“Esta minha disponibilidade é única e irrepetível”

Face ao pior resultado da sua história, com consequências políticas e financeiras, Nuno Melo afirma que ‘é preciso dar a volta’ e reconquistar o eleitorado. Depois do congresso deste fim de semana, a primeira prova que terá de dar será nas eleições europeias. O candidato à liderança está otimista, mas para isso reconhece que ‘o…

O CDS vai estar reunido este fim de semana em congresso. Está à espera de que desfecho?

Num partido democrático como o CDS, e ainda mais num momento tão difícil, existirem vários candidatos é uma boa notícia. O desfecho que espero é sair vitorioso, caso contrário não me candidatava. Estou profundamente motivado e acho que seremos capazes de inverter este ciclo, mas respeitarei com toda a naturalidade aquela que seja a decisão dos congressistas.

A sua candidatura apresenta ‘pesos pesados’ do partido…

Esta minha disponibilidade é única e irrepetível. Começo a moção que apresento ao congresso com parte de uma frase do pensamento de Ortega y Gasset: ‘Sou eu e as minhas circunstâncias’. Neste caso, avalio as circunstâncias do CDS e as minhas. As do CDS, enquanto partido, registou nas últimas eleições o pior resultado da sua história. Fomos varridos do firmamento parlamentar. Quanto às minhas, nunca tive vontade de ser candidato no passado e ser presidente do partido deve ser um ato de vontade muito bem consolidado, porque é uma tarefa muito difícil e, neste contexto, ainda é mais difícil. Sinto que tenho a obrigação de dar ao CDS o retorno por tanto que o partido me deu. E não tendo deputados na Assembleia da República, sou eu o único deputado com palco nacional e europeu. Tudo isso justificou a minha disponibilidade, mas como disse é única e irrepetível. Obviamente que falei com pessoas, tentei recolher apoios e tenho apoios muito consolidados no Continente, nos Açores e na Madeira. Tenho também apoios dentro do partido – desde as bases até aos quadros – e isso deixa-me muito confiante, não só em relação ao resultado, mas principalmente em relação às ferramentas de que preciso para depois trabalhar à espera de um futuro que acredito que será muito melhor.

Admite que é uma tarefa difícil, principalmente quando não elegeram nenhum deputado no Parlamento. É difícil dar a volta? As próximas eleição serão as europeias em 2024.

Como disse, o CDS obteve o pior resultado da sua história, com consequências políticas e financeiras. Perdemos o maior palco político: a Assembleia da República, onde estão outros partidos que surgiram há pouco tempo; mas acredito profundamente que voltaremos ao Parlamento. Temos um ciclo de dois anos de afirmação, em que o partido tem de ser transformado numa realidade moderna, formatada para o século XXI, mas pelo caminho teremos necessariamente muito mais dificuldades, porque falta-nos esse palco político. No entanto, costumo olhar para os problemas e procurar neles as oportunidades, prefiro isso do que me deprimir com as dificuldades. O CDS tem neste resultado algumas oportunidades.

Quais?

O CDS bateu no chão, o que tentarei fazer é inverter esse ciclo, o que implica fazer reformas muito difíceis, mas são reformas que talvez hoje o partido tenha disponibilidade para concretizar, ao contrário do que acontecia no passado. A minha preocupação é transformar o CDS num partido moderno, do século XXI. Um partido que, no final deste fim de semana, consiga dizer a um país inteiro, numa sala que é aberta, que soube aprender com os erros e que ao ler os sinais vai fazer tudo diferente. O CDS, para começar, vai ter de se reconciliar com o seu passado. E reconciliar-se com o seu passado é acreditar que dará a volta, que vai falar para fora, que vai fazer oposição ao PS e às esquerdas e não para dentro, em ajustes de contas ou pedir cabeças. Esse é o primeiro sinal: o sinal da pacificação interna e que, no depender de mim, será promovido. Quero construir pontes, não quero cavar ainda mais trincheiras. Depois, também quero um partido onde conservadores, democratas-cristãos e liberais se se sintam bem porque são complementares, acabando com a lógica que surgiu com as tendências institucionalizadas implementas no CDS e que cavaram as tais trincheiras. Nos últimos anos avançou-se com um processo, a que se chamo de purificação ideológica, que é completamente idiota porque nenhum partido cresce subtraindo. Essa perspetiva de que somos democratas cristãos e, como tal, não podemos ter nem conservadores, nem liberais não faz qualquer sentido. Se enveredamos por esses processos de purificação ideológica, a tendência é para desaparecer, como foi sucedendo nos últimos tempos. Quero nessas reformas acabar com essas tendências institucionalizadas e, no que depender de mim, o CDS voltará a ser uma casa onde todos se sentirão bem. E depois o CDS deve ser um partido que deve ler os sinais dos tempos e perceber que grande parte da inteligência ou dos protagonistas que podem ajudar a transformar a sociedade não estão necessariamente dentro dos partidos. Quero que o CDS se abra aos independentes e daí ter criado grupos programáticos que ajudaram a redigir a moção que apresento, onde a par de pessoas muito reconhecidas do partido estão também vários independentes. Mas todos eles com um conhecimento muito profundo da área à qual se dedicaram. E enquanto partido no futuro vai ter que ser capaz de resgatar aquilo que foram ideias identitárias que deixou de tratar e que outros se apropriaram porque as ideias não têm dono.

Quais foram essas ideias?

O CDS foi o partido dos contribuintes, da segurança, dos ex-combatentes, dos pensionistas, do mundo rural. Fomos todos isto porque falávamos sempre disto de forma muito consistente, com quadros muito capazes e isso traduziu muito a identidade do partido junto do eleitorado. Temos de resgatar essas ideias. Se hoje na rua perguntar sobre quatro ou cinco ideias que marcam o partido, dificilmente tem as pessoas a identificar o CDS com quatro ou cinco ideias simultaneamente. E a par disso tem de carregar as novas agendas, desde logo, falar para o eleitorado jovem e muito para as mulheres. Nos últimos estudos de opinião, o CDS perdeu votos – tal como o PSD – junto do eleitorado jovem e junto das mulheres.

No caso dos jovens terá perdido para o Iniciativa Liberal?

Talvez, as pessoas votam nos partidos se forem lidos como úteis, se derem respostas para os problemas que consideram mais prioritários. Falar para os jovens não é só falar destes temas clássicos que quero resgatar, mas das novas agendas. Hoje em dia, um partido como o CDS tem de estar na linha da frente da economia verde, da economia digital ou da sustentabilidade. No Parlamento Europeu não são causas de esquerda, até pelo contrário, são causas que o PE chama a si e que as maiores delegações querem tratar porque hoje em dia, com os biliões dos fundos comunitários, não há projeto que não esteja indexado a uma componente ambiental ou a uma componente digital. Ter um partido a falar desses problemas é fundamental. O que um jovem quer hoje em dia? Quer saber se depois de licenciado consegue trabalhar na área da sua licenciatura, se vai ter um emprego e se esse emprego não será precário, quer saber se vai ganhar muito mais do que os salários muito baixos que são pagos, apesar da sua qualificação. Querem ver tratados os temas de mobilidade, querem que se discuta o problema do arrendamento urbano que representa um problema porque não conseguem arrendar (e nem sequer falo de comprar) uma casa nas áreas onde normalmente nasceram ou junto da casa dos seus pais, uma oportunidade que desapareceu porque os preços são proibitivos. São problemas em que os partidos têm de estar presentes e têm de dar respostas. 

Quando diz que o partido precisa de reformas, que reformas são essas?

Estas que falei e outras. Isto implica do ponto de vista estratégico e programático uma redefinição do CDS, mas depois há coisas que temos de fazer e que para mim são muito básicas. Por exemplo, tem de haver uma renovação no partido, mas sem exclusão. Tem de conseguir escolher os melhores que o partido já conta e trazer muitos outros. Renovar no sentido de ter pessoas mais novas e pessoas mais velhas, homens e mulheres. Um dos sinais que tem de dar não é no sentido tendencial de uma paridade por causa de quotas, mas para ser um espelho da sociedade. Cecília Meireles é hoje um talento reconhecido na rua, mas temos muitas Cecílias Meireles.

E que que ganhou um grande protagonismo, nomeadamente nas comissões de inquérito ao setor financeiro…

Mas não só. É um talento nos debates televisivos, como nos debates parlamentares. Temos muitas Cecílias Meireles. Têm é de ter oportunidades. Além disso, o CDS tem de ter a capacidade de perceber que se tem graves problemas financeiros tem de cobrar quotas que não só cobradas. Quero um partido com uma militância que seja real. Ser militante de um partido é um ato de vontade, que confere direitos: eleger e ser eleito, mas também obrigações. Quem é militante de um partido deve ajudar financeiramente a sobrevivência da instituição. O PSD cobra um euro por mês, o PS também e o Iniciativa Liberal julgo que cobra 30 ou 40 euros por ano. Mas isso é normal. Muitas vezes, no CDS as pessoas têm disponibilidade para gastar 30 ou 40 ou 50 euros num jantar e depois não estão disponíveis para pagar um euro por mês, quando hoje é fulcral e pode significar um posto de trabalho no CDS ou uma manutenção de uma sede do partido. Isto é um património que gostávamos de preservar e permite acabar com uma coisa que tem matado muitos dos partidos mais antigos da nossa democracia que são os sindicatos de voto. Os partidos não podem ficar de repente sequestrados por sindicatos de voto, em que, muitas vezes, a militância não existe no sentido de quererem participar genuinamente e até efetivamente na vida de um partido, mas para garantirem que a pessoa A, B ou C ganhe uma eleição para uma distrital ou para uma concelhia, inflacionando cadernos eleitorais que depois não têm uma expressão de verdade. Não vejo nenhum interesse em ter pessoas filiadas que, ao mesmo tempo, estão filiadas no PS ou no PSD, como acontece atualmente e estão ali para garantir que pessoa A ou B se for candidata à concelhia ou à distrital tenha mais votos. Essa pessoa não está ali para ajudar o CDS, está para ajudar o amigo. E, ao mesmo tempo, distorce completamente a realidade da militância, não refletindo a verdade de um partido. Mas há outras reformas que têm que ser feitas. O maior ativo que o CDS tem, neste momento, são os seus autarcas e quero, por exemplo, que os presidentes de câmara tenham assento na comissão política nacional do partido. Quero também que o presidente da Juventude Popular possa participar nas reuniões da comissão executiva. Quero revolucionar completamente a lógica de comunicação do partido, porque temos de ser capazes de chegar às pessoas e por muito boas ideias que sejam nas reuniões do partido depois têm de chegar às pessoas. 

Disse que não quer um ajuste de contas. Vai ser tranquila esta passagem de testemunho?

Só posso falar por mim e quero que o país neste congresso note que soube ler os sinais do que aconteceu e que estou disponível para alterar muita coisa em relação ao futuro. Estou disponível para acolher pessoas de diferentes sensibilidades, não vou responder a uma única provocação. Interessa-me falar para o futuro, fazer a oposição ao PS e às esquerdas e não perder um minuto a olhar para o retrovisor em ajustes de contas ou pedidos de cabeças em guilhotina. 

Mas haverá sempre a tendência para apontar o dedo a Francisco Rodrigues dos Santos…

Não será feito por mim. 

E pelos seus apoiantes?

Se há pedido que tenho feito aos meus apoiantes é que projetem o CDS no futuro, esqueçam o passado, aprendam com ele, mas não caiam na tentação de o discutir, num grande palco que o país inteiro está a ver. É esse um dos primeiros sinais que tem de ser capaz de dar a Portugal, nos dias 2 e 3 de abril, para que possamos conquistar a confiança do eleitorado, sem o qual não seremos devolvidos à Assembleia da República, nem seremos lidos como credíveis perante todos. 

Isso vai ao encontro do que já disse, que quer ‘o melhor do portismo, mas quer ter uma marca própria’…

Não estou aqui para voltar a trazer aqueles que foram os dirigentes do passado, mas quero unir sem excluir. Vou escolher as melhores pessoas do presente, do ‘portismo’ ou de quaisquer outros ‘ismos’. O único critério que peço é que tenham disponibilidade, competência e estejam de boa-fé. No dia a seguir ao congresso não posso olhar para o lado e correr o risco de não ter ninguém a exercer os cargos que ocupam. Ser dirigente de um partido tem que ser muito mais do que subir a um palco no dia do congresso. Implica durante dois anos exercer essas funções. E as pessoas têm que ter capacidade e de ter boa-fé, têm que acreditar que este projeto é possível. 

O que responde às acusações de quem diz que o CDS já morreu?

Os portugueses, às vezes, têm um traço muito geral de auto comiseração e de fatalismo. Pela personalidade que tenho sempre que olho para um problema animo-me com as possibilidades, não me deprimo com as dificuldades. Acho que é a melhor forma de levar a vida. Mas mortes à parte, quando há um problema, se acreditamos no sentido da vida e na razão de ser do CDS então deveremos olhar para as possibilidades. E quais? O CDS tem vivido um ciclo descendente, saiu da Assembleia da República, mas tem tudo para inverter esta panorâmica e conseguir muito melhor no futuro, mas para isso precisa de aprender com os erros.

Daí dizer que o CDS faz muita falta a Portugal…

Tenho usado essa frase como frase de campanha. Uso-a há mais de um ano e curiosamente o Iniciativa Liberal acabou por fazer uma coisa parecida. Neste caso, a autoria desta expressão é minha e é uma questão factual. O sinal expressivo de que o CDS tem futuro está no facto de pessoas me dizerem que o ‘CDS faz falta a Portugal’ e que ‘estamos disponíveis para ajudar a voltar ao Parlamento’. Isto é muito importante e decisivo porque se olhar hoje para a Assembleia da República, o que percebe é que o Iniciativa Liberal que entrou e cresceu quer com muita insistência sentar o seu grupo parlamentar à esquerda do PSD, o que é coerente porque o grupo dos liberais europeus está à esquerda do PPE. Quando olha para o Chega vê que é um partido que está um bocadinho à direita do próprio sistema e tem o PSD, em que Rui Rio diz que é um partido de centro. Portanto, há todo um espaço público e parlamentar entre o PSD e o Chega que, neste momento, não está ocupado na Assembleia da República e esse espaço é traduzido pelo humanismo personalista, democrata-cristão, aberto a tendências conservadoras e liberais que o CDS é. Por exemplo, acredita numa economia competitiva, mas também diz que tem de ter uma componente social. Não deixa tudo ao arbítrio do mercado. É preciso devolver essa credibilidade ao CDS e dar um lugar que se justifica na democracia em Portugal, de que é fundador. Não quero que o CDS seja uma página de história, quero que seja um partido útil, moderno, virado para o futuro e muito capaz. E com isso acredito que nos manteremos no Parlamento Europeu nas próximas eleições e mais tarde voltaremos à Assembleia da República em 2026.

Nas eleições europeias, a ideia é avançar sozinho ou em coligação?

Isso está muito claro na moção que apresentei no congresso: o CDS está obrigado a uma prova de vida nas eleições europeias. Tem de mostrar o que vale nas urnas. Temos dois anos para fazer tudo bem, para tentar não falhar, para devolver o CDS com credibilidade ao regime que depois terá de ser confirmado nas urnas. Nas eleições europeias tem de mostrar o que pode fazer por si e não o que pode conseguir com outros. As coligações só são verdadeiras quando as parcelas das coligações partem de uma noção de que são mensuráveis. Não quero coligações por favor e quero mostrar que o CDS é um partido relevante e isso só é possível mostrar se for medido nas urnas. Daí falar nessa prova de vida. E depois ciclo a ciclo vamos pensando, congresso a congresso com moções de estratégia que também têm de ser discutidas e votadas. Se falarmos daqui até às eleições europeias já estamos a falar de um universo de dois anos, o que já não é coisa pouca.

Disse que o espaço do CDS não está preenchido no Parlamento. Como antigo deputado, como viu a tomada de posse dos novos deputados?

Fui líder parlamentar do CDS, vice-presidente da Assembleia da República e presidente de várias comissões parlamentares e o que posso dizer é que fiquei profundamente angustiado com a tomada de posse dos novos deputados. Nunca julguei possível em vida minha ver isso e quero corrigir essa injustiça.

Também já disse que o Chega não pode ser tratado de forma diferente do PCP. Diz isso por considerar que os dois são radicais?

Se quero afirmar o CDS não vou passar a vida a falar do Chega ou do Iniciativa Liberal. Chega falar do Chega. É por tanto se falar no Chega que o partido vai crescendo e por ser falado por quem gosta e por quem não gosta. Não aprecio particularmente o Chega como partido, o Iniciativa Liberal também não me diz grande coisa, o PSD é o nosso aliado, mas o que para mim é relevante é saber que para o CDS crescer vai ter que disputar eleitorado que votou em todas estas realidades. O que me interessa é seduzir eleitores que votaram em outros partidos, nomeadamente nestes, para voltarem a uma casa que já foi sua. E em outros casos, nunca tendo votado no CDS poderão estar disponíveis a votar pela primeira vez. Mas essa declaração em relação ao Chega e ao PCP esteve relacionada com o facto de me terem perguntado insistentemente sobre essa situação e que me parece óbvio é que quando se traçam linhas vermelhas, essas linhas vermelhas têm a ver com situações de extremismo e esses extremismos não podem ser só lidos por um lado, principalmente quando vejo do outro lado partidos que não condenam a agressão russa à Ucrânia, que fazem festas com terroristas das FARC e com delegações da Coreia do Norte. Não me parece lógico que linhas vermelhas à direita sejam tratadas assim e depois não sejam pensadas da mesma forma e com os mesmos pressupostos na extrema-esquerda. Tem de haver uma coerência que é a do regime. 

Na sua moção defende um plano de emergência nacional que passa pela redução de impostos, nomeadamente o IVA sobre os combustíveis, energia e produtos essenciais…

Ao longo de toda a sua história, o CDS foi um partido que traduziu sempre uma racionalização e uma redução da despesa pública que é um dos nossos grandes entraves em todos os sentidos no nosso modelo económico. E defendemos essa redução principalmente em períodos de crescimento económico, porque é uma altura em que se consegue fazer reformas que depois nos ajudam em tempos mais difíceis. Mas também tem o objetivo de permitir mais tarde reduzir impostos sobre as famílias e sobre as empresas. Isto foi sempre o que defendemos. Agora vivemos num contexto novo, que é o de emergência nacional por causa da situação internacional que tem a ver com a guerra. E, por isso, apresentámos na moção um plano de emergência nacional com iniciativas de curto prazo e de médio prazo. Quanto à primeira, propomos em relação aos combustíveis uma baixa muito significativa do ISP para que os consumidores e as empresas tenham condições de sobreviver. Esta é uma variável de que o Estado dispõe e se reconhece que o preço é absurdo e está a ganhar margens absurdas no IVA então ao reduzir o ISP consegue à mesma arrecadar uma abundante receita sem penalizar os consumidores. Isso parece-me óbvio, mas também acho que devemos sensibilizar a União Europeia para as reduções urgentes da taxa do IVA, não apenas nos combustíveis, mas também em outras, como o setor agroalimentar. Por exemplo, os cereais e o seu aumento de preço devido à escassez irá ter implicações nos ovos, leite, carne que podem ficar a preços proibitivos aos consumidores. Devemos também em alguns setores avaliar novas medidas de layoff que foram criadas durante a crise pandémica, mas como agora vivemos uma crise de outra natureza, o seu impacto para as empresas é muito equivalente. Devíamos também pensar em outro período de prorrogação de moratórias tanto a particulares, como empresas. E depois temos um plano a médio e longo prazo com aquilo que sempre caracterizou o CDS: promover a redução das taxas, principalmente para as famílias com mais filhos, defendemos que seja retomada a reforma de 2014 do IRC com o objetivo de redução para 17%. 

Na moção também fala do serviço militar facultativo…

Fui um dos que cumpriu o serviço militar obrigatório e tive, nessa altura, pela primeira vez, um contacto muito forte com aquilo que é uma escola de valores e que, em alguns casos, pode ser muito útil no percurso de vida. Hoje em dia muitos jovens gostavam de ter essa experiência, mas não têm possibilidade. E o serviço militar permite ter um contacto com valores e um sentido de hierarquia que é relevantíssimo na vida. Durante a vida, no trabalho ou fora dele, somos confrontados com situações de hierarquia que deve ser entendida como natural. Deveria ser dada essa oportunidade a muitos dos nossos jovens, o que serviria também como uma base de recrutamento para umas forças armadas que têm sido deficitárias. Ou seja, muitos desses jovens feita a recruta poderiam sentir-se compelidos a abraçar uma carreira militar através da contratação. Era bom no processo de formação de jovens, era bom na perspetiva militar para uma contratação que tem sido muito difícil. 

Falou dos problemas financeiros do CDS. O partido corre o risco de ter sair da sua sede em Lisboa?

Nunca disse isso.

Mas falou-se nesse risco…

A primeira coisa que farei é conhecer ao pormenor as contas do CDS. Sem isso não posso antecipar quaisquer medidas. Tenho uma ideia das contas porque tem havido contactos de pessoas da minha candidatura com a atual liderança, mas só darei as contas como consolidadas depois de as conhecer ao pormenor e tendo ao meu lado pessoas com grande conhecimento técnico então só depois é iremos tomar uma decisão. Mais do que as sedes, o que me causa angústia nesta realidade são as pessoas. Não podemos ser um país humanista e depois colocar os edifícios à frente das pessoas. Contamos hoje com funcionários extraordinários que deram o melhor de si ao longo da vida pelo CDS e se a situação for dramática poderão estar preocupados com o seu futuro. Por isso, tenho de conhecer ao pormenor as contas do partido e fazer depois as tais reformas que gostava de fazer, quer ao ponto de vista de quotas, quer ao nível de outras iniciativas que tenhamos de tomar numa perspetiva de captar receita para poder ajudar o CDS. Parece-me que o CDS terá hoje receitas para metade das suas despesas. Isto é uma situação de pre-falência. E certamente muita coisa terá que ser feita, mas terá que ser feita no seu tempo.

Esta semana o Governo tomou posse. Como avalia a equipa?

Avalio com uma expressão má das maiorias absolutas. Um Governo muito grande, ao contrário do que o primeiro-ministro dizia, e com pessoas pouco qualificadas para áreas muito importantes, desde os Negócios Estrangeiros até às Finanças. Quando vivemos numa economia de guerra, num contexto tão difícil, com tantas variáveis incertas, com todo o respeito, não me parece que o titular da pasta das Finanças seja uma pessoa suficientemente qualificada para a função. Isto vale para tudo: muito partido e pouca razão de ciência, o que mais precisávamos neste momento eram pessoas altamente qualificadas, com sentido político, naturalmente, para darem as melhores respostas em relações a desafios muito difíceis. E isso não tem.

O ministro das Finanças é muito político e pouco técnico?

Ainda por cima muito longe de ter dado boa conta de si enquanto presidente da Câmara de Lisboa.  cargo de um ministério não pode ser um prémio para uma saída nas urnas conferido por um amigo, por muito que preze a amizade. Na política e principalmente quando se gere um país deve-se ceder em relação a valores muito maiores. Por isso, digo que o Governo tem imenso de política e de partido e muito pouco de razão de ciência e conhecimento técnico. Isso preocupa-me porque acho que os sinais que estão a ser dados são todos errados, mas é uma consequência necessária das maiorias absolutas. 

E quando um Governo de maioria absoluta tem um PRR nas mãos…

Que já por si, no plano conceptual, está longe daquilo que Portugal exigiria. Temos um PRR configurado para uma dimensão pública, num país que vive do esforço de pequenas e médias empresas, que hoje estão completamente estranguladas e que desse PRR não beneficiam coisa nenhuma. A não ser residualmente. Uma das iniciativas que terei no CDS terá a ver com a criação de um grupo de acompanhamento da execução do PRR e o seu tempo de execução. 

Para haver uma vigilância?

Vigilância e apuramento de utilidade. Ou seja, para vermos se aquilo que está desenhado no plano está a ser aplicado tal qual foi decidido e, ao mesmo tempo, para ver se o impacto do ponto de vista das vantagens para a economia e para as finanças do país é verificável ou não. Dificilmente teremos uma oportunidade parecida nos próximos anos. 

Também acha que Costa Silva foi premiado por ter desenhado o PRR?

Acho que sim, embora aí admita que haja incoerência. Se o Governo e o primeiro-ministro acreditam no plano então chamar ao Governo quem o delineou tem o seu traço de coerência, muito embora traduza enquanto titular do cargo a expressão do erro do plano em si. Depois retiraram os assuntos europeus dos Negócios Estrangeiros, o que é um erro. Não sei como é se aceita ser ministro dos Negócios Estrangeiros sem tratar dos assuntos europeus, não faz qualquer sentido. Também em relação à pasta da Defesa suponho que o único conhecimento que tem da área é um artigo que escreveu em relação à questão do género e as forças armadas. Não há conhecimento nem reconhecimento pelos tutelados das escolhas num momento em que é muito difícil. Também a ministra da Agricultura tem sido péssima e foi reconduzida.

Acredita que o próximo Orçamento de Estado vai ter de sofrer ajustes perante estas novas incertezas?

Parece-me evidente. Mas António Costa é suficientemente teimoso para persistir, nem que seja pelo que já disse, num Orçamento que está desatualizado em relação às novas circunstâncias. Mas vamos ter de esperar.