Espanha já deu o tiro de partida ao impor um limite máximo de 2% na subida das rendas. Portugal ainda não tomou qualquer decisão, mas inquilinos querem que Governo siga o mesmo exemplo, enquanto proprietários afastam qualquer intervenção, dizendo que a “lei é para aplicar”.
Romão Lavadinho. “Governo tem de publicar norma travão para impedir subidas galopantes”
Para o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, “aumentos de 7% ou 8% nas rendas são completamente incomportáveis”. E pede que Governo português siga o exemplo de Espanha.
Para o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, a única forma de evitar aumentos galopantes nas rendas no próximo ano passa por o Governo publicar uma norma que defina um teto máximo de subida e que, segundo Romão Lavadinho, deverá rondar entre 1 a 2%. A explicação é simples: A atualização automática das rendas é feita com base na inflação média dos últimos 12 meses registada em agosto, excluindo a componente da habitação. É com base nesse valor que o INE apura o coeficiente de atualização das rendas, que é depois publicado no Diário da República até 30 de outubro de cada ano.
E os dados não são animadores. O Orçamento do Estado para 2022 prevê uma taxa de inflação de 4%. No entanto, os números publicados pelo Instituto Nacional de Estatística apontam para valores muito mais elevados, em junho, chegou aos 8,7%, o valor mais alto em quase 30 anos. Também o Banco de Portugal já reviu em alta a sua previsão de inflação para 5,9% este ano.
Números que já provocam uma verdadeira dor de cabeça ao presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses que defende que Portugal devia seguir o exemplo do que já foi feito pelo Executivo espanhol que publicou uma lei a dizer que em 2023, o aumento das rendas só pode ser de 2%, independentemente do valor da taxa de inflação. Um aumento que, segundo Romão Lavadinho, “já é aceitável”, lembrando que “os valores dos aumentos da função pública foram de 0,9% e os aumentos dos particulares rondaram 1%”, daí defender que subidas entre 1 e 2% “já seria uma situação aceitável, não ótima, mas aceitável para a maioria dos inquilinos”.
E dá exemplos: para uma renda de 500 euros essa atualização seria de cinco ou dez euros. Um cenário diferente seria uma atualização na ordem dos 7 ou 8%, o que, no seu entender, “é completamente impossível, incomportável”. Neste caso, uma renda de mil euros irá ter um aumento de 80 euros mensais, o que ao final do ano dá mais uma renda por ano. “Ou seja, em vez de pagar 12 meses passa a pagar 13 meses por ano”, disse em entrevista ao Nascer do SOL.
Romão Lavadinho admitiu ainda que, caso não haja essa norma travão, “o que vai suceder é que esse aumento se aplica e o senhorio poderá fazê-lo se bem entender, porque está previsto na lei”, referindo que os proprietários também têm chamado a atenção para o facto de estarem a sofrer um aumento do custo de vida. Mas não hesita: “Aplicar a taxa de inflação será impossível e incomportável”. E foi mais longe ao considerar que, essas subidas vão ser “incomportáveis até para a classe média”, salientando que, “mesmo as classes que ganham mais também têm outro tipo de custos e de despesas. E nesses casos se calhar até podem reduzir os seus gastos, mas há aquelas que nem isso podem fazer. O que vão fazer? Vão para debaixo da ponte? O que é que o Governo vai fazer em relação a isso?”, questiona.
Imóveis devolutos como parte da situação Para o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, uma das soluções para o problema da falta de casas no mercado de arrendamento, passa por colocar os imóveis devolutos neste segmento. “Hoje já há estudos que falam em 60 e tal mil, o Governo diz que são 26 mil no levantamento que fez há dois anos, mas foi um levantamento incompleto, acredito que esse número seja superior e arrisco em falar em 70 ou 80 mil. E porque falo nesse número? Os salários não aumentaram, as famílias têm rendimentos cada vez menores e, por isso, precisam de casas. E já não estamos a falar de pessoas com menores rendimentos, mas também a classe média, em que já não podem pagar uma renda especulativa, ou seja, precisam de ter acesso a uma casa que possam pagar”.
Ainda assim, lembrou que na última reunião que teve com vereadora da Câmara de Lisboa, Filipa Roseta, foi dada a indicação que havia mais de 50 mil fogos devolutos, na capital. E face a esse cenário não hesita: “Então esses 50 mil fogos devolutos têm de ser postos no mercado porque não podem estar devolutos ou então o Estado, através do IMI, terá de aplicar um valor cinco ou seis vezes superior”.
Romão Lavadinho dá ainda cartão vermelho ao programa do Governo de rendas acessíveis por a oferta ser muito inferior às necessidades das famílias portuguesas e lembra que, o Executivo entende por renda acessível 20% da mediana existente. “Ora 20% da mediana existente é um valor muito elevado, mas se fosse a média ainda seria pior. Por exemplo, em Lisboa, o que estava previsto era que a renda para essas famílias podia ir dos 200 até aos 500 euros, no caso de ser um T4. Ainda assim, estamos a falar de valores acessíveis, porque uma família que tem três ou quatro filhos se calhar precisa de um T4, já quem não tem filhos se calhar precisa de um T1 ou de T2 e aí estamos a falar de rendas à volta dos 300 euros”, salienta.
Já em relação à verba destinada à habitação pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o responsável lembra que esse valor terá como destino casas que ainda vão ser feitas, o que dará uma resposta tardia. “Há municípios que podiam perfeitamente comprar a preços mais baixos essas casas para as colocarem no mercado de arrendamento, ou recuperar muitas que estão degradadas. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem, na Rua da Prata, há uns 20 anos, uns panos num prédio e o edifício nunca foi reabilitado. Porque não é reabilitado e posto no mercado a preços acessíveis?”, questiona.
Incentivos fiscais
O presidente da associação não se mostra contra a atribuição de incentivos fiscais a serem atribuídos aos proprietários, desde que estes coloquem no mercado, casas a valores a rendas que sejam possíveis pagar. “Desde que os valores das rendas sejam acessíveis, os proprietários até podem deixar de pagar IRS ou IRC sobre o valor que recebem. Por exemplo, um proprietário que arrenda uma casa por 500 euros, mas que até poderia arrendar por 800 ou mil euros, então tem todo o direito ver os seus impostos reduzidos, mas aí cabe ao Governo tomar essa medida. Não é dizer que todos os proprietários são malandros, durante a pandemia várias pessoas disseram-me que houve senhorios que não exigiram o pagamento da renda e depois negociaram como esse valor seria pago”.
António Frias marques. “O contrato de arrendamento é celebrado e só tem de ser honrado”
O presidente da Associação Nacional de Proprietários aponta o dedo ao Governo: “Não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários” e considera que não será um “drama” atualizar rendas.
Para o presidente da Associação Nacional de Proprietários o contrato de arrendamento “é celebrado e só tem que ser honrado”, afastando assim um cenário de intervenção de travão no aumento das rendas. E não hesita ao apontar o dedo ao Executivo: “Este Governo não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários”.
António Frias Marques diz ainda que só uma minoria da população portuguesa vive em casas arrendadas, uma vez que o que tem maior peso é quem vive em casa própria. Uma situação que, no seu entender, mostra a mentalidade dos portugueses. “É um bocado a cultura da inveja, não querem estar a pagar ao senhorio porque esse ‘malandro’ não tem o direito a estar a enriquecer à custa do inquilino. E então tornam-se escravos do banco”.
Já aqueles que vivem em casas arrendadas garante que vivem em habitações públicas, casas da câmara, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), etc. E, como tal, defende que o impacto do aumento da taxa de inflação não irá representar “um drama”. E apesar de ainda não se saber qual será o valor final, lembra que Portugal já teve taxas de inflação de 20, 30 e 40%. “A solução é aguardar e aplicar a lei, a menos que este Governo – até porque tem poder absoluto e a lei só pode ser alterada na Assembleia da República – mude as regras”. E defende que se isso acontecer, o Executivo “terá de arcar com essas responsabilidades”, lembrando que em, 2022, o coeficiente de atualização nas rendas foi de 0,43% e, no ano anterior, foi de 0%, ou seja, não houve atualização.
“Nestes últimos anos andava sempre na ordem dos 0% e qualquer coisa e, nessa altura, nunca vi os representantes dos inquilinos a dizer que como a atualização era muito baixinha e como os senhorios, coitados, têm rendas de miséria, então como amigos deles aumentavam, por exemplo, 2%. Isso é que era uma coisa interessante de ouvir. Logo aqui mostra-se que não há muita coerência nestas propostas. As propostas quando são lançadas, devemos analisar todas as situações e, sobretudo, não devemos hostilizar tão abertamente nenhum grupo social. O que se está a passar é que se está a hostilizar um grupo de cidadãos que são os senhorios e que põem as casas no mercado”, disse em entrevista ao Nascer do SOL.
E afasta qualquer cenário de comparação com o mercado espanhol, lembrando que há 30 anos houve, em Espanha, uma lei que acabou com as rendas baixas. “Estas rendas que temos aqui de 50 ou 100 euros, em Espanha não existem. Aqui, se quiserem, a pessoa paga 1 000 euros de renda mas diz que não quer pagar mais 5% e então inscreve-se no programa respetivo do Governo e o Governo dá-lhe 50 euros para pagar ao senhorio. Não temos problema nenhum nisso. Além disso, o senhorio não é obrigado a aumentar a renda e posso dizer que, pela perceção que temos, a mais de metade dos senhorios nem lhe passa pela cabeça aumentar a renda”.
Afasta rendas especulativas
O presidente da Associação Nacional de Proprietários garante ainda que não são praticadas rendas especulativas, no mercado nacional, e recorre aos dados do Census de 2021 para provar essa realidade. “Em Portugal existem 922 921 contratos de arrendamento, já incluindo Açores e Madeira. Destes 84 304 famílias pagam uma renda inferior a 50 euros. São 10% do total. Normalmente são contratos muito antigos”. Já em relação às rendas de 1 000, 2 000, 5 000, de acordo com o responsável, são apenas 2% das rendas, ou seja, 20 445. “Uma pessoa que vai para uma casa de mil euros é uma pessoa de posses, porque quem não tenha um bom emprego não vai para uma casa dessas e o agregado familiar tem de ter um rendimento mensal de, pelo menos, 3 000 euros. Se estiver a falar de um aumento de 5% também não é por aí que vai à falência. É preciso ver quem estamos a defender. E, além disso, também que não compete aos senhorios fazer este tipo de análise. O contrato de arrendamento é celebrado e só tem que ser honrado”, defende.
E a falta de confiança leva a falta de oferta? Frias Marques, diz que sim e que isso se deve às alterações legislativas. “Há uma coisa que não existe que é segurança jurídica. Faço um contrato de arrendamento com uma família, ela paga o primeiro e o segundo e mês, depois não paga mais. Para o tirar de lá, se correr muito bem, sai de casa ao fim de dois anos. Dois anos à borla. Porquê? Porque há uma insegurança jurídica. E se o agente de execução for à casa e se a pessoa demonstrar e provar que fica em situação de vulnerabilidade se sair da casa, mesmo que esteja há três, quatro ou cinco anos sem pagar a renda, o despejo é suspenso”, garante.
Proprietários sem verbas para devolutos.
O responsável admite que, só em Lisboa há cerca de 50 mil casas vazias, mas a esse número há que somar o que existe no resto do país. No entanto, lembra que “nestas 50 mil que há em Lisboa há uma percentagem muito grande de casas que pertencem à câmara e ao Estado. O Estado tem imensos edifícios abandonados que eram quartéis, hospitais, escolas, etc. e que não lhe dá uso. Seria bom fazer esse levantamento, mas essa mudança exige estabelecer confiança. O que acontece? Este Governo não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários. Costuma dizer-se que não é com vinagre que se apanham as moscas. É preciso ter uma certa habilidade e dar condições às pessoas para estas colaborarem”.
E lembra que devido ao facto de as rendas terem estado congeladas durante muitos anos, os senhorios ficaram sem verbas para fazer essa reabilitação. “As pessoas ficaram nessas casas até morrer com rendas muito baixinhas. Quando essas pessoas morrem, a chave é entregue ao senhorio, o senhorio vai visitar a casa e está em estado de pós-guerra civil. Está destruída”, lembrando ainda que “recuperar um andar com cerca de 100 metros quadrados não fica por menos de 35 mil euros. Ponto 1, o senhorio não tem cerca de 35 mil euros porque o empreiteiro quer o dinheiro logo. E arranjar empreiteiros também é uma dificuldade muito grande. Ponto 2, se fizermos contas vai gastar os 35 mil euros e depois vai arrendar aquilo a quem? Nem todos têm rendimentos para pagar uma renda de 500 euros”.