Note-se que esta entrevista saiu na última edição do Nascer do Sol, antes da conferência de imprensa sobre as novas medidas apresentadas segunda-feira por António Costa.
Portugal enfrenta vários desafios: a inflação dispara, logo o poder de compra cai. O que se pode esperar nos próximos meses?
O que se pode esperar é um aperto claro da inflação sobre a vida das pessoas e naquilo que é o seu rendimento, o seu poder de compra, em que claramente todos os sinais estão aqui e, pelo menos durante algum tempo, vieram para ficar. É possível que tenhamos surpresas nessa área, apesar dos últimos sinais serem um bocadinho melhores.
Ao mesmo tempo, estamos a assistir a uma luta para evitar que esta inflação que, neste momento, é de curto prazo – é um movimento que começou agora e ainda não é necessariamente algo que se irá manter no longo prazo – se transforme numa inflação de longo prazo, porque aí iria trazer outro nível de dificuldade.
Por isso, é de prever um aumento das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) para evitar que a economia aqueça demasiado e para que os salários se ajustem demasiado a esta inflação. O que sabemos e o que aprendemos nos anos 70 é que os preços sobem, os salários tentam subir para acompanharem, mas só geram ainda mais inflação, e depois temos mais salários e mais inflação. E quando menos esperarmos estamos presos naquilo que é uma espiral inflacionária.
Há sempre a tentação de aumentar os salários da inflação para se manter o poder de compra…
Exatamente, mas temos de perceber que este aumento da inflação, que representa uma diminuição do poder de compra das famílias é um acontecimento real na economia. Ou seja, estamos a viver pior, porque aquilo que compramos está mais caro e estamos de repente a tentar repor todo o poder de compra com aumentos de salários que podem não funcionar.
Os alimentos, energia, etc., estão mais caros e isso vai afetar a nossa vida durante os próximos meses e provavelmente ainda durante 2023. Mas isso também se está a passar no resto da Europa e temos que perceber que é uma consequência que, apesar de tudo, é menos grave do que para quem está na Ucrânia a lutar na guerra. Isto é consequência da guerra no mundo e se queremos resolver este problema então vamos ter que dizer à Ucrânia para aceitar perder a guerra, que é uma coisa que ninguém quer.
E isso seria muito mais grave para todos do que sofrermos alguma diminuição do poder de compra durante os próximos meses. Claro que é mais grave para algumas camadas da nossa população, sobretudo para as mais desfavorecidas. E, como tal, Portugal e todos os outros países vão que ajudar aqueles que estão a sofrer. É certo que estamos todos a sofrer, mas aqueles que estão sofrer menos vão ter que ajudar aqueles que estão a sofrer mais.
Defende então medidas mais direcionadas para as classes mais desfavorecidas…
Absolutamente, porque são as pessoas que gastam a maior parte do seu rendimento em energia e em alimentação. São elas que têm rendimentos mais dependentes do salário e portanto, tem de haver um esforço e um plano de contingência muito claro, muito forte para ajudar a parte da nossa população que está mais desfavorecida. Isso tudo tem de ser contemplado havendo alguma margem no orçamento.
O Governo prepara-se para anunciar um novo pacote de medidas na segunda-feira, mas até agora tem vindo a revelar a conta gotas…
Algumas dessas medidas têm alguns detalhes técnicos que não conheço em detalhe. Possivelmente também teremos de agir do lado da alimentação. Mas acho que estas coisas e, usando as suas palavras a conta gotas, são difíceis depois de perceber se resolvem o problema ou não. O Governo está a preparar um plano de emergência e é nesse plano de emergência no seu global, que depois vamos perceber se chegam ou se são precisas mais. E também vão ter que ter agilidade, porque a situação vai estar sempre a mudar e é possível que daqui a uns meses seja preciso um plano talvez maior, porque a situação se deteriorou. É o mundo em que vivemos hoje.
Como aconteceu com a pandemia? Em que as medidas foram sendo ajustadas…
Exatamente, a inflação que vivemos hoje é derivada de uma guerra que se vive no leste da Europa e, como qualquer guerra é cheia de mudanças e temos de estar sempre disponíveis para ajustar de acordo com aquilo que se passa, neste caso, com o petróleo, com os alimentos e com outros fatores que surgem.
E daqui uns dias em relação ao aumento das taxas de juro do BCE…
Essa é a tensão que estava a falar. Vamos ter necessidade de intervenção dos bancos centrais para evitarem que a economia aqueça demasiado e para que tudo isto não crie uma espiral de preços/salários, salários/preços. Agora estamos a viver pior porque os preços estão a subir mas, ao mesmo tempo, temos de ter encontrar que os mais desfavorecidos vão sofrer mais, por causa do aumento do crédito.
É um trabalho cirúrgico?
Cirúrgico é a palavra certa porque o Banco Central tem de arrefecer a economia o suficiente para evitar que a inflação se transforme numa inflação a prazo, mas não demasiado para criar não uma recessão. O que sabemos é que os bancos centrais normalmente não têm muito sucesso nestas intervenções cirúrgicas e as economias acabam sempre por reagirem com muita força às ações do banco central e, portanto, acabam por gerar processos que, a prazo, se tornam recessões. Há muitos exemplos na história, em que as formas de combater a inflação acabaram por provocar recessões, algumas bastante prolongadas.
Acha que o cenário de recessão vai ser inevitável?
Não acho de todo que vá ser inevitável, de todo, mas acho que a arte do Banco Central para esta cirurgia, para usar os termos que usou, vai ser posta à prova. Se o banco central atirar um bocadinho à direita do alvo podemos eventualmente ter uma recessão e se atirar um bocadinho à esquerda do alvo poderemos não conseguir controlar a inflação.
O trabalho que tem ser bem avaliado para ver as consequências…
Não há metodologias que sejam à prova de bala. Isto é mais arte do que ciência.
E com isso acha que o Governo vai ter de rever as metas que estavam previstas inicialmente até ao final do ano, nomeadamente em termos de crescimento económico, exportações, etc.?
Não me parece que o crescimento económico, até ao final de 2022, vá ser afetado e também não me parece que o grande drama venha já. O grande drama será em 2023, porque, em cima de tudo isto, teremos este potencial agravamento da situação do gás, nomeadamente no norte da Europa, na Alemanha e em outros países que já está a criar enorme perspetiva de recessão. Ou seja, o risco de recessão no norte da Europa tem a ver com as políticas do banco central, mas também tem muito a ver com este apertar da situação por causa do gás que os russos estão a ameaçar.
E se isso acontecer vamos ter a partir do inverno um fator adicional que é uma desaceleração muito forte do norte da Europa, que obviamente vai passar para Portugal e para as empresas portuguesas. As empresas portuguesas exportam para a Alemanha, para a França e se a Alemanha e a França arrefecem, as empresas portuguesas vão exportar menos.
Esse é um terceiro fator, além destes efeitos de poder de compra no curto prazo, além destas políticas do Banco Central e, com efeitos nas taxas de juro, temos ainda este aperto do gás no norte da Europa que poderá gerar uma recessão. Mas continuo a achar que esses efeitos vão-se sentir sobretudo em 2013.
Em relação ao problema do gás falou-se na hipótese de Sines e de apostar no gasoduto. Mas é uma solução só para 2025…
Isso é uma estrutura que demora bastante tempo.
Pode ser uma boa solução mas não a curto prazo?
Não me parece.
Tendo em conta que é em 2023 que vão surgir maiores dores de cabeça, o Orçamento de Estado vai ter que refletir essas preocupações. O que seria desejável?
Acho que é fundamental o próximo Orçamento definir essas preocupações. Há aqui um tema que se põe acima disto e que tem a ver com a questão do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Por um lado, temos o Banco Central Europeu a querer arrefecer a economia, a querer tirar um bocadinho de gás para evitar que esta inflação de curto prazo se transmita aos salários e que crie uma espiral inflacionista.
Por outro lado, ao mesmo tempo que o banco central tenta tirar energia à economia, temos um PRR a pôr ainda mais energia na economia. Esta contradição entre aquilo que se está a fazer do lado das políticas do Orçamento e do PRR e aquilo que o banco central está a fazer parece algo que não faz sentido. O primeiro-ministro tinha pedido para adiar as implementações do PRR, acho que tinha sido uma boa medida, mas parece que não teve muito eco.
E a capacidade do PRR de, por um lado, estar a sobreaquecer a economia porque há muitas obras, põe pressão para os salários crescerem, por outro lado, está o facto de estar a ser gasto, como muitos dizem, demasiado depressa e com pouco critério no tipo de projetos que estão a ser feitos.
Isso é uma das críticas das entidades patronais e das associações empresariais e até dizem que as empresas ficarem esquecidas…
Não é só o facto de as empresas estarem esquecidas. É importante perceber onde é que o dinheiro está a ser gasto e, sobretudo, independentemente de ser executado ou não, se daqui a cinco anos vamos olhar para trás e dizer o país mudou porque gastámos aquele dinheiro.
A conversa de hoje é muito sobre executar, não executar, se vamos ter capacidade para gastar ou não gastar e temos que aliviar as medidas de controlo. Gostava de olhar daqui a cinco ou seis anos para trás e dizer que gastámos e gastámos bem e o que país mudou porque o gastámos bem. É essa dimensão que me preocupa.
Mas voltando ao tema, tudo isto vai ter impacto grande no Orçamento, não podemos ter um Orçamento demasiado expansionista, sentido em gastar e ter grandes défices para aquecer a economia quando, ao mesmo tempo, o banco central está a tentar arrefecê-la. E essa é uma primeira condição para o Orçamento: não pode ter grandes défices. Por outro lado, tem que pensar nos diferentes grupos da população portuguesa que estão a fortemente afetados e, como tal, deve preocupar-se mais com os mais afetados.
Uma das soluções que tem sido apontada é a redução da carga fiscal. Poderá passar por aí?
Acho que a redução da carga fiscal é um tema estrutural da economia portuguesa. Ou seja, os portugueses pagam muitos impostos, demasiados impostos, as empresas pagam muitos impostos e isso afeta muito a nossa competitividade, afeta a nossa capacidade de reter talentos.
As pessoas estão-se a ir embora, em grande parte, por causa dos impostos que pagam e esse é um problema estrutural da nossa economia que vai ter que ser resolvido a prazo e com calma. É preciso ver que o problema da inflação é de curto prazo. Ou seja, vai haver aqui dor, mas não é uma dor estrutural, não é dor que vai ficar para sempre.
E como dor de curto prazo temos de ajudar os mais afetados a suportar essa dor. Até porque há uma outra dimensão muito importante e que não nos podemos esquecer é que estamos em guerra, estamos todos em guerra. Uns estão na fila da frente a dar vida, nós estamos aqui atrás a apoiar. É muito importante que os portugueses não sintam que de repente não estão disponíveis para ajudar no esforço de guerra, porque o petróleo, ou o gás ou a vida estão mais caros.
O Orçamento deve assegurar que há uma partilha destes custos para que os portugueses no seu geral, continuem disponíveis, apesar de verem o seu nível de vida e o seu poder de compra caírem, para apoiar esta guerra que não pode ser perdida.
Como vê medidas defendidas pelos partidos de esquerda para haver uma tributação extra para as empresas que apresentem lucros extraordinários, como é o caso das elétricas, das petrolíferas ou da banca?
São situações excecionais que exigem medidas excecionais. O mais importante é que todas as empresas, todos os bancos tenham muita consciência da situação que se vive. Além disso, muitos deles, quase todos eles, tiveram durante a pandemia, perdas muito importantes que têm de recuperar. Isto é uma conversa muito complexa e todos têm que ter consciência que têm que fazer a sua parte.
Acho que o mais importante era o Governo chamar todos, conversarem sobre o assunto e tentarem encontrar soluções que, de alguma forma, todos se sentissem confortáveis, porque também é verdade que as empresas vão ter que contribuir, como todos estamos a contribuir neste esforço que é um esforço de toda a sociedade que é lidar com as consequências da guerra.
Mas não pode ser feito de forma a ficarmos todos uns contra os outros, isso ainda seria pior, principalmente numa situação de guerra. Tem de ser uma situação em que o Governo assuma essa liderança, que fale com todos e que todos – pessoas e empresas – percebam que os sacrifícios têm de ser partilhados.
Esses lucros também se refletem nos cofres do Estado através do pagamento de impostos…
Acho que todos temos de perceber que estamos numa situação em que há uma guerra, onde não estamos, mas que nos afeta, cujo resultado final é fundamental. Não é olharmos para isto para vermos como chegámos a uma crise económica e como se resolve.
Toda a sociedade portuguesa e todos nós na Europa estamos envolvidos nesta guerra, que tem de chegar a um ponto em que, mais importante do que algumas dificuldades que traz, é que a democracia na Europa seja estabelecida e que a paz seja estabelecida.
E como vê desafios como, por exemplo, da SEDES, que no seu livro quer duplicar o PIB? Agora quer triplicar, porque já ficámos para trás em relação a outros países europeus com a nossa dimensão. Com esta instabilidade vai ser um objetivo mais difícil de concretizar?
Não porque falam há 20 anos. Se nada fizermos vamos continuar assim nos próximos 20 anos, que se reflete na falta de competitividade da economia portuguesa, das empresas portuguesas, do Estado português. Só aumentando a produtividade do país é que é possível subir os salários portugueses e o seu nível de vida com vista a acompanhar aquilo que se passa em outros países da Europa, nomeadamente com quem nos devíamos estar a tentar comparar. Nos últimos anos temos ficado para trás e não vamos resolver isso em 2022 e em 2023. Mas os planos da SEDES são a 20 anos e é um tema do qual vale a pena falar nos momentos certos.
Mas para isso é necessário fazer algumas reformas…
Reduzir a carga fiscal para sermos mais competitivos é certamente uma das questões, como já pagamos muitos impostos, demasiados impostos para um país com o nosso nível de vida de rendimento, tanto para as pessoas, como para as empresas. Mas o Estado também tem de se tornar muito mais eficiente. Temos ainda a questão da saúde, a capacidade do Estado de resolver problemas de uma forma eficiente, de baixo custo para não tributar demasiado.
E o Governo continua a dar sinais de desgaste? Essa semana assistiu-se à demissão da ministra da Saúde…
Se calhar não se deve perder uma boa crise. Estes desgastes são, se calhar, a melhor altura para o Governo apresentar esta visão e mudar completamente o paradigma do atual estado das coisas. Também as empresas têm de ser mais ambiciosas, devem-se tentar internacionalizar mais e o Estado também tem de as ajudar nessa tarefa. No entanto, acho que temos esse potencial. Temos uma geração muito bem preparada.
Os alunos que passam por aqui estão ao nível dos melhores do mundo. Temos um país que tem uma diferença competitiva relativamente ao lifestyle que pode oferecer e que é verdadeiramente único e que atraia aquilo que faz funcionar a economia portuguesa, que é o turismo e o facto de haver muitas pessoas que estão a vir viver para Portugal.
O talento é petróleo do século do século XXI. Se conseguirmos usar essas vantagens e resolver os nossos problemas ao ponto de pôr um Estado a funcionar melhor, as empresas a quererem mais na sua visão internacional e chegar mais longe acho queo país pode cumprir aquilo que a SEDES diz. Esse devia ser o objetivo do país, porque não faz sentido estarmos há 20 anos a perder lugares e continuarmos mais 20 anos a perder lugares.
Não há nenhuma razão estrutural para isso. Portugal é um país que funciona, é um país de pessoas com uma capacidade incrível de fazer, em que as pessoas vão para fora e ficam sempre nos melhores lugares. Agora é preciso fazer aquilo que tem de ser feito.
Essa falta de reformas deve-se a falta de vontade política, de estratégia ou de visão?
Falta de ambição e de confiança. Falta de ambição em querer atingir aquilo que a SEDES propõe e de confiança para levarmos a cabo as medidas que têm de ser feitas. Temos de ser capazes de fazer projetos muito ambiciosos, correndo o risco de falhar.
Tendo em conta que temos um Governo de maioria absoluta será mais fácil essas mudanças?
Absolutamente. Obviamente que esta questão da guerra não ajudou, veio distrair o Governo neste foco no longo prazo, mas uma maioria absoluta é uma situação importante que o país não devia desperdiçar. Não há razão nenhuma para as reformas que são precisas não acontecerem. Agora é preciso uma visão muito clara, um plano muito claro sobre o que é sucesso e o que não é.
No dia em que houver essa visão, essa vontade, os portugueses vão estar muito mais disponíveis para fazerem os sacrifícios que são precisos, para fazerem as reformas, para fazerem tudo aquilo que seja necessário. As reformas só podem ser medidas, no sentido de serem um caminho para um lugar onde queremos todos chegar. E acho que esse lugar não é óbvio para todos.
É como se fosse uma espécie de desígnio nacional?
É a única condição para termos melhores salários. Hoje a sustentabilidade é um ponto fundamental. Temos alguns destinos turísticos que deviam ser líderes na sustentabilidade. É esta visão que que depois vai fazer com que os portugueses adiram e estejam dispostos a fazer os sacrifícios que as reformas exigem.
Falou no turismo que é considerado um dos grandes motores de crescimento da economia portuguesa. Mas há muitas vozes críticas a dizer que devia haver uma maior em outras áreas…
Um país não pode depender só do turismo e mesmo dentro do turismo tem que arranjar forma de fazer um turismo com cada vez mais qualidade e maior valor acrescentado, pois só assim é que é possível pagar melhores salários aos seus trabalhadores. O turismo vai ser sempre uma indústria fundamental para o país.
No entanto, o país não pode ser só turismo, tem que desenvolver outras indústrias. Mas isso já se está a verificar na economia portuguesa. Há muitas novas indústrias a surgirem um pouco por todo o país, muitos jovens a terem novas ideias, muitos a irem para a agricultura. Há muita energia. É preciso é que esta energia que hoje não chega à massa do país chegue para todos.
Este ímpasse em torno do novo aeroporto de Lisboa não penaliza este setor?
Nada disto faz sentido. Isto é uma decisão que tem que ser tomada e tem que se fazer. Cada mês que demoramos a tomar a decisão atrasamos os destinos do país. É assim que as coisas têm de ser pensadas.
Mas andamos a discutir isso há anos e há quem diga que é uma espécie de desporto nacional…
Temos de ver este aeroporto como uma obra importante, como um pilar de uma grande visão que se quer para Portugal.
Depois temos outro problema, que é a falta de mão-de-obra e não é só no turismo, mas em todos os setores…
A partir do momento em que se levanta esse problema temos de o resolver. E se tivermos uma visão podemos começar a descascar e a resolver os problemas um de cada vez. Temos problemas de mão-de-obra. Então onde é que ela está? Vamos arranjar forma a trazer para Portugal. Isto é como descascar uma cebola. São diferentes camadas de um grande projeto para Portugal, mas temos de estar todos de acordo sobre ele.
As Conferência do Estoril regressaram e contaram com a presença de vários líderes mundiais. É importante para fazer uma espécie de raio-X do que é que pode ser feito?
É a minha esperança. As conferências já existem há dez anos. Esta é a sétima edição. O que se percebe é que à medida que os anos foram passando e as conferências foram-se realizando, o mundo tornou-se cada vez mais desequilibrado. Parece que as coisas acontecem de formas que não percebemos porquê, nem como acontecem e de repente estamos a lidar com crises umas atrás das outras. A questão fundamental é que é preciso começar a conversar sobre isso. O grande drama é aquilo que o mundo foi na segunda metade do século XX, com instituições muito fortes, com Estados a funcionarem bastante, a entregarem valores aos seus cidadãos, a gerirem os problemas das desigualdades.
Mas tudo isso deixou de existir porque aconteceram muitas mudanças, mudanças até bastante positivas, nomeadamente o desenvolvimento da tecnologia, a própria globalização, mas houve outras mudanças mais negativas, como a questão do clima. E essas mudanças fizeram com que as instituições que tínhamos e que faziam funcionar as nossas democracias, nomeadamente as democracias ocidentais liberais deixaram de funcionar. Por exemplo, as eleições serviam para evitar que líderes menos equilibrados, por assim dizer, conseguissem chegar ao poder e hoje chegam ao poder. Estas instituições deixaram de ser tão eficientes e de terem tanta legitimidade como tinham no passado.
E nestas situações, as instituições ficaram mais frágeis e é importante discutir sobre a forma para se tornaram mais fortes. Estou à frente de uma escola de Business School, de líderes para repor este equilíbrio no mundo. Líderes que percebam os desafios da humanidade, que perceberam que é preciso construir instituições, que percebam que não vale a pena andarmos aqui só uns contra os outros, a ganhar mais cinco ou menos cinco, porque isso não vale a pena se o mundo ficar desequilibrado. Essa conversa é importante nestas conferências, sobretudo tendo lugar na Nova SBE, para ver-mos como podemos alterar os perfis dos líderes que criámos.
Criámos líderes no passado muito baseados no ‘eu contra ti’, ‘tu contra mim’. Tudo é competição, tudo é conflito, tudo é tensão. Acho que temos que, de alguma forma, pensar como é que vamos criar líderes com mais capacidade de perceber, não só os microcosmos onde estão, mas a sociedade e o mundo e como é que esse equilíbrio no mundo se repõe. Caso contrário, vamos ser os maiores de coisa nenhuma, porque tudo fica desequilibrado, tudo fica instável, tudo fica difícil e achamos que somos os maiores, mas não somos.
Essa receita já conhecemos…
Acho que essa visão até funcionou durante a segunda metade do século XX, porque havia instituições que controlavam e evitavam abusos. Na parte da economia há uma autoridade da concorrência que tem um papel e que consegue disciplinar as empresas, mas hoje já não consegue disciplinar as empresas digitais. Na política havia um conselho de ações unidas que, de alguma forma, geria a paz hoje já não o consegue fazer.
Estas entidades que criámos tornaram-se muito ineficazes, perderam a sua legitimidade e sem elas, temos de alterar as lideranças As escolas, como a nossa, devem ser responsáveis por formar esses líderes. E nós também temos de assumir essa responsabilidade e formar líderes com maior capacidade para repor o equilíbrio no mundo.
É isso que tem defendido também que as escolas de negócios têm de deixar de estar centradas em si e abrirem-se ao mundo?
Sim. Abrirem-se ao mundo é uma condição necessária. Mas, mais do que se abrirem ao mundo é preciso mudar a forma como medimos o impacto dos nossos alunos. E a forma como desenvolvemos os nossos alunos tem de ter como objetivo criar líderes que tragam mais equilíbrio de volta a este mundo que está de facto desequilibrado.