Orçamento de Medina esquece empresas e classe média

Classe média e empresas ficam de fora das prioridades do Governo. Economistas lamentam estratégia e apontam um rumo de austeridade. Fernando Medina afasta esse caminho e deixa ainda a garantia de que não vai ser preciso avançar com um Orçamento retificativo.

por José Miguel Pires e Sónia Peres Pinto

Sem surpresas, com poucas medidas para a maioria dos portugueses e quase nenhumas para as empresas. Quem vai sair penalizado? Para os economistas contactados pelo Nascer do SOL não há dúvidas: a classe média e o tecido empresarial.

Pedro Ferraz da Costa já estava à espera de um resultado destes. «Uma das características das Finanças portuguesas é terem uma má política orçamental, no sentido de que é mal preparada em termos técnicos. É uma máquina rígida, que tem grande dificuldade em avaliar o que vai fazer em termos de despesas. Aliás, tem-se concentrado em fazer cortes em relação àquilo que está aprovado e que parte de uma visão que é a do Ministério das Finanças, que é relativamente imutável, sejam quais forem os Governos. Ou seja, os outros ministérios não têm autonomia para fazer as suas política».

Quanto à falta de medidas destinadas à classe média, o economista também não se mostra surpreendido. «Não há dinheiro para compensar as pessoas de qualquer grupo social face a estes aumentos imediatos da energia. O que o Governo está a fazer é tentar anunciar umas medidas, em que vai dar uns cêntimos aqui e ali».

No entanto, lembra que essa falta de manobra foi o resultado da «má política que foi seguida nos últimos seis anos, em que ficámos sem margem de manobra, porque não quisemos pagar mais depressa a dívida, quisemos melhorar a situação de muitos grupos sócio-económicos, o que é, com certeza, um objetivo simpático e que qualquer político gosta de fazer. Mas os valores da prudência foram um bocado postos para o lado. Portanto, neste momento temos muito pouca margem de manobra. Na energia e na gasolina há bastante margem de manobra porque a carga fiscal é uma coisa brutal. Bastava o Governo baixar aí que podia fazer mais do que os outros países».

Mas alguém sai satisfeito? O economista não tem dúvidas: «Este Orçamento é feito, evidentemente, para agradar aos eleitores do Partido Socialista. Nem outra coisa era de esperar», refere ao nosso jornal. E garante que dos poucos que vão ser beneficiados vão ser os pensionistas. «O aumento retroativo das pensões da Segurança Social vai beneficiar 1,9 milhões de pensionistas. O maior grupo individual da sociedade portuguesa, ninguém tenha dúvidas disso».

Quanto à falta de medidas destinadas ao tecido empresarial diz apenas: «Isso [medidas para empresas] não lhes dá grandes votos nem resultados a curto prazo», lembrando que, ao contrário de Mário Soares que era mais liberal, António Costa «nunca gostou da iniciativa privada».

Um outro economista contactado pelo nosso jornal lamenta que Fernando Medina afaste a ideia de austeridade quando estamos perante uma inflação tão elevada. «Então aumentar 1% com inflação a 4% não é austeridade? O efeito é o mesmo e vai tirar poder de compra».

E apesar de prever um aumento extraordinário das pensões, o responsável lembra que para quem recebe valores baixos não vai fazer grande diferença perante o aumento do custo de vida. «Um pensionista com um aumento de 1% e com uma subida de inflação de 4% vai perder sensivelmente 3% de poder de compra. Um pensionista que receba 500 euros, os mesmos 10 euros, valem 2%. Quando é que é reposto os 4%?».

 

Afasta austeridade e retificativo

«É um Orçamento que responde às necessidades do país e segue o rumo das contas certas». Foi desta forma que o novo ministro das Finanças apresentou o documento. E foi perentório ao afastar a necessidade de um documento retificativo. «Seria insólito» se assim não fosse, disse.

Também a palavra ‘austeridade’ não entra no léxico de Fernando Medina, um dos argumentos que tem sido usado pelos partidos de esquerda e direita, desde o início da semana. De acordo com o governante «este não é nem pode ser um Orçamento dessa natureza [de austeridade]. Pelo contrário, procura responder à conjuntura», acrescentando que está assente numa política dirigida, mas de apoio aos rendimentos de grupos, em especial dos mais vulneráveis.

E dá como exemplo, o aumento extraordinário das pensões com efeitos retroativos, «em nenhum dicionário de política económica do mundo esta é uma política de austeridade». Assim, como o desdobramento dos escalões de IRS, que no seu entender, também «em nenhum sítio pode ser apelidado de política de austeridade». O cenário repete-se para o aumento do salário mínimo e para alargamento do universo de pessoas isentas de IRS (ver páginas 8/11).

Mas vamos a números. O Governo foi obrigado a rever o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 0,1 pontos percentuais para 4,9% face ao Programa de Estabilidade (PE). Este valor fica ainda mais aquém dos 5,5% que estavam previstos na proposta do OE 2022 chumbada em outubro, depois de os partidos de esquerda terem chumbado o documento, o que levou a eleições antecipadas.

Já a taxa da inflação deverá aumentar para 4% este ano, uma revisão em alta face aos 3,3% previstos no Programa de Estabilidade. «Estamos num cenário em que a inflação é significativamente superior àquilo que foi registado em décadas passadas e Portugal ainda tem uma dívida pública mais elevada do que aquilo que gostaríamos para fazer face a estes desafios», disse Fernando Medina.

O ministro argumentou que a «inflação é sobretudo de natureza conjuntural» e «marcadamente definida pelo aumento dos preços dos produtos energéticos e alimentares».

De acordo com o governante, o Conselho das Finanças Públicas já validou o cenário macroeconómico contemplado na nova proposta de Orçamento do Estado.

Perante os riscos do cenário do Ministério das Finanças, a incerteza do panorama macroeconómico e as projeções para a economia, o CFP considerou que o cenário macroeconómico subjacente à proposta «afigura-se como provável».

O Governo prevê reduzir o rácio da dívida pública para 120,7% este ano, segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2022. Já a taxa de desemprego deverá manter-nos 6%.

Antes da entrega do documento, António Costa tinha acenado que o documento iria manter as prioridades apresentadas no final de 2021. E explicou os motivos: «Mantemos os mesmos objetivos estratégicos e a mesma ambição para o país: acelerar o crescimento e reforçar a coesão social. É um orçamento dirigido à classe média, centrado nos jovens e amigo do investimento e que cumpre todos os compromissos que assumimos».