Marcelo recua nas condecorações

Perante as reações e fortes críticas, Belém adianta ao Nascer do SOL que as condecorações mais polémicas – de personalidades como Costa Gomes, Vasco Gonçalves, Rosa Coutinho ou António de Spínola – ainda estão ‘em avaliação’. E, caso venham a confirmar-se, será só ‘lá para 2024’.

por Vítor Rainho e José Miguel Pires

Afinal, Marcelo Rebelo de Sousa pode não condecorar Vasco Gonçalves, Rosa Coutinho, Costa Gomes ou António de Spínola, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Perante o rol e a contundência das críticas que o anúncio – através do jornal Expresso – da condecoração pelo Presidente Marcelo de todos os militares que estiveram de alguma forma envolvidos na preparação e execução do golpe militar que ditou o fim do Estado Novo, fonte de Belém avançou ao Nascer do SOL que «não é certo que venham todos a ser condecorados» (referindo-se nomeadamente aos casos mais polémicos) e, a serem-no, só «serão os últimos, lá para 2024».

A ideia deste ‘adiamento’ e desta ‘avaliação ainda por fazer’ é apaziguar os ânimos que se exaltaram tanto à esquerda como à direita perante a hipótese de distinção de personalidades que estão muito longe de reunir consenso na sociedade portuguesa, embora de Belém se diga que o Presidente nunca chegou a falar em nomes em concreto.

Críticas para todos os gostos

Tal como o Nascer do SOL adiantou na sua edição da semana passada, figuras como o histórico socialista e fundador do PS António Campos ou como o fundador do PSD Henrique Chaves não hesitam em criticar fortemente Marcelo Rebelo de Sousa por admitir agraciar «quem quis tirar-nos a liberdade», chegando mesmo ao ponto de considerarem que, por isso, «deixou de ser patriota». Tanto Campos como Chaves reagiram contra a distinção de Rosa Coutinho, Vasco Gonçalves ou Costa Gomes.

Tal como, aliás, Alberto Gonçalves, para quem tanto Rosa Coutinho como Vasco Gonçalves «esforçaram-se» foi por atentar «contra a democracia». Na mesma edição, a antiga ativista do PCP Zita Seabra considerou que Marcelo, em vez de contribuir para fechar as feridas de que ainda padece a sociedade portuguesa, com este tipo de atitudes, como condecorar Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, só «está a abri-las ainda mais». De um lado e de outro. No polo exatamente oposto, a socióloga Raquel Varela considera que Marcelo não pode agraciar Spínola, argumento que, a fazê-lo, está «a normalizar a extrema-direita». E Varela chega mesmo a classificar o marechal como um «terrorista de extrema-direita».

A mesma fonte de Belém ouvida pelo Nascer do SOLrecordou que Marcelo Rebelo de Sousa está longe de ser o Presidente mais ‘medalheiro’ da democracia portuguesa.

«Tirando Cavaco Silva, tanto Mário Soares como Jorge Sampaio deram muito mais distinções a militares de Abril» do que o atual Presidente, adiantou. Uma informação que, aliás, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de relembrar, em 2021, quando disse (atirando uma farpa a Cavaco Silva): «A condecoração, até aos 50 anos do 25 de Abril, de todos os militares que o fizeram é uma justiça ainda não cabalmente prestada, iniciada pelo Presidente Ramalho Eanes, continuada pelo Presidente Mário Soares e a seguir, pelo Presidente Jorge Sampaio, mas conheceu uma descontinuidade e o seu reatamento, em 2021», aludindo aos dois mandatos (entre 2006 e 2016) que sucederam a Jorge Sampaio, liderados pelo próprio Cavaco SIlva.

Mário Soares, o mais ‘medalheiro’

Pois a realidade é que Mário Soares foi, aliás, recordista na atribuição de distinções: no total, foram cerca de 2.500, ao passo que Cavaco Silva não foi muito além das 1.275. Ramalho Eanes, por sua vez, atribuiu duas mil, destacando-se ainda como o principal ‘condecorador’ dos militares de Abril: foram cerca de 60 figuras relacionadas à Revolução dos Cravos, entre elas Salgueiro Maia, Pezarat Correia, Melo Antunes, Martins Guerreiro, Vítor Alves, Marques Júnior. Ramalho Eanes é, aliás, o ‘pai’ da Ordem da Liberdade.

António de Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional, que é uma das figuras mais polémicas no rol de possíveis futuras condecorações de Marcelo, foi já, aliás, condecorado, mas por Mário Soares. Corria o ano de 1987 quando Soares deu a Spínola a Grã-Cruz da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (a segunda maior insígnia da principal ordem militar portuguesa), pelos «feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura». Soares, no entanto, preferiu entregar as suas condecorações a entidades coletivas, como o Antigo Regimento das Caldas da Rainha e a Associação 25 de Abril.

Jorge Sampaio é visto por alguns como o Presidente ‘mãos-largas’ no que toca às condecorações, agraciando 17 militares de Abril com este tipo de homenagens. O número caiu a pique, no entanto, durante os anos da presidência de Cavaco Silva. Apenas um alferes, companheiro do capitão Salgueiro Maia, foi condecorado nesse período.
 
A lista de Vasco Lourenço e mais polémicas na AR 

Desde os tempos da presidência de Ramalho Eanes que Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, tenta, sem sucesso, fazer passar uma lista com cerca de duas centenas de figuras envolvidas no 25 de Abirl ao Presidente da República, com o objetivo de as ver condecoradas. Até agora, no entanto, sem sucesso. Com as condecorações de Marcelo Rebelo de Sousa, no entanto, e caso estas venham mesmo a cumprir-se, o antigo capitão de Abril, ele próprio condecorado em 1983 com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e em 1986 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, verá, finalmente, condecoradas as figuras que incluiu na dita lista há várias décadas.

Àparte as condecorações, as  celebrações do 48.º aniversário do 25 de Abril de 1974, na segunda-feira passada, ficaram marcadas por vários episódios: desde a despedida a Marcelo Rebelo de Sousa, já no exterior do Parlamento, com apupos (o Presidente da República, o presidente do Parlamento e o primeiro-ministro foram vaiados por um grupo de algumas dezenas de populares quando abandonavam a Assembleia da República), até à retirada do Grupo Parlamentar do Chega no momento em que se entoou o tema Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, no hemiciclo.

No fim da sessão solene no Parlamento, deputados, ministros e capitães de Abril presentes entoaram, a cappella, um dos temas musicais mais associados à Revolução dos Cravos – nesse momento, os deputados do Chega abandonaram o hemiciclo, causando polémica.