Mariupol, palco de algumas das maiores atrocidades durante a invasão russa da Ucrânia, está a ser despedaçada longe da vista do mundo, com as comunicações cortadas e os últimos jornalistas internacionais já retirados da cidade. As forças russas já combatem no interior da cidade, após destruirem bairros inteiros com artilharia, mísseis e bombardeamentos aéreos, ao mesmo tempo que deixavam Mariupol sem água, comida, eletricidade, medicamentos. Mas a extensão do horror não é clara, com ambos os lados a tentarem controlar a narrativa, numa autêntica guerra de informação.
Do lado do Kremlin, esses esforços chegaram ao ponto de mandar tropas caçar dois repórteres da Associated Press, Evgeniy Maloletka e Mstyslav Chernov, denunciou este último no Guardian. Certamente que já viu o trabalho destes dois, os últimos jornalistas internacionais que insistiram em registar a tragédia vivida nas ruínas de Mariupol – foram eles que filmaram o rescaldo do ataque russo a um hospital pediátrico, que fez manchetes pelo mundo fora.
Durante as últimas semanas, Maloletka e Chernov assistiram à viragem da estratégia de Vladimir Putin, que viu goradas as suas expetativas de tomar a Ucrânia rapidamente, o que evitaria ter de ocupar um país arruínado. Pelo menos no que toca a Mariupol – o coração da indústria pesada ucraniana, essencial para controlar o mar de Azov, e que permitiria à Rússia fazer um corredor terrestre entre Donbass e a Crimeia – os russos mostram que já estão por tudo.
“É claro que os invasores não estão interessados na cidade de Mariupol”, denunciou esta terça-feira o conselho municipal, citado pela Reuters. “Eles querem arrasá-la, torná-la nas cinzas de uma terra morta”.
Enquanto essa atrocidade decorria, os dois repórteres da Associated Press tornaram-se numa dor de cabeça para o Kremlin, furando o bloqueio de comunicações – nem sequer as rádios e TV ucranianas chegavam a Mariupol, apenas a rádio russa, com propaganda e apelos à rendição – subindo a edifícios, ficando a aguardar horas por um pouquinho de rede que permitisse enviar fotos, ou usando telemóveis de satélite.
O Kremlin, que em plena reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas tinha acusado as suas imagens do hospital pediátrico de serem uma fabricação, fartou-se. Tropas russas receberam “uma lista de nomes, incluindo os nossos”, denunciou Chernov, contando como se abrigaram num hospital, vestindo equipamento cirurgico para se esconderem. Quando foram cercados por tanques e tropas russas, tiveram de aguardar ansiosamente enquanto forças ucranianas combatiam no exterior do hospital, para os ir resgatar.
“Se vos apanham, vão meter-vos à frente de uma câmara e fazer-vos dizer que tudo o que filmaram é mentira”, disse-lhes um agente da Polícia ucraniana, justificando o porquê de tantas tropas ucranianas terem sido empenhadas na operação.
Censura de guerra No entanto, não é só o Kremlin que é acusado de tentar moldar a informação que sai para o mundo deste conflito. Ainda no passado fim-de-semana, Volodymyr Zelensky assinou um decreto presidencial fundindo todos os canais de televisão nacionais ucranianos numa única plataforma, defendendo a importânica de uma “política de informação unificada”.
Se censurar e esconder baixas sempre foi uma constante em qualquer guerra – na II Guerra Mundial, por exemplo, foi uma arma arremessada tanto pelos países dos Aliados como do Eixo, sendo que no séc. XXI surgiriam meios mais sofisticados para mascarar baixas, como o uso massivo de mercenários durante a ocupação do Iraque – para não desmoralizar as tropas, a decisão de Zelensky de ilegalizar 11 partidos, acusando-os de serem pró-russos, arrisca alienar os ucranianos russófonos do leste do país.