Depois da paz social vivida nos primeiros quatro anos de gerigonça e após estes dois anos relativamente tranquilos, a agitação promete tomar conta das ruas do país. O secretário-geral do PCP já tinha deixado claro esta quarta-feira, na apresentação das conclusões da reunião do Comité Central, que a maioria absoluta do PS não irá “silenciar” a luta dos trabalhadores e do povo, sublinhando que a “situação do país exige luta de massas”. Uma “ameaça” que não surpreende Paula Espírito Santo, especialista em ciência política. “Não tendo o peso parlamentar que tinha, o partido poderá por encontrar ou esperar que possa haver outro tipo de mobilização que passará pelas ruas e as manifestações são agora mais propícias para acontecer porque não temos as mesmas contingências que tínhamos, mesmo com pandemia”, diz ao i.
A professora do ISCSP lembra ainda que o partido funciona historicamente “numa dimensão paralela do decurso dos acontecimentos”, por ser um partido que viveu na clandestinidade durante muito tempo e, por isso, vai-se adaptando às circunstâncias. “Quanto mais adversas estas forem, mais força dão ao partido”, considera Paula Espírito Santo. No seu entender, essa força, quando não está ancorada no poder, assenta “não só na atividade sindical – de uma forma indireta, nomeadamente através da CGTP – mas também no aproximar-se da população, dos trabalhadores, dos mais desfavorecidos numa lógica de trabalho de terreno e com todos aqueles militantes que se entregam ao partido e não cobram porque têm uma perspetiva de médio e longo prazo e não uma perspetiva imediata de acesso ao poder”.
Também João César das Neves admitiu este fim de semana ao Nascer do SOL que poderemos assistir a um “acréscimo da contestação social”, dado que “a extrema-esquerda, agora livre de compromissos de Governo, está ansiosa por marcar posição”. O economista nota que “podemos estar a entrar na fase descendente e de desgaste do Governo socialista, semelhante aos últimos anos de Cavaco Silva”.
Uma situação que já foi acenada pelo jornal Avante no seu último editorial. “Hoje como sempre, é no PCP que se encontrará essa força de todos os dias para os combates e a luta dos trabalhadores e do povo em defesa dos seus interesses e aspirações, pela alternativa patriótica e de esquerda, afirmando o programa do partido, a luta por uma sociedade nova”, reagiu o órgão oficial à derrota do PCP e ao seu pior resultado em eleições legislativas, perdendo metade dos deputados, incluindo os pesos pesados comunistas João Oliveira e António Filipe. Também o PEV ficou sem representação na Assembleia da República.
O editorial aponta para a importância do comício de 6 de março, no Campo Pequeno, “que culmina as comemorações do Centenário do PCP, assinala o seu 101.º aniversário e constituirá uma grande ação de massas inserida na luta pela resolução dos problemas nacionais, pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, contra a exploração e o empobrecimento, pela rutura com a política de direita, por uma política alternativa, pela afirmação do ideal e projeto comunistas”.
Para breve, está prometida “a realização de reuniões e plenários de militantes, sobre a situação, os problemas dos trabalhadores e do povo, a luta de massas, a mobilização de forças e a adoção de ações e medidas para o reforço da organização partidária e da intervenção do partido na vida nacional”.
Ainda assim, ao que o i apurou, Jerónimo de Sousa continua a ter a confiança do Comité Central do partido. Ainda este domingo, um dos nomes que têm sido avançados para suceder ao líder comunista garantiu não ter as “características” para ser o sucessor. “Não consigo imaginar isso porque, além de essa questão não estar em cima da mesa, a consideração que é feita a propósito das características que são necessárias para uma responsabilidade dessas, a mim, descansam-me desse encargo”, disse João Oliveira. E lembrou que assumir as rédeas do partido “não é só participar em debates eleitorais ou fazer campanhas eleitorais, é muito mais do que isso”, tanto “do ponto de vista interno”, como de “tudo aquilo que vai para lá da intervenção eleitoral ou institucional e que tem de ser assumido”.
Bloco sob escrutínio Mais contestada está a liderança do Bloco de Esquerda, cuja derrota foi mais pesada: passou do seu maior grupo parlamentar de sempre ao mais pequeno. E de terceira para quinta força política nacional. É preciso recuar a 2002 – quando o partido tinha apenas três anos de existência – para encontrar um resultado pior do que aquele que domingo foi expresso pelos votos (nessa altura, obteve 2,75% e 149.543 votos). Depois de ter reunido a Mesa Nacional este sábado, a coordenadora do Bloco justificou o resultado das eleições por o partido não ter conseguido “comunicar as razões profundas do chumbo do Orçamento do Estado”.
Para Paula Espírito Santo, esta foi uma tentativa de explicar internamente e também externamente “que a politica do Bloco não está errada, mas sim a sua comunicação. É como se fosse um acidente de percurso porque continuam a afirmar que a sua política tem fundamento, mas escolheram uma prática errada de transmitirem a mensagem”, refere ao i. No entanto, lembra que esta queda de resultados não é nova. Em 2009 quando o PS de José Sócrates tinha minoria no Parlamento contava com 16 deputados e quando há o chumbo do PEC IV, que leva à queda do Executivo, nas eleições seguintes passou a ter oito no Governo de Passos Coelho. “Esse é um dos momentos em que o Bloco toma uma decisão que contribuiu para o fim da legislatura de José Sócrates. E agora com o chumbo do OE voltou a contribuir para o fim de uma legislatura de um partido de esquerda”, avalia.
A professora do ISCSP diz ainda que, face a esse cenário, é normal que a liderança seja contestada internamente. “É normal que se crie algum tipo de animosidades internas e de leituras que acabam também por pôr a própria liderança do partido em causa, porque as decisões são internas mas os líderes têm a principal responsabilidade quando não apresentam os resultados esperados”. E vai mais longe: “Haver contestação é sinal da dinâmica do partido que pretende renovar-se. O Bloco já passou por estes processos, desde a liderança bicéfala para seis, depois voltou a dois e agora só com Catarina Martins”, diz ao i.
Ainda este sábado, o movimento Convergência, crítico da atual direção bloquista, considerou que o partido continua a evitar fazer um balanço das eleições, defendendo uma mudança da “linha política” e não excluindo a convocação de uma Convenção extraordinária. Bruno Candeias, membro da Mesa Nacional eleito pela moção E, falou na “pior derrota dos últimos 20 anos do Bloco de Esquerda”. Além da perda de mandatos, o partido também não conseguiu alcançar nenhum dos três objetivos que tinha identificado: manter-se como terceira força política a nível nacional, impedir uma maioria absoluta do PS e fazer um novo acordo com os socialistas.
Também Pedro Soares, tal como o i já avançou, não tem poupado críticas. Na última convenção do partido lamentou a participação do Bloco na geringonça, ao defender que tinha faltado “espírito crítico” e que “a meio era necessário ter sido colocado um novo desafio ao Partido Socialista” – algo que defendeu não ter acontecido. Já esta semana defendeu que é preciso que o partido tenha uma nova estratégia e que não chega pedir a demissão da coordenadora. E, perante os resultados do partido nas últimas eleições, e não apenas nestas legislativas, pede um novo rumo para o BE.