“Um passo para o regresso a uma vida normal que há dois foi interrompida”. Foi assim que Mariana Vieira da Silva resumiu ontem a nova etapa de alívio de restrições da covid-19, cuja entrada em vigor está dependente da publicação em Diário da República, que deverá acontecer nos próximos dias.
O Governo seguiu a proposta apresentada pela equipa de Raquel Duarte na reunião do Infarmed, pelo que o alívio de restrições vai acontecer em duas etapas. E esta já é “significativa”: cai a obrigação de certificado digitais para ir a restaurantes, hotéis, bares e discotecas e deixa de ser obrigatório um teste negativo recente para ir ao futebol, continuando a ser exigido apenas em visitas a lares ou doentes internados aos hospitais a quem não tenha certificado de recuperação da covid-19 ou reforço da vacina.
O alívio total das restrições acontecerá quando a mortalidade associada à covid-19 estiver abaixo do nível de alerta definido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, 20 mortes por milhão de habitantes a 14 dias. O que significa?
Apesar de Mariana Vieira da Silva ter referido inicialmente mal o indicador no briefing de ontem, clarificou-o após perguntas dos jornalistas e o Governo segue no fundo o que foi proposto pelos peritos. Em termos práticos, significa que só tenciona eliminar todas as medidas da covid-19 quando no espaço de 14 dias se registarem em Portugal menos de 200 mortes associadas à covid-19, o que implica haver menos de 15 óbitos por covid-19 por dia ao longo de duas semanas.
Atualmente, o nível de mortalidade mantém-se “elevado”, indicou Mariana Vieira da Silva, revelando que a previsão dada ao Governo pelos peritos é que a mortalidade poderá ficar abaixo desta linha vermelha dentro de cinco semanas. Como noutros tempos, é fazer as contas: no cenário em cima da mesa, a normalidade chega no final de março.
O número de infeções em idosos tem estado a baixar, mas o que pode acontecer neste período continua a ter incertezas, dado que, com o alívio das restrições, um cenário de uma nova subida de infeções não é completamente descartado.
“Nos próximos tempos teremos de perceber como é que o vírus se vai comportar sem medidas”, admitiu, em entrevista ao i, Raquel Duarte, a médica que lidera a equipa que propôs o alívio de restrições ao Governo.
O aumento de infeções em idosos tem sido até aqui preditor de maior de mortalidade, revelam os dados da epidemia por faixa etária que o i tem analisado nos últimos anos. Na última semana, as infeções em idosos com mais de 80 anos, a maioria das vítimas de covid-19, baixaram 22% e continuam a diminuir, com a mortalidade agora a baixar ligeiramente.
Mas o universo de idosos infetados continua a ser bastante superior ao que se verificava no final do ano. Na última semana de dezembro foram diagnosticadas 786 infeções neste grupo etário, quando na última semana foram ainda mais de 6 mil.
Fim do isolamento profilático Embora a Direção Geral da Saúde esteja também a trabalhar numa revisão das normas de rastreio e isolamento de contactos, o Governo anunciou ainda que contactos de risco deixarão de ter de fazer isolamento profilático, não tendo sido indicada uma data para a medida entrar em vigor, o que depende de quando a DGS atualizar a norma.
Da última vez, passou mais de uma semana entre o anúncio e a concretização. Quando acontecer, é de esperar uma redução significativa do absentismo – atualmente continua a haver mais de meio milhão de contactos de infetados em isolamento profilático.
Além do fim do isolamento de quem não está infetado, uma das medidas mais marcantes do combate à pandemia, as principais mudanças são mesmo o fim da apresentação obrigatória do certificado digital de vacinação para acesso a estabelecimentos como restaurantes, onde era obrigatório desde o final de novembro. Nos últimos tempos, já eram muitos os restaurantes que não o solicitavam. Por outro lado, o certificado de vacinação deixa de ser obrigatório para a frequência de ginásios, o que até aqui era uma limitação para quem não fez a vacina.
Os certificados de vacinação passarão, quando as regras entrarem em vigor, a poder ser exigidos apenas no controlo nas fronteiras (aeroportos). Por outro lado, seguindo a recomendação dos peritos para que se mantenham medidas em contextos de maior vulnerabilidade, pessoas que não tenham certificado de recuperação ou de terceira dose de vacina terão de apresentar um teste negativo para visitas a lares e doentes internados.
Para a globalidade da população, acaba ainda a recomendação de teletrabalho, que já não era obrigatório desde 15 de janeiro, e os testes à covid-19 deixarão aos poucos de fazer parte da rotina.
No final do conselho de ministros, Mariana Vieira Vieira da Silva disse que não foi discutida a diminuição da comparticipação de testes de antigénio (atualmente cada português tem direito a quatro testes por mês), mas deixou em aberto que venha a ser cortado este apoio e que os testes só sejam comparticipados mediante prescrição. “O número de testes que cada um precisa para fazer a sua vida vai baixar”, disse a ministra do Estado e da Presidência.
Mariana Vieira da Silva atribuiu este novo passo ao empenho dos portugueses e à evolução da ciência que permitiu as vacinas da covid-19, agradecendo o trabalho dos profissionais de saúde e dos peritos que ao longo dos últimos dois anos aconselharam o Governo. Se a tónica é de fim da pandemia, Vieira da Silva insistiu na mensagem de que ninguém o decretou e que o aparecimento de uma nova variante pode alterar a realidade de diminuição de infeções e reduzido impacto hospitalar que agora permite o alívio.
1,7 milhões de infetados A atual vaga de Omicron, que bateu todos os recordes de infeções – só desde o início do ano foram diagnosticados mais de 1,7 milhões de casos de covid-19 em Portugal, mais de metade dos casos acumulados desde o início da pandemia em 2020. Contando com casos por diagnosticar, mais de 30% da população terá estado infetada este ano.
Ainda assim, com a maioria da população vacinada e uma variante menos severa, o número de doentes hospitalizados em cuidados intensivos não atingiu a linha vermelha de 255 camas afetas à covid-19 e foi bastante inferior ao que se viveu há um ano, quando se atingiu um pico de 904 doentes em estado crítico.
A mortalidade é menor do que há um ano, com um menor risco de morte entre vacinados, mas os dados do sistema nacional de vigilância de mortalidade mostram que em janeiro a covid-19 representou um décimo das mortes em Portugal, o que coloca a nova doença ainda entre as causas de morte mais comuns.
A DGS garantiu ao i que só estão a ser contabilizadas mortes em que a causa direta foi a covid-19, havendo mais casos de pessoas que estavam infetadas quando faleceram por outras causas e que não integram os boletins diários. Boletins que se manterão até à entrada em vigor de um novo sistema de vigilância, cuja data de arranque não foi apontada pelo Governo.