Semana após semana a história é sempre a mesma: o preço dos combustíveis aumenta. E se já era uma realidade antes da invasão da Rússia na Ucrânia, este aumento chega agora ao mercado nacional valores nunca antes atingidos.
O Governo tem tentado aliviar a escalada – ainda que muitos assumam como pouco – com um aumento até 20 euros no valor do AUTOvaucher mas esta sexta-feira foi obrigado a ir mais longe.
«Assumindo o pressuposto de que na próxima semana poderá haver um aumento do preço do combustível nas bombas de 16 cêntimos por litro de gasóleo e de 11 cêntimos por litro de gasolina, tal traduz-se num potencial de aumento de receita em IVA de 2,4 cêntimos por litro de gasóleo e 1,7 cêntimos por litro de gasolina. É este valor que é integralmente refletido na diminuição [do ISP], que determinamos hoje [esta sexta-feira] e que entra em vigor na próxima segunda-feira», anunciou Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Isto porque o Governo decidiu baixar o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP).
Mendonça Mendes garantiu ainda que «com o decorrer da guerra na Ucrânia, a volatilidade que os mercados evidenciam atualmente obriga-nos a adotar medidas extraordinárias que sejam flexíveis o suficiente para procurar acompanhar o ritmo das alterações das circunstâncias». E, por isso, a partir de agora, «o mecanismo de descida do ISP por via do aumento unitário do IVA passa a ser apurado semanalmente».
Preços na alimentação
O aumento de preços já é uma tendência no nosso dia a dia. E as famílias já estão a enfrentar preços mais elevados nos alimentos. Tendência que a guerra na Ucrânia piorou mas que já vinha a sentir-se antes e começou com a pandemia. Os valores ameaçam ser parecidos com os observados em 2008 após a crise financeira global, uma vez que as exportações de trigo da Ucrânia e da Rússia estão ameaçadas, agravando os aumentos de preços resultantes da crise climática.
Os preços do trigo, milho e soja ultrapassaram os níveis de 2008 nos últimos dias, com o milho a oscilar ligeiramente abaixo dos preços de 2013 e a soja a atingir níveis semelhantes aos de 2012.
Os dados são alarmantes e os mais recentes dados não deixam margem para dúvidas. O caso mais recente diz respeito ao óleo de girassol que Portugal importa da Ucrânia e que está a ser racionado em alguns espaços comerciais como é o caso do Continente – avançou o JN e confirmou o Nascer do SOL – ou do Mercadona.
A título de exemplo, entrando no site do Continente, três litros de óleo Fula contam com «a venda deste produto limitada a 2 unidades por cliente» devido à «elevada procura».
E a verdade é que as notícias já assustaram os consumidores. Um proprietário de um restaurante contou ao nosso jornal que, esta sexta-feira, havia «muitas pessoas a levar carrinhos cheios de óleo». E acrescenta: «Com o óleo a vir da Ucrânia, muitas pessoas já estão antecipadamente a comprar. As pessoas estão a começar a comprar litros e litros de óleo alimentar de uma vez. Mais do que o Fula que está em rotura, as variedades mais baratas já não há, já há um pânico».
Quanto aos restantes preços, diz, está «tudo igual» tendo em conta ao aumento dos preços já registado. «A carne continua muito cara», diz o empresário, que acrescenta ter notado «as pessoas com os carrinhos cheios de óleo».
Mas o aumento dos preços não se fica por aqui. E o que pode vir a aumentar – e bem – é o preço do pão. É que a guerra na Ucrânia teve como consequência a subida do preço da farinha em 25 por cento ou seja, mais 120 euros por tonelada. Uma consumidora diz ao nosso jornal: «Costumo comprar aquela pão, tipo Mafra, e posso garantir que, desde que começou a guerra, já aumentou 10 cêntimos».
O próprio presidente do Conselho Fiscal da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), Helder Pires admitiu: «A subida do preço do pão é inevitável e evoluirá em linha com a flutuação dos preços dos cereais».
Justificação
Mas porquê que estes preços crescem tanto? Henrique Tomé, analista da XTB, chegou a dizer ao Nascer do SOL que «se as tensões no leste da Europa se agravarem [o que tem acontecido], os preços dos bens alimentares poderão também subir, uma vez que tanto a Rússia como a Ucrânia têm um peso relevante a nível de exportações de várias matérias-primas, desde produtos energéticos aos bens alimentares como os cereais».
O analista defendeu ainda que esta escalada de tensões no leste europeu pode ser «um problema, na medida em que o preço das matérias-primas irá valorizar, nomeadamente o preço do petróleo e gás natural o que irá fazer aumentar os custos de produção, e por conseguinte, o aumento dos preços finais dos bens, isto é, a inflação pode não ficar por aqui e subir ainda mais a médio prazo».
Já o economista Paulo Rosa, do Banco Carregosa, não tem dúvidas que os maiores aumentos de preços no nosso país «têm sido registados nos combustíveis e nos derivados do petróleo, e, consequentemente, acabam por impulsionar outros bens e serviços». Ora, «a subida dos preços das matérias-primas, nomeadamente metais industriais, impulsionaram os preços dos materiais de construção. O aumento dos produtos agrícolas também impactaram os preços em Portugal».
E tal como o analista da XTB, o economista do Banco Carregosa avisa que «a invasão da Ucrânia pela Rússia vai agravar ainda mais os preços em Portugal».
Ainda sobre esta guerra, Paulo Rosa lembrou que a Rússia «fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural». Mas não só. A Rússia é também o maior produtor de trigo, estando a Ucrânia num dos cinco primeiros. Daqui tira-se a conclusão que «a grande produção de cevada, milho, girassol e colza também poderia ser afetada», o que já está a acontecer.
E não se fica por aqui uma vez que «também ao nível dos fertilizantes poderia existir escassez». Isto porque a Rússia é «um dos maiores produtores de potássio, ureia e fosfatos». É que, garante, as cadeiras de abastecimento da indústria manufatureira «também não estariam imunes a um conflito ou sanções contra a Rússia».
O economista deu mais detalhes: «O país do czares é também um considerável exportador de níquel, estimada em cerca de 49% da quota mundial, paládio 42% e alumínio 26%, de acordo com a Macrobond».
E alerta que sanções económicas «mais pesadas e mais abrangentes à Rússia reduziriam a quantidade de trigo no mercado, bem como de petróleo e metais industriais, impulsionando os preços destas matérias-primas. Em suma, os preços em Portugal podem aumentar ainda mais se o conflito no leste europeu se agudizar».
Já a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) chegou a explicar ao Nascer do SOL que «os aumentos de preços são variáveis, o que torna difícil indicar um padrão na sua variação ao longo dos últimos meses», disse o diretor-geral da APED, Gonçalo Lobo Xavier, que assumiu: «Existem categorias que registam uma subida de 10%, enquanto outras estão a registar um aumento superior ou inferior a este patamar».
No que diz respeito aos produtos com os maiores aumentos, o responsável destaca «os cereais e farinhas» que «já apresentam subidas na ordem dos 10% e produtos como a carne de vaca e de aves, que dependem das rações, estão também a sofrer ajustes nessa ordem de grandeza».
Questionado sobre se existe a possibilidade de os preços continuarem a aumentar, Gonçalo Lobo Xavier explicou que «o aumento dos preços dos produtos é uma consequência direta, e inevitável, de um contexto global marcado pelo aumento dos custos dos transportes, da energia e das matérias-primas, com efeitos visíveis nos vários setores de atividade, do qual o retalho não é alheio, quer falemos de distribuição alimentar quer de retalho especializado».
Assim, perante este quadro desfavorável, o diretor-geral da APED garantiu que o setor do retalho «tem vindo a fazer um enorme esforço para tentar acomodar este aumento de custos, mas está cada vez mais difícil evitar que se reflitam nos preços de venda ao público».
Junta-se o aumento do preço dos combustíveis que, disse, «acaba por ter uma consequência direta no custo dos transportes, ao aumento da inflação e dos custos da energia, não conseguimos deixar de esperar um difícil quadro para atingirmos a esperada rápida recuperação económica».
Feitas as contas, com todos estes fatores que estão a contribuir para o aumento de preços, «acresce agora a instabilidade dos mercados causada pela tensão vivida na Ucrânia» e é por isso que Gonçalo Lobo Xavier defende que se torna «desafiante qualquer exercício de previsão futura, mas parece inevitável que o cenário de inflação e de grande pressão na cadeia logística se mantenha durante todo o primeiro semestre do ano».