"Nas últimas semanas, ainda que sem confirmação oficial por parte do Sr. primeiro-ministro, muito se tem especulado na imprensa sobre os nomes que integrarão o novo executivo que brevemente assumirá as funções da governação de Portugal", começa por escrever André Ventura numa questão endereçada a António Costa sobre a possível nomeação do antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para ministro. "Um dos nomes constantemente mencionado, por alguns meios de comunicação social inclusivamente especificando-se a pasta que poderá vir a tutelar, é o Dr. Fernando Medina, ex-presidente da CML, que há não muito tempo se viu envolvido num caso a todos os níveis lamentável, pelo envio da sua autarquia, de informações sobre organizadores de manifestações anti Putin ao regime de Moscovo".
"Internamente e num cenário normal só esta circunstância, por violadora de vários direitos que é, seria suficientemente grave para que o Dr. Fernando Medina não mais reunisse condições para desempenhar qualquer função pública", avança, referindo-se ao caso Russiagate, em que o autarca anteriormente mencionado se viu envolvido. Como o i noticiou no ano passado, desde 2011, sempre que os ativistas anti-Putin se manifestavam em Lisboa, algum/(a) funcionário/(a) da CML comunicava às respetivas embaixadas os nomes, moradas e telefones dos promotores dos protestos.
A título de exemplo, em junho de 2021, o i narrou a história de Pavel Elizarov, um exilado político russo de 35 anos que então se sentia mais receoso quando andava pelas ruas de Lisboa. "Junto com duas amigas, este opositor do Presidente Vladimir Putin ousou organizar uma manifestação em Lisboa, em janeiro, exigindo a libertação do seu companheiro Alexei Navalny, com quem chegou a estar preso, antes de fugir da Rússia. Contudo, Elizarov e as amigas acabaram por perceber que os seus dados – nome, morada, número de identificação e de telemóvel – que enviaram à Câmara para avisar do protesto, não foram apenas reenviados para a PSP, Ministério da Administração Interna e autoridades de saúde. Também foram parar às mãos do Estado russo, conhecido por aterrorizar opositores de Putin, mesmo no estrangeiro", contava o i.
"No entanto, ainda mais gravosa se torna sequer essa mera possibilidade quando após o sucedido se continua a falar no seu nome para uma pasta ministerial de enorme relevo, a nível interno e externo, enquanto que, no leste europeu, o regime para o qual a Câmara Municipal de Lisboa por si presidida enviou dados, viola o direito internacional, invade um território soberano, desencadeia o maior conflito militar desde a II Grande Guerra e mata vil e cruelmente homens, mulheres, crianças e idosos", redige Ventura, asseverando que "a possível integração do Dr. Fernando Medina no próximo executivo seria um sinal a todos os níveis inadmissível e com uma leitura colaboracionista clara, sobretudo no contexto do atual momento político". "O Russiagate está a ser deliberadamente esquecido porque Medina vai para o Governo e o PS não tem interesse em trazer este caso de volta", afirma Ventura em declarações ao Nascer do SOL.
"Seria uma tentativa de ocultação reles e inadmissível de uma realidade já comprovada (a do envio dos dados de manifestantes anti-Putin ao Kremlin) mas seria também uma realidade passível de ser interpretada, interna e externamente, como uma proximidade de Portugal ao regime de Moscovo, circunstância que não se coaduna com a História de Portugal, a sua importância nas instâncias europeias e no caminho pela defesa da paz e dos direitos humanos que a diplomacia portuguesa tem trilhado", adianta, sendo importante lembrar que a Comissão Nacional de Proteção de Dados multou a autarquia em 1,2 milhões de euros depois de a CML ter partilhado dados de manifestantes. No passado mês de janeiro, a CNPD esclarecia que o valor total da multa "corresponde ao conjunto de 225 coimas parcelares por violação de várias disposições" do Regimento Geral sobre a Proteção de Dados, nomeadamente "falta de licitude, violação dos princípios da minimização e da conservação dos dados e incumprimento das obrigações de transparência".
"O Dr. Fernando Medina não reúne, por isso, as mínimas condições para integrar um executivo, circunstância que o tornaria numa das principais figuras do Estado português e do próprio Governo de Portugal. Neste sentido, o Deputado do CHEGA, André Ventura, abaixo-assinado, solicita a V. Excelência esclarecimento", lê-se no documento ao qual o Nascer do SOL teve acesso e em que Ventura pergunta a António Costa se "pondera integrar o Dr. Fernando Medina no próximo Governo de Portugal" e "a ser positiva a resposta", se "não vislumbra a possibilidade de ser criado, com esta circunstância, um enorme constrangimento internacional para Portugal, no atual contexto político".