Preços mais elevados e falta de matéria-prima são reflexos, primeiro da pandemia e agora da guerra, que acabam por afetar vários setores. Problemas que não ficam alheios ao consumidor, que inevitavelmente paga a fatura final. A construção não passa ao lado destas dificuldades. «A guerra na Ucrânia veio agravar significativamente problemas que, também em consequência da pandemia, as empresas já enfrentavam, sobretudo ao nível da anómala subida dos preços das matérias-primas, da energia e dos materiais de construção e das disrupções das cadeias globais de produção e logística», começa por explicar ao Nascer do SOL Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN).
E continua a explicar que o setor enfrenta «uma subida dos custos de construção e um agravamento da incerteza sem precedentes, e foi perante a excecionalidade deste momento que atravessamos e do seu impacto no setor que apresentámos ao novo Governo um pacote de medidas extraordinárias».
Não há dúvidas, nas suas palavras, que as empresas são atualmente confrontadas com «oscilações de preços, escassez de produtos ou prazos de fornecimento anormalmente longos e o que está em causa, neste momento, é a continuidade da atividade, quer nos contratos em curso, quer nos que ainda irão ser celebrados».
Problemas partilhados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes (ANFAJE) que diz que «o impacto da guerra no setor das caixilharias vem na sequência de impactos que já se vinham a fazer sentir devido à pandemia». Problemas que o presidente da associação, João Ferreira Gomes, detalha ao Nascer do SOL: «aumento de preços das matérias-primas e de preços da logística de importação, conjugado com disrupções e quebras de abastecimento logístico de determinados materiais como o alumínio e aço».
Já José Luís Sequeira, presidente da direção da Associação Portuguesa Indústria Cerâmica (APICER), diz ao nosso jornal que o impacto da guerra nos setores da cerâmica e cristalaria «pode ser analisado em várias frentes de natureza transversal a todos os setores, mas em termos puramente económicos ligados à sua atividade, direi que o impacto é demolidor em termos dos custos energéticos». E explica: «Estaremos a falar de aumentos que resultam em acréscimo de custos para as empresas que podem situar-se em muitos milhões de euros anuais (só em aumentos do gás natural), sem considerarmos os aumentos de outros custos nomeadamente eletricidade, matérias-primas e transportes».
O responsável dá ainda outros exemplos para que seja possível ter uma ideia da dimensão do problema: «Estamos a falar de aumentos de preço do gás natural que podem passar por exemplo de quatro milhões por ano, para 16 milhões por ano, e que se tornam impossíveis de absorver pelas empresas». E garante que há situações e agravamentos «ainda mais penosos do que o citado», justificando que «as empresas podem manter-se em atividade por mais ou menos tempo, mas só conseguirão sobreviver enquanto a sua tesouraria suportar, porque se a solução passar pelo financiamento bancário, apenas estarão a endividar-se e a comprometer mais ainda o seu futuro».
No que diz respeito às medidas destinadas a apoiar as industriais intensivas em gás, José Luís Sequeira diz que são bem vindas mas «manifestamente insuficientes para garantir a sobrevivência das empresas, até porque praticamente se esgotam no apoio da fatura de gás de um mês de laboração, e nalguns casos nem a um mês».
Reflexo no preço final
Os dois responsáveis não têm dúvidas que o aumento dos preços das matérias-primas vai, inevitavelmente, refletir-se no consumidor final. «A subida dos preços das matérias-primas é uma realidade que se reflete, inevitavelmente, nos custos de construção e os preços finais não ficarão imunes a esta elevada pressão inflacionista que toda a economia está a sofrer», defende Manuel Reis Campos. Também João Ferreira Gomes diz que «os aumentos permanentes das principais matérias-primas para a produção de caixilharias (alumínio, PVC, aço, vidro e ferragens), acrescendo ainda o aumento dos preços dos combustíveis, têm tido um impacto fortíssimo». A partir daqui, o responsável deixa um alerta e garante que este impacto «pode ter como consequência aumentos de preços de 100% em determinados produtos de alumínio e aço e acima de 45% no caso de soluções de caixilharias de PVC».
Já o presidente da APICER refere que os aumentos que se registam noutras componentes e que podemos situar na casa dos 15%, «são apenas mais um fator de agravamento da crise». E acrescenta: «Estes aumentos não podem refletir-se de forma adequada nos preços de venda, sob pena de serem criadas situações de rotura incomportáveis para o mercado interno e externo», problema ao qual acrescem os compromissos das empresas com os clientes, «baseados em contratos firmados em termos e condições anteriores a estes aumentos extraordinários, e que agora se tornam impraticáveis».
Maiores aumentos
Questionado sobre quais os maiores aumentos que têm sentido e qual a diferença em relação ao que era cobrado anteriormente, o presidente da CPCI e da AICCOPN, lembra que ao nível da evolução do índice de custos de construção de habitação nova, o INE destaca o crescimento acentuado dos aços, dos produtos cerâmicos, do gasóleo, dos vidros, dos aglomerados e ladrilhos de cortiça e das madeiras e derivados de madeira. «Efetivamente, estamos perante subidas anómalas, com os preços dos combustíveis a manterem-se em máximos históricos e materiais essenciais para o setor, como o aço em varão para betão e o alumínio, registam crescimentos, no final de março, na bolsa de metais de Londres, de 47% e 58%, respetivamente».
Do lado das janelas, João Ferreira Gomes diz que os aumentos variam consoante o tipo de produtos. «No entanto, o impacto no preço final dos produtos está acima dos 50%, desde janeiro de 2022», acrescenta.
Nas cerâmicas, José Luís Sequeira diz que «os aumentos que se têm verificado no gás natural, e que variam de acordo com as condições e prazos negociados na altura própria entre cada uma das empresas e os respetivos fornecedores, podem ser de 3, 4 ou até 10 vezes mais».
E o que é que isto significa? «Na prática, isto significa passar de uma fatura energética (gás natural, eletricidade e gasóleo) inferior a 1 milhão de euros no primeiro trimestral de 2021, para uma fatura superior a 5 milhões de euros no período homólogo de 2022! Um aumento de 4 milhões de euros dos preços da energia, distribuídos por cerca de 3,4 milhões de aumentos de gás natural, 600 mil euros de aumentos de eletricidade e 20 mil de aumento do gasóleo», enumera. Por isto, deixa a questão: «É possível fazer face a estes aumentos mensais com o apoio de 400 mil euros/ano?».
Como atenuar as subidas?
Sobre o que pode ser feito para atenuar estas subidas de preços, Manuel Reis Campos não tem dúvidas que é preciso «assegurar o regular funcionamento do mercado e salvaguardar os contratos em curso e a celebrar no âmbito do ambicioso plano de investimentos que é imprescindível executar ao longo dos próximos anos».
Mas, entre outras coisas, no imediato, «é imperioso adotar as soluções de caráter excecional e transitório que integram o pacote de medidas que apresentámos ao novo Governo e cuja implementação esperamos discutir muito em breve».
Já o presidente da ANFAJE defende que «não é possível levar a cabo grandes ações, em Portugal, já que as matérias-primas-base dos produtos são fabricadas globalmente». Assim, «apenas se pode atuar ao nível da procura, mantendo e reforçando os programas existentes de apoio à substituição de janelas antigas por novas janelas eficientes da responsabilidade do Fundo Ambiental».
O responsável da APICER avança que a única forma de ultrapassar esta emergência é com auxílios do Estado, «ainda que possam e devam ser tomadas outras medidas extraordinárias que tenham efeitos imediatos, nomeadamente pelo retorno a soluções de layoff simplificado, de reduções da carga fiscal ou de limitação de preços dos combustíveis, soluções que podem ser complementares no seu conjunto, e articuladas entre si».