António Costa foi apanhado de surpresa pela contratação direta pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, de Sérgio Figueiredo, antigo diretor de informação da TVI e ex-administrador da Fundação EDP, para assessorar o Governo na avaliação das políticas públicas. O Nascer do SOL apurou que Fernando Medina não comunicou ao gabinete do primeiro-ministro a contratação de Sérgio Figueiredo. Que gerou uma onde de incredulidade da direita à esquerda e no interior do próprio PS.
Ontem mesmo, em reação à polémica em torno da contratação de Sérgio Figueiredo, o primeiro-ministro fez questão de se demarcar totalmente da decisão de Medina. Em primeiro lugar, António Costa sublinhou que este tipo de contratações é «regra normal» e que «as regras dos gabinetes foram sempre assim», confessando ele próprio ter contratado vários assessores por ajuste direto, para as áreas da comunicação, jurídica ou económica.
Mas não deixou de acrescentar: «Não comento a composição dos membros dos gabinetes do Governo. Não me pronuncio. Os membros do Governo têm direito a um gabinete, para o qual contratam pessoas da sua confiança».
Ou seja, restringiu as funções de Sérgio Figueiredo à consultoria no Ministério tutelado por Medina, aproveitando o encontro com jornalistas à saída de uma visita a uma creche na Amadora para frisar: «Cada um deve procurar fazer o que lhe compete. Giro o meu gabinete dele, não o dos outros membros do Governo».
Costa não deixou passar em claro mais esta ‘descoordenação’ no seu Governo de maioria absoluta.
Depois do célebre episódio do anúncio sobre o novo (ou, no caso, novos) aeroporto(s) de Lisboa por Pedro Nuno Santos quando António Costa se encontrava em Madrid (na cimeira da NATO) e sem prévia informação ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao líder eleito do PSD, Luís Montenegro – numa frontal desautorização do próprio primeiro-ministro – e que obrigou o chefe do Executivo a assinar um despacho de revogação do diploma emitido pelo Ministério das Infraestruturas no dia imeidatamente seguinte, agora foi a vez de Fernando Medina afirmar a sua autonomia de uma forma que foi vista como um «disparate» no interior do próprio PS.
Má gestão de comunicação, descoordenação e manifestação de inabilidade ou inexperiência política são algumas das expressões usadas entre os próprios socialistas para lamentarem os erros sucessivos nos últimos meses – que correspondem aos primeiros meses deste Governo de maioria absoluta. Na mira dos mais críticos fica, desde logo, o líder, pela incapacidade de liderança e coordenação do Executivo, mas a principal ‘vítima’ é mesmo a número dois do Governo, Mariana Vieira da Silva, incumbida pela coordenação política do Governo.
A falta de peso político no partido é um dos handicaps associados à ministra da Presidência que António Costa promoveu a número dois da hierarquia do Executivo na orgânica do novo Governo.
Os socialistas assinalam que os erros cometidos nos últimos tempos, a que se juntam falhas também noutras áreas, como particularmente na Saúde e no Ministério de Marta Temido, surgem semanas depois de o próprio gabinete do primeiro-ministro ter contratado João Cepeda para diretor de comunicação do Governo.
Ora, a opinião generalizada entre os próprios socialistas é que não só não se notaram melhorias na coordenação e na informação do Governo, como, antes pelo contrário, registaram-se ainda mais ‘casos’ a partir de então.
Mas as críticas internas não se ficam por aqui.
António Gameiro, antigo deputado socialista e ex-presidente da Federação Distrital de Santarém do PS classificou como «vergonhosa» a contratação de Sérgio Figueiredo por Fernando Medina «Pagamento de favores, quando o Estado tem quem estude e avalie institucionalmente as políticas públicas e não há qualquer justificação especial do contratado para o efeito pretendido», escreveu o socialista nas redes sociais.
Mais contratações polémicas
A polémica em torno da contratação de Sérgio Figueiredo para consultor do ministro das Finanças aumentou quando foi revelado que o antigo diretor da TVI terá um salário base bruto maior do que o do próprio ministro. É que, segundo consta no contrato divulgado pelas Finanças, que vai ser assinado «nos próximos dias»,
Figueiredo vai receber em dois anos (em 24 prestações) 139.990 euros brutos. Um total que dá 5.832 euros brutos por mês. Mesmo dividindo o valor total por 14 meses (equivalente ao valor pago a Medina num ano), o salário mensal é de 4.999 euros, o que continua a ser superior ao salário mensal base ilíquido dos ministros, de 4.767 euros. A diferença está no facto de os ministros terem direito a despesas de representação, algo que não consta no contrato de Sérgio Figueiredo, que tem também outra diferença: é a 12 meses, e não a 14, como o dos ministros.
Entretanto, também a revista Sábado revelou, durante esta semana, que, em 2020, a Câmara Municipal de Lisboa – então presidida por Fernando Medina – pagou 30 mil euros a uma empresa detida por Sérgio Figueiredo e pela namorada, para a criação de uma campanha de estímulo ao comércio local, num contrato que terá sido cumprido em 13 dias. «Há 20 e tal figuras públicas a dar a cara pela causa… isto não vale nada? Como acha que eles foram mobilizados? Se a CML tivesse de contratar aquela gente toda para o mesmo trabalho, faz ideia de quanto lhes custaria?», declarou o ex-diretor de informação da TVI à revista.
Mas os negócios entre Medina e Figueiredo remontam, pelo menos, a 2015, ano em que o agora ministro das Finanças foi contratado pela TVI – que tinha então como diretor de informação Sérgio Figueiredo – para realizar comentário político regularmente.
Esta não é, no entanto, a primeira nomeação polémica de Fernando Medina: recorde-se que, recentemente, o ministro das Finanças nomeou António Furtado, antigo diretor do património da Câmara Municipal de Lisboa, que foi apanhado em escutas numa investigação da Polícia Judiciária a uma alegada rede de corrupção dentro da CML, para presidir a Estamo, a empresa pública responsável pela gestão do património do Estado; e de João Paulo Saraiva, antigo vice-presidente da CML, para ser administrador da Metro de Lisboa, enquanto continua a ser vereador na autarquia lisboeta.
Reações da esquerda à direita
Da esquerda à direita, as reações não se fizeram esperar.
O PSD e o Chega querem ouvir Fernando Medina na Assembleia da República e os sociais-democratas ainda querem também ouvir o primeiro-ministro sobre o assunto.
«O PSD não vai deixar passar incólume e não vai deixar de denunciar este tipo de atitudes por parte do Governo do Partido Socialista», afirmou Hugo Soares, secretário-geral do PSD, que diz aguardar «esta semana por uma explicação por parte do Governo e por parte do primeiro-ministro [António Costa]».
Já André Ventura, líder do Chega, considerou ser «evidente para todos que há aqui uma questão de tem que ser explicada do ponto de vista da transparência, sobretudo da transparência política e do ponto de vista da transparência da relação do Governo com a imprensa em geral».
Ainda à direita, João Cotrim Figueiredo, líder do IL, também não foi parco nas críticas: «É o Governo dele e o senhor primeiro-ministro, ainda há poucas semanas, se meteu a revogar um despacho de um ministro seu. Quando há asneiras feitas em ministérios, o senhor primeiro-ministro não só tem a competência, como tem a obrigação de intervir», disse aos jornalistas, à margem de uma reunião com a administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), em Portimão.
À esquerda, PCP e BE também criticaram a escolha, com os comunistas a admitir, pela voz de Bernardino Soares em conferência de imprensa, tratar-se de uma contratação feita com «critérios certamente discutíveis». Já Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, considerou a contratação «absolutamente criticável» e «um exemplo do pântano das maiorias absolutas».