Há, no mundo da Internet e das redes sociais, um fenómeno que tem marcado os últimos anos: o surgimento do TikTok, uma plataforma baseada principalmente na partilha de vídeos satíricos – mas não só – que tem conquistado milhões de adeptos numa curta janela de tempo. A rede social, que começou a tornar-se popular em 2018, conta com mais de mil milhões de utilizadores ativos em todo o mundo, apesar de ter sido banida, em janeiro de 2021, na Índia, e de o antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter também ameaçado seguir o mesmo caminho. É, aliás, a app gratuita mais popular da App Store da Apple, gerando cerca de 11,3 milhões de downloads durante o mês de junho deste ano.
Apesar da polémica, o TikTok parece ter vindo para ficar, e a classe política nacional já deu conta disso: Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, estreou-se na rede social a 17 de julho, e desde então publicou quatro vídeos com os ‘bastidores’ do seu papel como líder da autarquia lisboeta. O mais ‘caricato’ deles prende-se com uma ‘surpresa’ em que, de repente, surge ao seu lado Isabel Díaz Ayuso, a presidente da Comunidade de Madrid, num estilo de vídeo muito típico desta plataforma.
Um dos ‘reis’ do TikTok político em Portugal é, no entanto, André Ventura. O líder do Chega é presença assídua na rede, onde partilha frequentemente clips das suas intervenções como deputado na Assembleia da República, ou então momentos de campanha, acompanhados quase sempre por uma trilha sonora épica. E não faltam as brincadeiras, claro.
Na política nacional, estes são os dois principais exemplos, juntando-se a eles também Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, que, ainda assim, é menos ativa na sua conta oficial do TikTok, onde tem pouco mais de 5 mil seguidores. Em comparação, Ventura tem 44.1 mil seguidores, tendo-se ‘estreado’ na rede social a 26 de julho do ano passado, e Moedas arrecada, ao fim de cerca de três semanas de existência da sua conta, cerca de 2 mil seguidores.
Novas ferramentas A comunicação política procura sempre adaptar-se às novas realidades e o TikTok é um dos principais desafios dos diferentes assessores de imagem e comunicação ligados aos partidos políticos, da esquerda à direita.
“Um político tem de dialogar com as pessoas e esse diálogo passou a ser feito nas redes sociais. Acontece que nas redes sociais há uma diferenciação de cidadãos que utilizam predominantemente cada uma delas. O Facebook viu migrar para o TikTok e para o Instagram públicos mais jovens. O tipo de linguagem também se modifica de acordo com o meio. Sendo o TikTok um canal de comunicação em crescimento, uma nova ‘praça’, é importante estar lá para ouvir e ver e para passar uma mensagem”.
Palavras de João Tocha, especialista em comunicação política, em declarações ao i. “Faz sentido estar nesta e noutras esquinas de diálogo da cidade e do mundo”, considera, afastando a possibilidade de que um político possa ser considerado mais ou menos sério por marcar presença nesta plataforma. “A seriedade só se perde se o político deixar de ser autêntico. De resto a mensagem terá de ser coerente com a personalidade e posicionamento de cada político, adequada ao canal de distribuição utilizado e ao perfil dos utilizadores dessa rede”, considera João Tocha.
A mesma opinião tem Luís Bernardo, também ele especialista nesta área, que defende, em declarações ao i, que “o segredo está em o político ser o que ele é no dia a dia”. “Quem for natural e espontâneo tem aqui uma ferramenta extraordinária. Algo que seja artificial pode ter o efeito contrário. Não podemos esquecer que cada vez mais os público alvo são heterogéneos e as novas gerações querem é mensagens claras, diretas e concisas sem os formalismos beatos dos políticos que se levam, alguns, ainda demasiado a sério”, defende, dizendo que “o mundo mudou e as redes sociais hoje estão no centro da forma como rapidamente podemos comunicar”.
“Para as mais novas gerações o TikTok talvez seja já a plataforma mais usada. Como tal lógico que deve ser cada vez mais encarada pelos políticos como instrumento fundamental de comunicação. Agora como em tudo com a devida criatividade e simplicidade que está na natureza dessa plataforma”, conclui o mesmo especialista.
Utilizadores na dúvida Quem faz uma rede social, no entanto, são os seus utilizadores, e o TikTok é, neste momento, uma das mais utilizadas nas camadas mais jovens. Por isso, importa entender, afinal, como veem estes utilizadores a ‘chegada’ de figuras políticas à plataforma.
Adriana Conceição, de 25 anos, trabalha precisamente em gestão de redes sociais, e conta ao i que esta é uma questão que “depende muito da forma como se usa a plataforma”.
“Eu acho que o TikTok é uma boa plataforma para os políticos utilizarem, visto que assim conseguem alcançar um público diferente, mais jovem, que deve ser ensinado sobre questões políticas e deve estar em contacto com esse mundo. No entanto, também há o outro lado da moeda, que é que os políticos se podem aproveitar da plataforma para fazer propaganda, ou usar temas mais sensacionalistas em que não se dá a oportunidade para se ver se são ou não factuais para esse público. Ou seja, pode ser bom como pode ser mau”, considera a jovem, utilizando o exemplo do presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
“Por exemplo, o Carlos Moedas a fazer uma ‘dancinha’ é um exemplo perfeito dos políticos a tentar apelar a um público mais jovem, mostrar que também são pessoas. Eu não acho que percam seriedade, porque olho para os políticos como pessoas normais, mas é importante haver uma distinção entre quando se estão a tratar temas políticos e outros menos assim. Tem de haver um grau de solenidade, eu diria, porque são temas importantes”, considera, ressalvando não achar que “as pessoas não tenham direito à sua vida privada, a divertir-se e a fazer dancinhas”. “Acho muito bem.
Mas quando se misturam as duas coisas, pode ser ou não prejudicial para o tema que se está a tratar. Eu sou uma pessoa séria, e então gosto que quando se fala de política seja a sério, porque isso afeta a vida de todos. Mas sei que, se calhar, há pessoas que não veem problema nenhum”, opina a mesma.
São vários os partidos políticos portugueses presentes na rede social: Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, Livre, PAN e PSD têm contas, onde partilham variados conteúdos sobre as suas propostas e moções, com especial ênfase nas alturas de campanha eleitoral. “É inteligente da parte dos partidos estar a entrar em novas plataformas digitais, visto que elas existem, estão cá para ser utilizadas e têm públicos muito grandes. Faz todo o sentido um partido apostar também nessa rede. Agora, tem é que definir muito bem como é que o faz. Se vai seguir coisas virais ou se vai usar a plataforma para espalhar informação como as medidas que defende, os projetos em que participa, aquilo que quer alcançar… é uma escolha”, considera Adriana Conceição.
Há, no entanto, quem não veja com tão bons olhos a ‘introdução’ do mundo político no TikTok. “Há vários tipos de conteúdo. [Os políticos] podem fazer conteúdo se forem excertos de vídeos que publicam noutras redes sociais como o Instagram ou o YouTube. Agora, se forem conteúdos com eles aos ‘saltinhos’, ou alguns vídeos do André Ventura onde inclui músicas polémicas com vídeos dele a fazer campanha, isso é só ridículo e claramente tira credibilidade”, considera Joana Martinho, de 23 anos, estudante, em declarações ao i. “Acho que no futuro pode ser utilizada. Se forem só excertos de vídeos que já estão publicados noutras redes sociais, não há problema, porque, se formos a ver, há já pessoas que fazem isso. Isso acho que não tem problema, agora se for essas montagens de música ‘na berra’ com vídeos de campanha, é ridículo”, acrescenta, concluindo: “De uma forma geral, se se puderem manter longe da plataforma, melhor”.