Duração do conflito será determinante

‘Uma guerra curta, acompanhada de sanções menores, tem efeitos económicos muito diferente de um conflitos de vários meses com a Rússia mesmo cortada do mercado internacionais’, diz César das Neves. Analistas partilham, a mesma opinião. Incerteza poderá travar BCE na subida de juros e na retirada de estímulos.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Os alarmes soam por todos os lados e, apesar de as dúvidas serem muitas, uma coisa é certa: a guerra entre Rússia e Ucrânia vai trazer problemas económicos para o mundo, para Europa e, claro, para Portugal. Agora a dimensão destes problemas dependerá de um conjunto de fatores como as sansões impostas à Rússia ou a duração da guerra.  «Os impactos dependem do desenrolar da situação», diz ao Nascer do SOL João César das Neves.  O economista lembra que «uma guerra curta, acompanhada de sanções menores, tem efeitos económicos muito diferentes de um conflitos de vários meses com a Rússia mesmo cortada do mercado internacional. Mas neste momento ninguém pode prever as consequências».

Para já e, face aos riscos, há quem aponte que esta guerra poderá levar o Banco Central Europeu a travar a subida de juros e a ser mais cauteloso quanto a uma eventual decisão por parte da entidade liderada por Chistine Lagarde em retirar os atuais estímulos. «O impacto negativo na economia europeia, com menos comércio e maiores custos energéticos, poderá forçar o Banco Central Europeu a adiar a retirada dos estímulos monetários e a subida das taxas de juro, pelo que as consequências poderão ser deflacionárias e positivas, a médio prazo, para as ações», diz a este jornal Steven Santos, gestor do banco BiG.

Ainda esta sexta-feira, o economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Philip Lane terá dito aos líderes europeus em Paris que um cenário central para o conflito na Ucrânia poderá colocar em risco 0,3% ou 0,4% do produto interno bruto (PIB) da zona euro. E, em caso de cenário mais gravoso, pode levar a uma perda de 1% do PIB. Segundo a imprensa internacional, o economista-chefe também indicou que o conflito levará a que as estimativas para a inflação também sejam superadas.

Uma opinião que já tinha sido partilhada pela diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao garantir que a invasão russa da Ucrânia representa «um importante risco económico para a região e para o mundo» e que poderá afetar a recuperação económica. «Estou muito preocupada com o que se passa na Ucrânia e, acima de tudo, com as consequências para pessoas inocentes. Isto adiciona um importante risco económico para a região e o mundo. Avaliamos as implicações e estamos prontos para apoiar os nossos membros se for necessário», afirmou Georgieva, numa mensagem na rede social Twitter.

Apesar destes riscos, César das Neves garante que «para já é cedo para dizer isso», reconhecendo, no entanto, que «seria bom começar a criar novos cenários». Em relação a Portugal, o economista reconhece que o país tem «uma enorme dívida externa, um crescimento medíocre, ainda para mais está muito dependente de exportações, como o turismo», lembrando que este setor «poderá estar entre as grandes vítimas, se a situação gerar uma verdadeira crise internacional». 

Incertezas partilhadas pelos analistas contactados pelo Nascer do SOL. De acordo com o gestor do banco BiG, Steven Santos, «a economia europeia irá sofrer com os elevados custos da energia e das mercadorias agrícolas, que terão impacto rápido nas empresas e, numa fase posterior, nos consumidores. Os aumentos de inflação no produtor e no consumidor terão um reflexo evidente e negativo nos orçamentos das empresas e das famílias».

Mais expectante está o analista da XTB, Henrique Tomé, que considera que ainda é cedo para avaliar os eventuais impactos económicos desta decisão por parte da Rússia. «Nesta fase, os mercados estão preocupados com a duração do atual conflito e as dúvidas prevalecem em torno das atuais tensões no leste da Europa. É necessário perceber se esta situação poderá escalar ainda mais e até que ponto». Ainda assim, admite que  «os períodos de guerra tendem sempre a ser períodos inflacionistas, pelo que este cenário não é nada animador uma vez que a inflação neste momento já se encontra em níveis preocupantes».

Já Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, dá como exemplo a subida da cotação do ouro, perto dos dois mil dólares por onça. «Isto é uma incerteza crescente face ao agravamento do conflito militar na Ucrânia e aponta também para uma desaceleração na subida das taxas de juro, fruto de um potencial abrandamento económico, em virtude das sansões económicas à Rússia», diz ao nosso jornal. 

Rosa lembra ainda «se esta estagflação (situação simultânea de estagnação económica e altas taxas de inflação) se vier a materializar, então as perspetivas do início do ano que indicavam novos ganhos para os mercados acionistas em 2022, dificilmente se concretizarão. Se o conflito na Ucrânia for limitado no tempo e não se traduzir em pressões inflacionistas duradouras, então os mercados poderão recuperar dos atuais níveis».

O que se pode esperar?

Numa altura em que a subida de preços já se faz sentir, o que pode crescer mais são os preços de vários produtos como a alimentação ou combustíveis. Para Henrique Tomé é claro: «Se as tensões no leste da Europa se agravarem, os preços dos bens alimentares poderão também subir, uma vez que tanto a Rússia como a Ucrânia têm um peso relevante a nível de exportações de várias matérias-primas, desde produtos energéticos aos bens alimentares como os cereais», diz ao Nascer do SOL.

Esta escalada de tensões no leste europeu pode ser «um problema, na medida em que o preço das matérias-primas irá valorizar, nomeadamente o preço do petróleo e gás natural o que irá fazer aumentar os custos de produção, e por conseguinte, o aumento dos preços finais dos bens, isto é, a inflação pode não ficar por aqui a subir ainda mais a médio prazo», conclui.

O celeiro da Europa e não só

Também o economista Paulo Rosa avisa que «a invasão da Ucrânia pela Rússia poderá agravar ainda mais os preços em Portugal». 

O economista lembra que a Rússia «fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural». Mas não só. 

A Rússia é também o maior produtor de trigo, estando também a Ucrânia num dos cinco primeiros. Daqui retira-se a conclusão que a grande produção de cevada, milho, girassol e colza também poderia ser afetada. «Os produtos agrícolas também valorizam significativamente. A Rússia é o maior produtor mundial de trigo e a Ucrânia está nos cinco primeiros», diz, acrescentando que os dois países «respondem por cerca de 29% das exportações globais de trigo, 19% do fornecimento mundial de milho e 80% das exportações mundiais de óleo de girassol». O trigo segue a valorizar quase 6% e regista máximos desde julho de 2012. O milho cotado na bolsa de derivados de Chicago segue a valorizar 4%, enumera Paulo Rosa.

E os impactos não ficam por aqui. De acordo com o responsável, «também ao nível dos fertilizantes poderia existir escassez». Isto porque a Rússia é «um dos maiores produtores de potássio, ureia e fosfatos». É que, garante, as cadeiras de abastecimento da indústria manufatureira «também não estariam imunes a um conflito ou sansões contra a Rússia».

O economista acrescenta outros ramos  que poderão potencialmente ser afetados: «O país dos czares é também um considerável exportador de níquel, estimada em cerca de 49% da quota mundial, paládio 42% e alumínio 26%, de acordo com a Macrobond». Em suma, sanções económicas «mais pesadas e mais abrangentes à Rússia reduziriam a quantidade de trigo no mercado, bem como de petróleo e metais industriais, impulsionando os preços destas matérias-primas. Em suma, os preços em Portugal podem aumentar ainda mais se o conflito no leste europeu se agudizar».

Paulo Rosa lembra ainda que «a invasão da Ucrânia pela Rússia impulsiona preço do gás, do petróleo e dos produtos agrícolas, e aumenta receios de desaceleração económica».