“Obviamente que não considero aceitáveis essas falhas de serviço”. Assim respondeu António Costa, na Assembleia da República, aos deputados dos diferentes partidos que iam enunciando as críticas à gestão do Governo do Serviço Nacional de Saúde, e à crise que se tem vivido no setor, no primeiro debate sobre política geral da legislatura.
Ainda assim, o primeiro-ministro aproveitou o púlpito também para listar os sucessos do SNS e para anunciar que o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai ser aprovado em Conselho de Ministros no início de julho.
O primeiro a apontar armas a Costa foi Paulo Mota Pinto, líder da bancada parlamentar do PSD. “As queixas são muitas e crescentes”, acusou, falando dos atrasos em consultas e dos encerramentos de serviços de urgência que se têm registado no país. Extremos “nunca antes vistos”, pelos quais António Costa deveria assumir responsabilidades, considerou Mota Pinto.
O clima no hemiciclo aqueceu em torno do tema da Saúde, e as críticas choveram da esquerda à direita.
André Ventura, líder do Chega, voltou a carregar na tecla da responsabilidade, ironizando, em direção a António Costa: “Seja primeiro-ministro por um dia”.
Ventura acusou ainda a ministra da Saúde de, “chamada a dar respostas ao Parlamento”, nada ter dito, aproveitando o tema para questionar António Costa sobre se irá manter Temido no Governo, ou não. Um assunto que já o próprio Mota Pinto tinha trazido à mesa neste debate.
Em resposta, o PM afastou a hipótese de retirar a Ministra da Saúde do seu Gabinete. “Respeito a opinião de todos, mas só há uma pessoa que escolhe os membros do Governo e, neste momento, sou eu e por isso assumo a responsabilidade por tudo o que fazem e não fazem”, afirmou Costa, em resposta ao líder da bancada parlamentar social-democrata, garantindo que a “responsabilidade de tudo o que ocorre no Governo é evidentemente do primeiro-ministro”.
Polémica
Os ânimos exaltaram-se no hemiciclo entre André Ventura e António Costa, depois de o líder do Chega ter, em duas ocasiões, questionado o PM sobre se tinha ou não visto o debate de urgência com Marta Temido sobre a crise nos hospitais. À segunda, Costa revelou não ter visto o debate, e começou a troca de acusações. “O primeiro-ministro não se importa com a morte de um bebé. Este primeiro-ministro não é o que Portugal precisa”, atirou Ventura. Costa ripostou que “se [André Ventura] não estivesse tão exaltado e preocupado em abrir telejornais e fazer números para as televisões, teria reparado que na terça-feira passada estive todo o dia a ouvir os grupos parlamentares sobre a adesão da Ucrânia”. No fim, o líder do Chega acabou acusando Costa de “brutal desrespeito à instituição do Parlamento”, após o PM ter dito que iria responder por “agregado” a Ventura, quando o mesmo o questionou sobre as medidas para combater o aumento dos preços dos produtos e bens no país.
Mas nem só de PS, PSD e Chega se fez o debate sobre política geral. A Iniciativa Liberal, por exemplo, acusou o chefe do governo de ter “introduzido” o conformismo nos portugueses. “O problema de Portugal não é o ceticismo do povo, é o conformismo que o senhor [António Costa] introduziu nesse mesmo povo”, acusou o líder liberal.
Já Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, enumerou as “medidas desastrosas de contratação temporária” e as condições de trabalho como os principais problemas do setor. As questões da saúde foram “pontos de bloqueio na discussão do OE para 2021” entre PCP e PS, recordou Jerónimo de Sousa, e Costa respondeu com números: “Temos mais 25 mil profissionais do que há seis anos”, referiu, garantindo que “esse aumento da verba tem-se traduzido no aumento de recursos humanos e no aumento da atividade assistencial”.
“Todos temos uma dose de ingenuidade, mas inocência já perdemos toda”, ironizou Jerónimo de Sousa.
Do lado do Bloco de Esquerda, Catarina Martins pediu a António Costa que não “assobie para o lado” e foi ao baú das memórias: “Em julho de 2019, avisávamos a ministra da Saúde que o problema da falta de profissionais estava mais agudo, que continuaria a existir e que eram necessárias medidas estruturais e de contratação”, disse.
Por sua vez, Costa voltou aos números, explicando que hoje em dia existem “felizmente mais utentes no SNS”.
Já Inês Sousa Real, deputada única do PAN, classificou como “erro” o fim dos debates quinzenais e questionou se a resolução dos problemas do SNS vai ser como as “obras de Santa Engrácia”.
O também deputado único Rui Tavares, do Livre, por sua vez, centrou a sua participação no debate na necessidade de Portugal se “reinventar”, questionando “qual o plano” de António Costa para isso.