Kiev faz “desrussificação” enquanto se aproxima da União Europeia

A Ucrânia quer limitar a cultura russófona, proibindo livros ou que música russa dê na rádio. E aguarda uma escalada do conflito, na “semana histórica” em que se pode tornar país candidato à UE. 

Apesar do Kremlin sonhar manter a Ucrânia dentro da sua esfera de influência, não surpreende que a brutalidade da sua invasão tenha tido o efeito contrário. O fosso entre estes dois países aprofundou-se e agora o Governo ucraniano – encabeçado por um Presidente que cresceu numa família russófona – até iniciou uma política a que chama de “desrussificação”, limitando a expressão da cultura russa, ao mesmo tempo que se aproxima da União Europeia.

As novas medidas, aprovadas pela Rada, o Parlamento ucraniano, proíbem a impressão de livros de escritores russos que tenham mantido a sua cidadania após a queda da União Soviética, em 1991. A importação de livros da Rússia, Bielorrússia ou dos territórios ocupados da Ucrânia também foi bloqueada, passando ainda a ser necessário uma  autorização especial para importar livros em russo vindos de outros países.

Já os media – que foram colocados sob estrito controlo do Governo ucraniano desde o início da invasão – e operadores de transportes públicos foram proibidos de passar música em russo. As medidas ainda têm de ser ratificadas por Volodymyr Zelensky, mas não há qualquer indicação de que este se vá opor. 

O ministro da Cultura ucraniano, Oleksandr Tkachenko, viu as novas medidas de “desrussificação” como bem-vindas. “As leis foram desenhadas para ajudar autores ucranianos a partilhar conteúdo de qualidade com uma audiência o mais ampla possível, que desde a invasão russa não aceita qualquer produto criativo russo”, justificou
Na prática, é mais uma tentava de desligar culturalmente a Ucrânia – onde se estima que quase metade da população utilize recorrentemente o russo – da sua antiga e profunda relação com a Rússia, a sua antiga potência imperial. Muitas vezes envolvendo laços familiares, através da fronteira, sobretudo no leste e sul do país, assim como nas áreas urbanas, tendencialmente mais russófonas. 

Dependendo da posição de cada governo ucraniano desde a independência, os esforços de “desrussificação” podiam ser mais notórios ou não. Mas desde que a Crimeia foi anexada e parte do Donbass ficou sob controlo de separatistas – invocando como motivo a alegada perseguição de Kiev aos russófonos – em 2014 que a fratura se tornou muito mais profunda. Nesse ano, após a revolução de Euromaidan, a lei que reconhecia o russo como língua oficial de algumas regiões seria revogada, preocupando a Human Rights Watch, que considerou que tal violava os direitos linguísticos de minorias.

Ao mesmo tempo que corta laços com a Rússia, a Ucrânia aproxima-se dos seus aliados ocidentais, particularmente da União Europeia. “Uma semana histórica começou”, salientou Volodymyr Zelensky no domingo à noite, lembrando que dentro de dias os Estados-membros da UE se deverão pronunciar sobre se a Ucrânia deve receber o estatuto de país candidato.

“Obviamente, esta semana devemos esperar da Rússia uma intensificação das atividades hostis”, alertou. “Estamos preparados. Estamos prontos”.