Depois de um pacote de medidas destinadas às famílias de 2,4 mil milhões de euros, o Governo anunciou ontem apoios no valor de 1,4 mil milhões de euros para as empresas, com o ministro da Economia a reconhecer que “estamos a viver uma situação geopolítica complicada” e que este plano foi desenhado “para responder a esta crise”. De acordo com António Costa Silva, “estamos a abandonar uma era de globalização para entrar numa era nova, em que se assiste a crescentes tensões geopolíticas, fragmentação das cadeias”, o que, no seu entender “exige serenidade e rigor” aos decisores políticos.
Uma das medidas destinadas às indústrias intensivas no consumo de gás passa por reforçar o programa que já existia de 160 milhões de euros para 235 milhões de euros. O plafond destinado a cada empresa sobe de 400 mil para 500 mil euros. Mas está em processo de avaliação a possibilidade de um apoio de dois milhões de euros para todas as empresas que tenham custos de gás mais elevados. E podem chegar aos cinco milhões com vista à manutenção de atividade industrial e no caso de as empresas terem tido perdas.
Além disso, o programa de apoio é estendido a duas indústrias que até agora não estavam aptas a beneficiar do mesmo: a indústria transformadora e agroalimentar, que terão acesso a cerca de 15 milhões de euros.
Ao mesmo tempo, o ministro da Economia anunciou o reforço da linha de crédito em 600 milhões de euros, através de garantia mútua com prazo de oito anos. Operacionalizada pelo Banco de Fomento, a linha estará acessível a todos os setores a partir da segunda quinzena de outubro. “É uma linha abrangente, não só para os setores envolvidos com custos de energia elevados, mas também para os setores com outros efeitos da cadeia de abastecimento e das matérias-primas”, referindo que “cobre o comércio e os serviços”.
Também o transporte ferroviário de mercadorias vai ser alvo de apoios, com subvenções diretas por locomotivas a diesel de 2,64 euros por quilómetro e a tração elétrica com 2,11 euros por quilómetro. A medida está avaliada em 15 milhões de euros.
Entre as medidas fiscais estão a suspensão temporária dos impostos no gás usado na produção de eletricidade e cogeração e a majoração em 20% em sede de IRC dos gastos com eletricidade, gás natural, compra de fertilizantes e alimentação para animais. Para António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, “é um instrumento do ponto de vista fiscal mais adequado às empresas. Aquilo que estamos a fazer é atuar na diminuição do resultado fiscal que as empresas possam vir a ter”.
E ficará suspenso, até ao final do ano, o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP) – mas só para empresas – e a taxa de carbono sobre o gás natural utilizado na produção de eletricidade e cogeração. Esta medida fiscal, avaliada em mais de 25 milhões de euros, terá uma execução imediata.
Também o setor social vai contar com uma linha de financiamento específica no valor de 120 milhões de euros, com duração até dezembro de 2023, “para as IPSS fazerem face às necessidades e exigências sobretudo para a execução dos programas de investimento, em particular do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”. E, ao mesmo tempo, está prevista uma comparticipação financeira de cinco milhões de euros para o setor social, com vista a apoiar as instituições do terceiro setor ao nível da fatura do gás.
Recusa layoff e afasta para já taxar lucros extraordinários De acordo com o ministro da Economia, está prevista a aprovação de apoio ao emprego ativo e à qualificação dos trabalhadores. Costa e Silva afasta a ideia de voltar a implementar o regime de layoff – solução usada durante a pandemia. “Vamos ter formação no contexto de produção no local de trabalho para manter a atividade. É um pacote de 100 milhões de euros”, anunciou.
Já em relação à hipótese de avançar com um imposto extraordinário sobre as empresas com lucros excessivos “é sempre uma opção em cima da mesa”. No entanto, lembra que Portugal conta com especificidades no sistema fiscal, nomeadamente a contribuição sobre empresas de energia. “Temos de ter cuidado no desenho das medidas”, ressalvou o governante durante a apresentação de apoio às empresas no valor de 1400 milhões de euros.
Também o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assumiu que “nunca o Governo colocou essa hipótese de parte”. Porém, acrescentou que este não é o momento oportuno para falar disso: “Não podemos estar a anunciar simultaneamente medidas de apoio às empresas e falar de taxar empresas”. E afirmou também que o Governo vai atuar dentro da margem que tem disponível. “Temos que nos preparar para uma situação que não vai passar rapidamente, é absolutamente estrutural de mudança em relação àquilo que são os preços de energia e esses convocam todos a que tenham que se adaptar a nova realidade”, remetendo para o próximo Orçamento de Estado o anúncio de “medidas mais estruturais em termos de capitalização”.
Patrões apontam críticas As confederações empresariais reconhecem que as medidas anunciadas pelo Governo vão ao encontro das preocupações que têm sido transmitidas, mas criticam o timing, lamentam a falta de medidas fiscais e acenam para o risco do aumento do endividamento. Para a Confederação Empresarial de Portugal, “perante as dificuldades provocadas pelo aumento persistente e prolongado dos custos das empresas, a CIP considera que as medidas anunciadas, que terão de ser executadas imediatamente, sem perdas de tempo e sem as tradicionais burocracias que tudo dificultam, podem ajudar as empresas de diversos setores a gerir melhor as dificuldades, nalguns casos extremas, que enfrentam e ameaçam a sua sobrevivência e, por conseguinte, a manutenção do emprego”.
E apesar de elogiar os incentivos que favorecem os investimentos destinados à transição e eficiência energéticas, a majoração dos custos em sede de IRC e o alargamento dos apoios ao setor agroalimentar, a entidade liderada por António Saraiva critica a linha de empréstimos de 600 milhões: “As empresas não precisam de mais endividamento”.
Também a Associação Empresarial de Portugal (AEP) lembra que a linha de apoio à liquidez da tesouraria anunciada pelo ministro, que irá funcionar através do Banco de Fomento, só vai ser disponibilizada partir da segunda quinzena de outubro. “A par dos critérios que terão de ser conhecidos porque farão toda a diferença há aqui também um problema que é a questão do tempo”, diz ao i Luís Miguel Ribeiro. E acrescenta: “Se a linha é disponibilizada na segunda quinzena de outubro, depois as empresas terão de fazer todo o processo de candidatura, é preciso a emissão das garantias, etc. Isso significa que as empresas provavelmente só vão poder contar com este apoio perto do final do ano, quando a necessidade e a urgência é agora”.
Já a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CCPME) acusa o Governo de insistir no “endividamento das empresas” e queixa-se de que as medidas anunciadas não respondem ao aumento dos custos das empresas, defendendo que as medidas “ignoram em absoluto” muitas micro, pequenas e médias empresas. E considera que a única medida “adequada” às micro e PMEs é o programa de formação no contexto de produção no local de trabalho para manter a atividade, enquanto todas as outras “não são adequadas ao aumento global dos custos com matérias-primas e energia (combustíveis, eletricidade, gás natural e gás propano) que se tem vindo a verificar”.