Depois de o Governo de Lisboa ter decidido oferecer à Ucrânia um conjunto de armamento para combater a invasão russa, constata-se que as autoridades portuguesas não dispõem de verbas para custear o transporte do material até à zona de guerra, estando na expectativa de que alguma entidade estrangeira assuma os custos da operação – revelou ao Nascer do Sol uma fonte militar.
A fatia mais pesada do encargo tem que ver com o envio de 15 blindados de lagartas M113, para transporte de pessoal, de um lote de cerca de centena e meia adquirido em segunda mão pelo Exército português aos EUA, a preços reduzidos, aquando da diminuição do efetivo militar norte-americano estacionado na Europa na década de 1990, após o desanuviamento que se seguiu ao fim da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim (1989) e a implosão da União Soviética (1991). Desde então, tais veículos, já obsoletos, têm estado no Campo Militar de Santa Margarida, onde a sua utilização é escassa, pelo que a oferta à Ucrânia de um décimo desse efetivo não representará uma quebra significativa. Os 15 blindados foram nas últimas semanas sujeitos a revisão e encontram-se já em condições de seguir para a Ucrânia, via fronteira com a Polónia.
«Portugal ofereceu o material, mas se o transporte puder ser ‘à borla’, através dos parceiros que geralmente têm feito isso, melhor», resumiu a mesma fonte, que adiantou estar o Governo de António Costa a tentar evitar que os custos recaiam sobre o erário nacional. Isto apesar de o primeiro-ministro ter anunciado recentemente um apoio financeiro de Portugal à Ucrânia no valor de 250 milhões de euros, dos quais 100 milhões já este ano.
Para resolver o problema do envio, os militares portugueses apostam sobretudo na ajuda britânica, já que Londres assegurou e financiou anteriores transportes de equipamento (sobretudo munições) fornecido por Portugal a Kiev. «Eles [os britânicos] ainda não apresentaram o OK final», acrescentou a nossa fonte. «Mas estão a estudar as hipóteses de trajeto, que será feito por estrada ou, o mais provável, por via férrea. Já estiveram em Santa Margarida a ver o material e tirar as medidas, e agora estamos à espera que digam alguma coisa em relação ao transporte».
Além das munições e de algum material militar ligeiro, Portugal já enviou para a Ucrânia quatro viaturas blindadas que pertenciam à GNR, duas por transporte terrestre e outras duas por via aérea; mas nesta operação, financiada pelo Governo de Lisboa, aproveitou-se a ida de um cargueiro C-130 Hercules da Força Aérea que, por razões distintas, tinha já previsto um voo em missão até ao leste da Europa.
Além dos blindados de lagartas, Portugal vai fornecer agora à Ucrânia um conjunto de obuses de artilharia e metralhadoras pesadas Browning.
«Estamos à espera que os ingleses se cheguem à frente», rematou a mesma fonte. «Se isso não acontecer, alguém tem de decidir politicamente, porque a tropa não tem dinheiro».
Entretanto, outra fonte, ligada aos meios do Exército, revelou ao Nascer do Sol que, com a Ucrânia cada vez mais depauperada militarmente, o Governo português recebeu novos pedidos de ajuda, estando a sondar os três ramos das Forças Armadas para recolher camiões de carga que possam ser enviados para Kiev. O problema, acrescenta, é que a tropa portuguesa dispõe de poucos veículos que preenchem as condições requeridas: «A tropa está de tanga. Temos pouco material, o resto é lixo. Vamos mandar o que houver e se conseguir juntar».
No entanto, o Ministério da Defesa afirma, em declarações ao Nascer do SOL, que o equipamento está pronto desde 31 de maio. «Já temos os parceiros aliados que se disponibilizaram para o transportar só estamos à espera que nos digam quando o podem fazer».
Promessas
O envio de material militar para a Ucrânia surgiu em resposta ao pedido de Volodymyr Zelensky, Presidente ucraniano, que no seu discurso – por videochamada – no Parlamento português, fez um apelo ao Governo de António Costa para que apoiasse o país invadido pelos russos com armamento pesado, bem como com um reforço às sanções impostas à Rússia. «Peço aceleração e reforço das sanções e também apoio militar, armamento», afirmou o chefe de Estado ucraniano, a 21 de abril, falando especificamente em «armamento pesado».
Em jeito de ‘moeda de troca’, quando o primeiro-ministro português visitou a Ucrânia, em maio deste ano, e, além deste apoio, falou também em ajudas a nível militar. A 21 de maio, em visita a Kiev, António Costa disse que Portugal forneceu, e iria fornecer, material letal e não letal. O primeiro-ministro argumentou que Portugal tem procurado corresponder aos pedidos feitos pelas autoridades ucranianas, mas «muitas vezes não temos os recursos de que a Ucrânia necessita». «É um esforço que não terminou e que vai continuar. Tomámos boa nota dos pedidos específicos da Ucrânia e vamos procurar ver se estão ao nosso alcance», acrescentou.
Na altura, António Costa garantiu também que Portugal apoiaria a Ucrânia noutros setores como, por exemplo, a reconstrução de escolas e jardins de infância, «porque é fundamental investir no futuro e garantir que as novas gerações ucranianas têm futuro na sua terra».
«Portugal tem procurado apoiar a Ucrânia das formas mais diversas, ajudando a criar condições para que todos os países da União Europeia possam manter-se unidos no apoio ao sexto pacote de sanções» à Rússia, disse Costa, por ocasião da visita à capital ucraniana.