animais do Ministério da Agricultura para o do Ambiente. Poderá haver nesta nova legislatura alguma mudança?
As florestas e os animais passaram do Ministério da Agricultura, da parte da Gedave (Gestão de Defesa Animal e Vegetal), para o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Floresta), que não tem competências, nem técnicos, nem percebe nada. Era a mesma coisa que pôr as florestas na Direção-Geral de Veterinária, é um nonsense. Essa pasta foi retirada das pessoas que tinham competência e dos organismos que estão preparados para isso. É verdade que esses organismos precisavam de mais reforços de meios humanos, mas então façam-nos nos sítios certos, não se coloque isso fora do seu enquadramento normal. Não é a questão florestal que tem competências e conhecimentos sobre o bem-estar animal. Isso até foi criticado, desde as organizações internacionais até aos especialistas. O Governo, se avaliar o que foi o desempenho da passagem das florestas para o Ambiente, em que a área de florestação nestes dois anos foi cinco vezes inferior à média dos últimos 10, ou seja, foi quase inexistente, tem de tirar daí conclusões. Aliás, quando a mudança se deu, a CAP não colocou qualquer reserva, disse apenas que íamos ver e depois falaríamos. Sabemos que correu mal.
É um dos assuntos que vai estar em cima da mesa quando se reunirem com o próximo Governo?
Não só essa situação, mas também com a nossa intervenção ao nível da União Europeia. O Governo português participa no Conselho de Agricultura, Pescas e Florestas e depois temos o Conselho do Ambiente. Com esta organização, quando existiam reuniões no Conselho de Agricultura e Pescas contávamos com três ministros. Isso não é forma de funcionar. Se estamos integrados na organização da União Europeia temos de seguir a forma como estão organizados. O mesmo acontece em termos de fundos comunitários de apoio às florestas. Estes estão integrados no plano de desenvolvimento rural que faz parte do pacote da agrícola comum, não estão metidos em fundos do ambiente, nem nunca estiveram. Essa gestão da PAC tem de ser vista como um todo. Não é muito hábil ou normal ter o mesmo fundo com dois ministros a gerir. As florestas não podem ser tiradas da Agricultura. Esta tem de ser vista como um todo: a parte agrícola e a parte florestal. Porquê? Porque muitas das especulações que se fizeram relativamente à pecuária e ao seu impacto na questão de combate às alterações climáticas dizem respeito às as contas que são feitas com aquilo que as vacas libertam de metano, mas não se fazem as contas ao carbono que retém nas pastagens. É como se vivessem num apartamento, não faz sentido. Aliás, já existe certificação de neutralidade carbónica para produtores em Portugal. Por exemplo, a associação de Montemor tem essa certificação e garante que aquela carne é neutra de carbono. Isto deixa a nu a fragilidade e a incoerência quando se aponta que as vacas são o grande problema que Portugal tem no combate às alterações climáticas. É ridículo.
Foi usado como bode expiatório?
Foi e as pessoas não têm tempo para aprofundar essas matérias e ficam com uma ideia errada do ponto de vista cientifico. Tudo o que PAN defende – não posso dizer tudo porque alguma estará certa, mas muito pouca – é cientificamente errado. Temos que ter conhecimento, informação e usar a tecnologia que vamos dispondo e que é cada vez maior e com isso conseguiremos atingir uma agricultura 100% sustentável. Porquê? Porque na gestão da água, na aplicação dos fitofármacos e na aplicação dos adubos já tenho inteligência artificial a decidir por mim. Nenhum homem tem capacidades para tomar decisões face a computadores e a sensores que dão essa informação. Não diria que essa é a nova era, porque ela já existe, mas a grande preocupação que a CAP tem é que essa tecnologia esteja disponível para os agricultores o mais rapidamente possível. É preciso ter rede 5G para ser implementada e essa é seguramente uma das grandes preocupações que o próximo Governo terá de olhar. Essa e a gestão eficiente dos dinheiros comunitários que têm um atraso muito grande na sua execução, assim como a seca.
A seca está a atingir níveis preocupantes…
O relatório do IPMA aponta para valores inferiores aos que existiram em 2005. Isso é extremamente preocupante. E agora o que há a fazer? Só se for fazer a dança da chuva, porque as medidas que se podem tomar são só de mitigação. É dizer ‘não gaste mais água’. Resolver o problema ou tentar calcular os prejuízos que isto causa é impossível. Quantas árvores vão morrer depois desta seca? Quanto se vai gastar na alimentação dos animais que têm de comer todos os dias haja seca ou não. Quais são os custos acrescidos pelo transporte da água para esses animais beberem água mais do que uma vez ao dia? Não consigo responder. Principalmente porque não se sabe quando é que a seca vai acabar.
E as imagens são desoladoras…
Mais do que desoladoras, são catastróficas. Vamos ver o que vai acontecer. Ainda pode chover e mesmo que não vá repor tudo, ainda é possível corrigir alguma coisa, mas é necessário que o país tenha a consciência que temos que arranjar infraestruturas e soluções. O regadio no futuro não é para produzir mais. É para poder continuar a produzir porque se não tiver água não vou conseguir produzir. Depois também temos de usar o conhecimento cientifico para os milhões de hectares que nunca vão ter regadio. Não é possível regar o país todo, isso é uma utopia. Temos é de infraestruturar melhor e aproveitar a disponibilidade de água.
O Governo suspendeu a produção de energia em algumas barragens. É suficiente?
Agora não há outra solução, mas é preciso pensar antes. Temos de ter um plano para aplicar o mais rapidamente possível para que não haja falta de água nem para as populações, nem para as atividades.
Esse plano está a ser desenhado ou andamos a correr atrás dos prejuízos?
Essa é uma linguagem futebolística, mas aqui também se adapta. É preciso fazer investimentos para que na próxima seca não se passe o mesmo. Já questionou se há seca na área de intervenção do Alqueva? Não há, nem este ano, nem para o ano. Quando houver seca no Alqueva já o resto do país morreu todo, porque o Alqueva tem capacidade para aguentar três anos seguidos de seca. Está agora com 80% da sua capacidade.
Há muitas vozes críticas a dizer que as estufas consomem muita água do Alqueva…
Isso são ideologias. Vejam as questões técnicas, vejam a ciência. A área de intervenção do Alqueva chega a Odemira e alimenta 64 barragens. Não conheço em Portugal e na Europa também não deve existir mais nenhum projeto que tenha tido o impacto de coesão territorial como este teve. Se não fosse o Alqueva ia ver o que seriam fotografias de desgraça. Neste momento isso existe no norte, onde não havia problemas de água. Portugal tem de uma vez por todas perceber que é um país mediterrânico e este fenómeno das alterações climáticas afeta o país e em função disso ouvir os especialistas, tomar decisões para fazer face a estas circunstâncias. As decisões que foram agora tomadas são as que são possíveis. Não há outras. O Governo não tem capacidade para mandar chover. Mas tem capacidade de fazer investimentos estruturais. Não temos espaço para fazer mais Alquevas, mas existem outros planos de barragens mais pequenas e implementar técnicas para poupança de água. Soluções há sempre e daqui a dois anos serão melhores do que as que temos hoje, porque a tecnologia e a ciência estão sempre a evoluir. Portugal tem de ter consciência que é um país mediterrâneo e todos os especialistas são unânimes a dizer que a falta de água vai ser uma constante nos próximos anos ou que vai haver chuvas mais concentradas com períodos mais longos de seca.
O PPR poderia ser usado para fazer esses investimentos?
Poderiam e deveriam, mas não foi essa a opção que foi tomada em Portugal. Optou-se por reforçar mais o Estado do que as empresas. Há uma hipótese de, nos 14 mil milhões de euros, utilizar 200 milhões para uma barragem na zona de Portalegre, que já deveria ter sido feita há muitos anos. Aliás, o Alqueva foi feito 50 ou 60 anos depois. Tem de se fazer barragens no Oeste, em Trás-os-Montes e algumas delas que foram exclusivamente geridas para produzir energia podem ter outros fins. Aliás, até houve essa oportunidade agora porque os períodos de concessão acabaram e teria sido altura para se olhar para essas infraestruturas com outro fim que não fosse só o de produzir energia.
Já disse que poderá ser ano catastrófico para a agricultura. Para a pecuária também não será melhor?
Pode vir a ser. Às vezes começa a chover a meio de fevereiro e acaba em abril. Até agora o que temos verificado é que fica abaixo da pior seca que tivemos nos últimos anos: 2005.
Os últimos relatórios apontam para produções recorde. Isso poderá alterar com este cenário?
Algumas delas sim. Por exemplo, o olival está a beneficiar do aumento de área de produção e se tiverem numa zona em que não há falta de água então a rega está assegurada. Já a vinha nem toda tem rega e é capaz de ter alguma influência, embora seja uma cultura que não necessita de muita água. Para as culturas de outono e inverno já não pode ser bom e para as de primavera/verão depende de quanto irá chover.
Também já disse que a PAC tem um plano estratégico desolador…
Portugal entregou uma versão desse plano estratégico à pressa, só para cumprir calendário. Não fez consultas junto do setor para ouvir o que tinha para dizer. Ninguém tem certezas, mas se calhar se houvesse um trabalho em conjunto conseguiríamos ser mais assertivos. O que conhecemos do plano entregue é que tem várias falhas e é uma continuação da política errada praticada. Não há uma aposta naquilo que poderiam ser os grandes pilares: agricultura verde mais forte, inovação assente na parte digital, apostando na sustentabilidade e não foi nada disso que se viu nas medidas. Essa foi a crítica que a CAP fez. Para sermos objetivos e concretos: ponto número 1, não se avaliou o que se fez nos últimos anos e quando não se avalia vai-se fazer mais do mesmo e a coisa mais gritante talvez tenha sido o apoio aos jovens agricultores. Esse apoio existe desde 1992 e gostava de saber o que aconteceu a esses jovens. Os que tiveram sucesso devíamos saber quais foram as características que os levaram a isso e os que tiveram insucesso quais foram as razões para esse insucesso para evitarmos apoiar processos de investimentos com essas características. Era muito importante que soubéssemos isso, mas não sabemos, porque não se avaliou nada do que se fez. E vamos continuar assim. Aliás, abriu-se uma medida específica para investimento dos jovens com 168 milhões de euros, em 2018, e ainda na semana passada vi que só estavam pagos 19 milhões, 88% da verba ainda não foi utilizada. Uma das grandes expectativas que temos para o próximo Governo é que a gestão destes fundos seja incrementada e que sejam resolvidos todos estes atrasos e problemas que existem.
Declinou, pelo menos, um dos convites da ministra da Agricultura…
A CAP declinou por uma razão muito simples: a ministra andou durante sete meses a trocar informações connosco, a receber propostas nossas e 15 dias antes do prazo apresentou uma solução que nunca tinha sido posta em cima da mesa. Então não valia a pena irmos para a reunião. O Governo tem que tomar decisões, não tem de justificar porque é que não aceitou isto ou porque aceitou aquilo, mas não tem que andar durante sete meses a pedir-nos colaboração e nos últimos 15 dias apresentar uma decisão que nunca foi colocada em cima da mesa. Não é aceitável.
O futuro do setor depende de uma escolha diferente para essa pasta?
O setor é muito resiliente, mas não escondo que uma boa opção por parte do primeiro-ministro na escolha de uma pessoa com capacidade técnica, com conhecimento do Ministério, com experiência e até com conhecimento das matérias comunitárias com certeza iria encontrar soluções para os problemas que existem: execução eficiente do quadro, tratar da questão da seca e da inovação. Por exemplo, Portugal teve um leilão de 5G em que recebeu 600 milhões de euros pelas licenças que vendeu, mas pegou nos 600 milhões e meteu-os no cofre do Estado, em vez de ter utilizado esse dinheiro como fez a Alemanha e criar entidades para as zonas de baixa densidade populacional que fossem responsáveis pela implementação do 5G e pelo pagamento destas despesas. Assim, se calhar as zonas rurais deverão ter 5G daqui a 10, 15 ou 20 anos. Esse é o tempo que levará que os agricultores dessas regiões possam competir com os seus congéneres da UE que vão ter essa tecnologia mais cedo.
Todas essas prioridades não são compatíveis com o nome de Maria do Céu Antunes?
Não, não são.
E tem alguma sugestão para quem possa ser o próximo ministro da Agricultura?
O primeiro-ministro conhece muitas pessoas, digo sempre que quando há um novo Governo há sempre 20 pessoas que estão à espera que o telefone toque para serem convidadas. Seguramente o Partido Socialista tem pessoas de muito valor. É só escolher os melhores e não escolher os menos bons.
O que espera do próximo Orçamento do Estado?
Estou expectante.
António Costa prometeu dialogar com os partidos e respeitar a Concertação Social…
Foi o mais marcante na noite de vitória. A Concertação Social foi totalmente desrespeitada nos últimos tempos. Não houve Concertação Social nenhuma, houve uma imposição. Com um Governo com maioria absoluta e para que haja uma boa implementação das medidas deve existir concertação e um bom entendimento entre as três partes: sindicatos, patrões e Governo para decidir quais serão as melhores formas para evoluir o país. Para isso, contem com a CAP, mas desde que essa função seja feita de uma forma leal e transparente.
Para evitar episódios como aqueles que se passaram?
Havia alguém em Portugal que não soubesse que o salário mínimo iria aumentar para os valores que aumentou? Vinha no programa de Governo do PS. O ministro das Finanças em fevereiro do ano passado disse que o aumento do salário mínimo iria ser esse. Então vamos negociar o quê? É preciso ter um bocadinho de dignidade. Depois, o primeiro-ministro veio pedir desculpa, ultrapassada essa situação, no dia a seguir fez o mesmo. As confederações patronais iam-se sentar à mesa para negociar o quê quando todos sabiam que o valor seria de 705 euros? Não houve negociação de nada.
E o programa prevê agora 900 euros até ao final da legislatura…
Vamos negociar o quê se isso já foi definido no programa do Governo e se tem uma maioria absoluta? Alguém tem dúvidas que irá chegar aos 900 euros? Eu não tenho. Estas decisões não têm nada de racional. Tem tudo a ver com a ideologia e a decisão é tomada porque houve um compromisso eleitoral. Depois vamos ver as consequências para as empresas. O setor agrícola tem um problema mais complicado que é a falta de mão-de-obra, há uma forte generalizada de falta de mão-de-obra e não é só em Odemira é no país todo. No interior não há pessoas, mas também não há pessoas para outros setores, como a restauração ou todos os outros que têm atividades sazonais. Isso era uma coisa importante para os sindicatos perceberem que é o que é sazonalidade e o que é precariedade. Ouvimos a palavra precariedade muitas vezes, mas já expliquei que os agricultores gostariam muito que as vinhas e os pomares produzissem todos os meses, mas só produzem numa altura do ano. Preciso de pessoas para as colheitas e depois não tenho trabalho para o resto do ano. Gostava de ter, era sinal que tinha atividade e que tinha mais fruta para colher, mas não tenho, isto é sazonalidade. Não tenho solução para isso e nenhuma empresa aguenta ter os trabalhares o ano inteiro sem terem nada para fazer à espera da altura da colheita. Isso é impossível.
O problema da falta de mão-de-obra poderá passar pela tal política de imigração controlada?
Estamos a desenvolver um trabalho com o Governo para possibilitar a vinda de trabalhadores, na altura das colheitas, nomeadamente da Ásia. Tem havido um esforço por parte dos consulados nesse sítio, mas alguns não funcionam bem. O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem desenvolvido um trabalho com a CAP e estamos a tentar encontrar soluções. Não podemos é demorar oito meses a passar um visto. Então aí não não há soluções possíveis. Há aqui uma responsabilidade do Estado na execução destas tarefas para que sejam mais rápidas e para não permitir que existam alguns intermediários pelo meio para que o processo funcione sem haver os problemas que todos conhecemos nestas situações.
Para evitar situações como as que aconteceram em Odemira?
Os problemas de Odemira nunca foram bem explicados porque as pessoas não quiseram ouvir as explicações. As empresas de Odemira propuseram construir habitações nas suas explorações e o Parque Natural e a Câmara proibiram e a alternativa proposta foram os contentores porque eram amovíveis. As pessoas não tinham condições porque nem o Parque Natural, nem a Câmara autorizaram que fossem feitas essas construções e depois vieram criticar os contentores. Depois também ficaram muito espantados por arrendarem casas em São Teotónio por um balúrdio, mas para os seus proprietários foi um rendimento brutal. E depois querem responsabilizar o agricultor porque as pessoas não têm condições para dormir ou porque não foram ver se dormiam três pessoas no mesmo quarto? O Estado nos trabalhadores que tem também vai ver onde é que estão a dormir. É a tal ideologia. Uma ideologia que leva a que no Montijo sejam túneis e em Odemira, onde são exatamente iguais, sejam estufas. Em que umas produzem com um impacto nefasto em tudo e no outro não são muito ecologistas. Aqui está a raiz do problema e a segunda parte do problema é que as pessoas que defendem isso não se apercebem que para comerem tomate fresco e algumas das hortícolas frescas durante o inverno não seria possível se não houvessem estufas. Não podemos querer o melhor do mundo todo, há coisas que têm um determinado impacto, mas isso é uma coisa muito grave?
Deu apoio a Nuno Melo…
Gostava de deixar bem clara que o apoio é meu e não da CAP. Deixei isso bem claro na direção da CAP e expliquei porquê. Durante algum tempo pedimos a Nuno Melo para questionar a Comissão Europeia, na sua função de eurodeputado, para conseguirmos obter algumas informações que não seria possível de outra maneira. Quando me pediu o meu apoio não tive coragem de dizer que não. Acho que as pessoas devem verdadeiramente apoiar os outros quando eles precisam. E desde que, Nuno Melo me explicou que uma das prioridades da sua política se for presidente do CDS é apoiar o setor agrícola disse que sim, como direi que sim a qualquer outro líder de outro partido. Nestas eleições, a direção da CAP pediu a todos os partidos para ser recebido antes da campanha eleitoral e só nos responderam o CDS e o PCP. Os outros nem resposta deram, acho que isso demonstra bem o desinteresse profundo que existe nos partidos pelo mundo rural e pela agricultura e, neste caso, até por um parceiro social. Quando existe alguém que me pede apoio, sendo amigo de Nuno Melo, aceitei. Como também estou disponível a dar apoio a qualquer líder partidário que queira colocar na sua agenda a agricultora nas suas ações, em que pode contar comigo seguramente da mesma forma. Aproveito para relembrar e já disse isso aos partidos da oposição que, nos últimos 10 ou 15 anos, nenhum líder sem ser Paulo Portas fez interpelações ao primeiro-ministro na Assembleia da República sobre agricultura.
A agricultura também esteve ausente nesta campanha…
Nem a oposição, nem o Governo abordaram este setor. A CAP criticou e, de alguma forma, obrigou o secretário-geral do Partido Socialista a aparecer no meio dos agricultores com uma samarra. E fez bem, corrigiu a situação e ainda bem que teve maioria absoluta porque assim não precisa de contar com o apoio do PAN. A CAP com a exceção de Jaime Silva sempre funcionou bem com o PS, nunca teve problemas.