Pouco a pouco, vai-se sabendo mais do horror em Mariupol, após semanas de cerco, com as comunicações cortadas. Sobreviventes têm sido resgatados de Azovstal, trazendo consigo relatos de fome, sede e massacres, na escuridão sufocante dos bunkers debaixo desta enorme metalurgia, que se tornou o último reduto das forças ucranianas na cidade. Mas centenas ainda ficaram presos em Azovstal, cuja evacuação teve de ser de novo adiada na segunda-feira, tendo os russos recomeçado os bombardeamentos. O Kremlin mostra-se ansioso por uma vitória, estando a pagar caro por cada palmo de terra conquistado no Donbass. Tendo chegado ao ponto de enviar para a linha da frente a mais elevada patente militar russa, o general Valery Gerasimov, que escapou por pouco a uma tentativa de assassinato pelas forças ucranianas, avançou o New York Times.
Se a presença do chefe do Estado-Maior das forças armadas russas na Ucrânia indica algum desespero da parte do Kremlin, isso é um parco conforto para as tropas que tentam defender Azovstal, ou para os civis lá presos. “Não vimos o sol durante tanto tempo”, relatou Natalia Usmanova, de 37 anos, uma das sobreviventes que chegou à aldeia de Bezimenne, sob controlo de separatistas russos. “Quando o bunker começou a tremer, fiquei histérica”, disse à Reuters. “Tinha tanto receio que o bunker se desmoronasse”.
Apesar do alívio de Usmanova por finalmente estar longe do constante estrondo dos mísseis, artilharia e bombas russas, trata-se de mais uma ucraniana que não teve outra opção que não ir para uma área tomada pelo Kremlin. Mais de meio milhão de cidadãos ucranianos foram “levados ilegalmente” para território sob controlo do regime de Vladimir Putin, que justifica a sua invasão como uma forma de proteger russófonos, acusou Volodymyr Zelensky, em entrevista à televisão grega ERT, esta segunda-feira.
Já os que ainda não conseguiram fugir de Mariupol têm um caminho difícil pela frente, cruzando postos de controlo russos até Zaporizhzhia tendo os invasores sido acusados de disparar contra os veículos de civis que tentavam fugir. “De Zaporizhzhia em diante temos o controlo”, explicou Zelensky. “A partir daí somos responsáveis e podemos levá-los para um lugar seguro e dar-lhes alojamento temporário até que tenham a oportunidade de voltar.
Outros ucranianos deslocados já têm regressado a casa, mas sabendo que a sua terra ainda está sob ocupação do Kremlin, que tem forçado cidades como Kherson, Melitopol e Volnovakha a adotar o rublo, a moeda russa, lê-se no mais recente relatório do Instituto para o Estudo da Guerra. E indicando que o regime de Putin não tem quaisquer intenções de abdicar em breve do terreno que conquistou.
Muitos dos que regressam a casa, em caravanas assinaladas com panos brancos, voltaram por lhes faltar sustento, ou para tomar conta de familiares. Como é o caso de Liudmila, que vivia em Novodanylivka, uma pequena cidade junto de Melitopol, cuja mãe está doente, contou a um repórter do El País com quem se cruzou na estrada.
“Na área há falta de medicamentos ou eles são muito caros”, explicou, desanimada, bem consciente que está a voltar para uma região onde os russos são acusados de raptar e torturar dirigentes locais ucranianos, ao mesmo tempo que bloqueiam todos os media que não sejam pró-russos. “Além disso, há dez dias a minha mãe teve um ataque cardíaco e não há mais ninguém para tomar conta dela. Ela faz 81 anos esta semana”, explicou Liudmila.
Já em Kherson, onde o Kremlin ten sugerido um referendo para a criação da República Popular de Kherson, à semelhança do ocorrido em Donetsk e Lugansk em 2014, prateleiras dos supermercados estão vazias, tendo boa parte das lojas, restaurantes e negócios fechado, com a economia quebrada, estimando-se que quase metade da população tenha fugido. E muitos residentes prometem resistir à introdução do rublo, avançou a BBC. “De momento, ainda há cambistas a operar na cidade. Se for paga em rublos, vou simplesmente trocá-los por hryvnia”, explicou Olga, uma residente de Kherson. “Creio que outros também. É um pequeno ato de protesto”.
Um general na mira O certo é que ambos os lados se preparam para uma longa guerra. É dado como certo que a Ucrânia, num futuro próximo, não tem poder militar para expulsar os russos das posições que conquistaram. Já a Rússia, que agora foca as suas forças no Donbass, tem tido dificuldade em fazer avanços significativos, apesar de todos os dias lançar ataques a partir do seu centro de operações em Izyum, anunciou o Estado-Maior das forças armadas ucranianas, esta segunda-feira. Um desespero que é deixado bem claro pelos riscos que o general Gerasimovl terá corrido, para ver com os seus olhos o campo de batalha.
As forças de Kiev, após descobrirem que o chefe do Estado-Maior russo estava a visitar um posto de comando em Izyum, tentaram abatê-lo, recorrendo a uma pesada barragem de mísseis. Gerasimov escapou, tendo saído das instalações pouco antes, avançou o New York Times este domingo, citando fontes militares ucranianas. Tudo indica que Gerasimov estaria a conduzir uma vistoria para perceber porque é que a ofensiva a partir de Izyum não estava a ter sucesso, avaliou o Instituto para o Estudo da Guerra, e talvez ponderasse transferir os seus esforços para leste, nos arredores de Lyman, onde as forças russas estão a conseguir alguns avanços.