* Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Primeiro a pandemia, agora uma guerra. Qual o impacto no setor do turismo?
Um impacto muito forte. Estão em jogo as duas variáveis para quem viaja: saúde e segurança. A primeira atormentou o mundo, nos últimos dois anos e foi responsável por confinamentos totais, traduzindo em perdas diretas e indiretas muito fortes. Passámos de 14 mil milhões de euros de receitas para menos de metade em 2020 e em 2021.
E, agora, quando tudo apontava para uma recuperação, temos a segunda variável em jogo que é a segurança. A 24 de fevereiro, quando a Ucrânia é invadida pela Rússia, tivemos cancelamentos compulsivos, sobretudo dos mercados de longa distância. Estes dois fatores conjugados são premissas essenciais para quem viaja, é quase a tempestade perfeita para limitar a atividade turística.
E quando o turismo desaparece, a economia portuguesa treme…
Se pensarmos no que representa, vai muito além dos 14% do Produto Interno Bruto. Estará entre 16 e 17% se contabilizarmos as receitas indiretas e as induzidas pela atividade do turismo.
Agora há um maior receio de viajar, um aumento de inflação, menor poder de compra…
Neste momento são tudo variáveis dissuasoras ao que, normalmente, está associado à indústria do turismo. A par da segurança e da saúde há que juntar outras, como os combustíveis ou até os bens essenciais primários. E há que contar com a inflação. Por exemplo, para uma unidade hoteleira no centro do país, os custos de energia nos últimos três meses subiram 170%. Isto vai seguramente ameaçar o que para nós já era expectável, em relação à recuperação do setor na Páscoa de 2022 e que felizmente se está a confirmar do ponto de vista dos fluxos mas essas ameaças são, obviamente, custos de contexto que aumentaram exponencialmente.
Os empresários já estavam asfixiados com a pandemia, mas estes receios poderão penalizar ainda mais…
Neste momento há três grandes desafios pela frente. O primeiro e o mais essencial é o retomar do crescimento. Mas, para isso, precisamos de três condições: restaurar a confiança dos consumidores – que esteve ameaçada com a pandemia, em que todos os dias éramos confrontados com restrições –, recuperar as nossas empresas e os nossos mercados, sobretudo os externos. Portugal tem uma enorme dependência do turismo externo. Os 27 milhões de turistas internacionais que entraram em 2019 são responsáveis por uma atratividade e competitividade que tardamos em restaurar. Daí ter sido tão importante nestes primeiros 18 meses o mercado interno.
O segundo grande desafio é recuperar as nossas empresas e colocá-las a crescer. Mesmo com o layoff, com as moratórias e outras medidas que foram encontradas nos últimos dois anos, houve empresas que estavam barradas a acudir a estes instrumentos por estarem em processos de recuperação financeira ou porque estavam a regularizar pagamentos à Segurança Social, o que tornou impeditivo de terem acesso aos instrumentos financeiros que o Governo criou. E mesmo aqueles que tinham acesso percebemos que o volume de negócios que geravam não era suficiente para colmatar os custos.
O grande desafio é consolidar a recuperação de muitas empresas no setor e, consolidada essa recuperação, podemos passar para a fase do crescimento. Terceiro – e, não menos importante, somadas estas duas – é que alguns destinos de Portugal, não é o caso do centro, estão esmagadoramente dependentes dos fluxos turísticos internacionais. O caso do Algarve, Lisboa, Madeira. O Centro de Portugal, Alentejo, Porto e Norte estão menos dependentes dos fluxos internacionais na ordem dos 30 a 40% da dependência dos fluxos turísticos internacionais, mas o Algarve depende 70%. Precisamos de conjugar estas três variáveis para podermos falar numa nova estabilidade.
O fim do uso de máscara, o fim da obrigatoriedade de certificados de vacinação ou testes covid à entrada de um hotel ou restaurante deu um balão de oxigénio?
O alívio das restrições é, por si só, um motivo de geração de confiança. Segundo aspeto, não menos importante, é a perceção de segurança que o país tem internacionalmente. Estamos nos cinco países mais seguros do mundo, o que é importante para cumprirmos o objetivo do restauro da confiança dos consumidores e muito em particular dos viajantes internacionais.
Disse há pouco que o Centro não depende tanto do mercado internacional. Ainda assim, foi tão afetado pela pandemia como outros?
Não tendo o resultado que gostávamos, foi francamente positivo comparativamente com os outros destinos. Fevereiro de 2022, dados oficiais do INE, o Centro de Portugal registou mais oito mil dormidas face ao período homólogo. Isso significa que já passámos o Cabo da Boa Esperança e estamos a caminho dessa franca recuperação e que vem, seguramente, confirmar-se nos resultados quer de março, mas muito em particular da Páscoa de 2022.
Foi um bom período?
A Páscoa já foi igual ou até mesmo superior a 2019. E também foi importante o facto de os portugueses redescobrirem o seu próprio país. A constatação que temos de empresas dos chamados territórios da baixa densidade do interior do país, muito alavancados em espaço rural, a turismo de aldeia e a turismo histórico, registaram valores muito superiores aos melhores anos de referência económicos que tínhamos até 2019. A Páscoa tem indicadores fortíssimos de taxas de 100% de ocupação em muitas unidades. Recebemos albaneses, eslovenos, canadianos, que eram mercados pouco expectáveis nesta altura do ano, a par dos clássicos, como Espanha, Brasil, França e EUA.
Foi uma espécie de fuga?
Foi o redescobrir o seu país, porque os portugueses não viajaram para fora porque tinham restrições. Também percebemos que há uma tendência cada vez maior para produtos turísticos associados ao ar livre. Pedestrianismo, ciclismo, cicloturismo, walking, cycling: novos produtos turísticos que pandemia, não sendo nunca uma boa notícia, nos ajudou a colocar na agenda.
Também assistimos a uma aposta para viagens mais curtas, viagens em família. Deixámos de ver autocarros, vemos grupos mais pequenos, porque lhes dá uma expectativa de confiança comparativamente ao que eram os turismos massificados. Alojamento horizontal contra o alojamento vertical. Por isso, cidades muito fortes em city break, como Lisboa e Porto, sofreram mais. Estas tendências que a covid trouxe mantêm-se em 2022 e estão a fazer ‘escola’ em 2022. Temos um outro grande desafio pela frente que é a apresentação destes novos produtos, que permitem criar novos modelos de negócio.
O próprio setor também reagiu, por exemplo com a criação de passadiços, baloiços…
Havia já boas experiências que estavam a fazer o seu caminho. Os passadiços de Vila Nova do Paiva ou agora a ponte em Arouca. Ou quando pensamos num conjunto de outras infraestruturas que aparecem um pouco espalhadas por todos os territórios: Figueiró dos Vinhos, Lousã, Serra da Estrela, Guarda.
Percebe-se que há cada vez mais uma apetência para o contacto com a natureza. E as empresas de animação turística os municípios começam por ajustar a sua própria oferta turística em consequência de uma motivação que é cada vez mais visível, que é a ideia do contacto com a natureza. E essa ideia faz que continuem a fixar-se alguns novos empresários, em territórios menos prováveis. Há dois ou três anos tínhamos – e ainda temos – três problemas turísticos para resolver.
Litoralização do turismo, uma corda longitudinal muito alavancada na oferta que está instalada junto a todo o corredor de norte a sul do país; a estadia média, que é relativamente baixa. Precisamos de aumentar mas há bons episódios que demonstram já o contrário. No termalismo temos estadias médias de oito noites, no birdwatching temos estadias médias de cinco noites.
Portugal precisa, de facto, de diversificar a sua carta de produto turístico que permita alavancar as estadias mais duradouras e, depois, além destas duas, a sazonalidade. No entanto, o problema da sazonalidade é endémico. Portugal posicionou-se durante décadas como um destino de sol, praia e golfe. E, sem entrarmos em nenhum juízo de valor, isso criou-nos, primeiro, um foco no mono produto, e não deu tanta visibilidade ao património cultural, ao turismo de natureza, ao termalismo saúde e bem estar, à nossa gastronomia, aos nossos vinhos, e hoje precisamos de responder a estas novas exigências. E dentro da sazonalidade criou-nos um segundo problema que é o facto de ser um produto alavancado no sol e praia…
Só concentrado no verão…
Quando as empresas precisam de trabalhar nos 12 meses por ano.
Mas com a retoma do turismo não há o risco de os turistas voltarem a apostar nesse produto tradicional do sol e praia?
Há hoje um ajustamento grande em relação àquilo que são as tendências internacionais. No último estudo da Booking, 52% dos viajantes globais garantiram que estariam disponíveis para alterar o seu destino de férias se a proposta alternativa contribuísse para a diminuição da pegada ecológica e para a descarbonização. Significa que temos novos amantes de novas viagens.
A solução sol e praia está esgotada?
Não está esgotada. Haverá sempre sol e praia, seguramente com estadias mais curtas. Ninguém já faz um mês de praia ou duas semanas consecutivas. A ideia do turista mono produto é uma ideia que se esbateu. O próprio Algarve está a reinventar-se através da oferta de experiências associadas à natureza, muito alavancada na gastronomia, algo que nos prende durante o ano inteiro. Se falamos no Centro de Portugal temos uma oferta de praia atlântica, também reinventada. A nossa onda da Nazaré, os nossos Supertubos de Peniche e a nossa onda mais longa da Europa de Buarcos são produtos que complementam a oferta do sol e praia.
E neste caso Portugal distingue-se.
Desde 2019 que Portugal estruturou o seu reposicionamento internacional no enoturismo. E temos a ambição de ser o primeiro destino mundial de enoturismo. Em 2021 já está na segunda posição depois de Itália. Um trabalho que foi construído pelo Turismo de Portugal, naturalmente numa relação de parceria e de muita cooperação com as nossas regiões, Norte, Centro, Alentejo e Algarve, e também os vinhos do Pico e os da Madeira.
No Centro de Portugal somos particularmente próximos destes novos produtos e estamos a apostar em novos produtos turísticos. Lançamos há duas semanas o turismo industrial do Centro de Portugal. E vai da indústria pesada ao vidro, cerâmica, ferrovia, à extração mineira. As minas da Panasqueira estão hoje na agenda. Era de lá que se fazia a extração do volfrâmio que esteve na I e na II Grande Guerra Mundial. Além do turismo religioso.
Temos agora o 13 de Maio…
O 13 de maio e as Jornadas Mundiais da Juventude em 2023. Vai ser um grande momento de afirmação de Portugal a nível mundial. Deveremos receber mais de um milhão de pessoas. Junta-se o enoturismo, a arte urbana, o turismo desportivo e depois algo em que somos muito bons que é a hospitalidade. Se associarmos a infraestrutura ao clima, à gastronomia e à hospitalidade temos condições extraordinárias para podermos continuar a crescer.
Outro problema diz respeito à falta de mão-de-obra, não é?
Francisco Calheiros disse, em 2018, que o turismo já não teria mão-de-obra. O que significa que, em 2022, vai agudizar muito. Portugal não tem condições, sozinho, para resolver o problema a não ser através do recrutamento de bolsas de mão-de-obra, desejavelmente, a partir de países que falem a língua portuguesa.
E a vinda de refugiados? Poderá colmatar necessidades?
É preciso ter uma leitura humanista do que estamos a falar. Quando recebemos refugiados estamos a falar de cidadãos que, infelizmente, se viram obrigados a abandonar o seu país para procurarem segurança, paz e condições de vida. Temos já um conjunto significativo de postos de trabalho, nomeadamente que o turismo abriu, para refugiados ucranianos, mas nós, há meses, para não dizer anos, estamos a recrutar nepaleses, indianos, paquistaneses, brasileiros, moçambicanos, angolanos. O país já estava a fazer este recrutamento para suprir o gap que existe entre a procura e a oferta.
Mas depois tem de haver uma agilização em relação aos vistos e a outros processos burocráticos…
Esse é um dos problemas sérios que temos para resolver. O segundo problema, não vale a pena contornarmos, é que a ideia do salário pago pelo serviço prestado é matéria que não pode deixar de estar em cima da mesa. Não são apenas as qualificações que são exigidas, trata-se de termos pessoas disponíveis para exercerem funções na atividade do turismo. A perceção que se tem é que o turismo paga salários baixos. Se queremos recrutar e se queremos dar a Portugal a imagem de Portugal para o exterior de que é um país que está apto a receber turistas então tem de repensar a estratégia.
Há muitos empresários que dizem que face à pouca oferta têm de aumentar os salários…
A perceção internacional sobre Portugal é que somos um país barato. Há a perceção de que se come bem, que temos um bom clima, somos muito hospitaleiros e que se paga barato. Temos de pensar se Portugal não deveria ter outra estratégia de afirmação, sobretudo de criação de riqueza e de modelo de desenvolvimento económico. O problema é que não somos a Alemanha. Quando produzimos serviços associados ao turismo e não produzimos motor, não estamos a incorporar valor elevado naquilo que estamos a introduzir. Precisamos de elevar esta contabilidade sobre o serviço prestado e o preço a pagar.
É uma espécie de custo de identidade nacional?
Do ponto de vista da identidade nacional, Portugal é visto como um país muito hospitaleiro. Taleb Rifai, que foi diretor da Organização Mundial de Turismo até há dois anos, dizia: ‘Vocês, Portugal são extraordinários. O produto, o clima, mas têm uma coisa muito, muito boa que são os portugueses’. Este ADN da hospitalidade portuguesa tem de ter um valor.
2022 será o ano de retoma?
Acredito que sim. Os resultados desde arranque são positivos, mas não estamos livres de novas pandemias. Mas o conhecimento que temos hoje e as condições de saúde que temos hoje são muito diferentes das que tínhamos em 2020 quando, a 3 de março, ocorre a primeira morte em Portugal. Hoje estamos com a terceira dose de vacinação. Há um novo normal. Estou convencido que, em 2022, vamos beneficiar muito da nossa localização geográfica e do facto de termos uma Europa que está em convulsão e de podermos ser o porto de abrigo de muitos turistas internacionais.
Poderá superar os valores de 2019?
Acredito que sim. Já superámos em fevereiro. Se fizermos uma comparação direta do fevereiro de 2019 com o fevereiro de 2022, já superámos.
Em relação ao novo aeroporto de Lisboa. Como vê este impasse já que beneficia também a região Centro?
Mobilidade e acessibilidade são condições essenciais para a atividade turística. O aeroporto e a ponte aérea para Portugal representa mais de 90% da entrada de turistas internacionais. Estamos perante um problema sério que o país precisa de resolver. Independentemente se é o alargamento da Portela, que neste momento pode estar a ser estudado, se é a construção de um novo aeroporto internacional, a verdade é que Portugal é um país periférico.
É um problema sério, que pode ser mitigado com o alargamento da Portela e pode, em casos muito específicos – e sou parte interessada nesta discussão – abrir a possibilidade de aeroportos com características diferentes. Não estamos a falar de um aeroporto que seja alternativa ao aeroporto internacional de Lisboa, mas uma solução de curto prazo, como Monte Real.
Mas foi uma opção que foi excluída, como foi Alverca…
Não sabemos. Sabemos da intenção. O atual primeiro-ministro, em 2017, na campanha das legislativas disse a um jornal que iria estudar a hipótese Monte Real. Existe uma capacidade férrea de Leiria e existe vontade da comunidade intermunicipal para que se estudo a sério essa possibilidade. Havia empresários interessados, assim como companhias aéreas. E aeroporto não representa apenas uma vantagem competitiva do ponto de vista da ligação aérea para outros destinos, também é um fortíssimo instrumento de desenvolvimento local e regional.
De acordo com um estudo do INAC, em 2018, Monte Real para ser viável precisava de 30 milhões de euros de investimento comparado com os quatro ou cinco mil milhões de euros de projetos alternativos. Precisaria de um milhão de passageiros, mas Fátima tem, por ano, cerca de seis milhões de visitantes. Beja já não é a mesma coisa. Tem meio milhão de pessoas a viver no Alentejo, enquanto o Centro tem praticamente 2,5 milhões e 66% da população portuguesa está entre a Península de Setúbal e Braga, o que significa que parte substantiva do ADN das nossas empresas estão naquele território.
Em relação ao novo Governo. A secretária de Estado do Turismo acumula agora outras pastas. Concorda com essa decisão?
Sou insuspeito porque disse em tempo útil que defendia a criação de um ministério do Turismo, à semelhança do que acontece com os nossos países concorrentes, nomeadamente Espanha. Sem pôr em causa nem o mérito, nem o trabalho, nem o empenho de Rita Marques, ter o turismo e comércio juntos não é boa notícia. O turismo só por si mereceria ter esse ministério, mas não foi esse o entendimento.
Mas tem havido resistência por parte dos vários Governos…
O único Governo que o fez foi o XVI Governo, com a criação do ministério do Turismo, na altura, com Telmo Correia, que não chegou sequer a poder mostrar serviço porque esteve seis meses com essa função. Rita Marques é uma pessoa competente, mas também é muito importante o reconhecimento, a notoriedade e a visibilidade que se dá ao setor. O turismo é decisivo não só para a sua balança económica, mas em muitos casos até, para cumprir outros objetivos.
Quanto ao PRR há várias vozes do setor que dizem que a palavra turismo nem sequer aparece…
Acho que António Costa não quis deixar passar em claro esse lapso do agora ministro da Economia e do Mar, Costa Silva, e foi à força da reivindicação do setor que foi introduzido um pacote de 6 mil milhões à época, que incluísse o turismo e a cultura, porque não estavam no desenho inicial do PRR. O que falta agora? Falta ainda uma componente para que o setor empresarial seja mais abrangido naquilo que são os vários instrumentos financeiros.