Soaram os alarmes nos gabinetes do Governo depois de batidos dois recordes em menos de 48 horas: 121 incêndios na sexta-feira e 125 no sábado. O Executivo convocou no sábado uma reunião com cinco ministros para avaliar a situação do país em matéria de incêndios e reforçar medidas de combate a fogos. Foi também a 24 horas de embarcar para Moçambique que o primeiro-ministro decidiu cancelar a deslocação oficial até Maputo para estar “permanentemente disponível no país” no período de contingência que acabara de decidir. Pouco depois, em Belém, o Presidente da República seguiu as mesmas pisadas e cancelou a viagem a Nova Iorque, onde estava prevista uma intervenção numa reunião especial do Conselho Económico e Social da ONU.
“O Presidente da República decidiu ficar em Portugal no início da semana, devido ao muito elevado risco de incêndios florestais”, constava na nota divulgada no site da Presidência da República.
No entretanto, o chefe de Estado tem-se multiplicado em alertas, antevendo que o território em risco de incêndio “poderá aumentar de forma drástica” nos próximos dias. Este domingo à saída de uma reunião da Proteção Civil, em Carnaxide, o Presidente da República foi questionado sobre o cancelamento da agenda externa. Em resposta Marcelo referiu que era uma medida “preventiva” pois no início da semana estariam fora os dois, Presidente da República e primeiro-ministro.
“Imagine o que os senhores diriam se o Presidente e o primeiro-ministro estivessem fora. Alguém perceberia?”, devolveu aos jornalistas.
No entender de António Costa Pinto, a decisão do primeiro-ministro e do Presidente da República remete fundamentalmente para “um processo de aprendizagem política em conjunturas de eventual catástrofe”. “Sobretudo quando não se sabe qual será a eventual gravidade dos acontecimentos, os dirigentes políticos já não são apanhados fora ou de férias, ou em atividades oficiais como era o caso”, acrescenta o politólogo.
Esta é uma “providência” que não é apenas comum aos portugueses. Costa Pinto lembra que vários políticos já foram apanhados no estrangeiro ou de férias perante acontecimentos graves. “Isso já aconteceu no passado, com presidentes norte-americanos, a propósito por exemplo das catástrofes de inundações no sul dos Estados Unidos”, recorda.
“Aqui, como ainda não aconteceu nada de dramático para já, mas pode efetivamente acontecer, estes são os agentes políticos de prevenção que se podem tomar”, principalmente porque os trágicos incêndios de 2017 ainda estão vivos na memória.
“Basta reparar na conferência de imprensa de sábado, com vários ministros, ligados justamente, ou eventualmente, ao pelouro dos incêndios, incluindo a ministra da Defesa. Isso já reflete obviamente dinâmicas de aprendizagem política perante catástrofes passadas, nomeadamente ligadas aos incêndios e que são bem conhecidas da opinião pública.”
Além da ministra Helena Carreiras, na reunião do Governo estiveram ainda presentes os ministros da Administração Interna, José Luís Carneiro, do Ambiente, Duarte Cordeiro, e as ministras da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e da Saúde, Marta Temido. Coube depois a José Luís Carneiro anunciar a declaração da situação de contingência até 15 de julho, o estado intermédio da Lei de Bases da Proteção Civil (acima deste só o estado de calamidade), pela primeira vez por causa dos incêndios.
O fantasma das férias que paira sobre Costa Dois anos depois dos incêndios de 2017, já durante a campanha para as legislativas de 2019, António Costa foi acusado de estar fora quando a tragédia dos incêndios aconteceu, nomeadamente em Pedrógão Grande. Na baixa lisboeta, um homem acusou o primeiro-ministro de ter estado de férias nessa mesma altura.
As acusações eram falsas, mas não estavam muito longe de serem verdadeiras, por uma questão de dias. A floresta ardeu em Pedrógão Grande entre os dias 17 e 24 de junho de 2017. Costa manteve-se em funções mais alguns dias depois disso, apenas tinha férias marcadas para a primeira quinzena de julho e não as desmarcou. Pela mesma altura ocorreu o roubo do material militar em Tancos, que chegou ao conhecimento público no dia 29 de junho de 2017, elevando a polémica já Costa tinha as malas feitas. Desta vez, o primeiro-ministro decidiu nem arriscar, “face às previsões meteorológicas que indicam um agravamento muito sério do risco de incêndio rural nos próximos dias”.