Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
O Governo lançou as cartas em relação à possível localização do novo futuro aeroporto de Lisboa, mas deixou quase tudo em aberto. A Comissão Técnica, nomeada pelo Executivo, vai estudar cinco soluções, podendo ainda propor mais, se assim o entender. Vão ser estudadas localizações únicas e soluções duais e o trabalho só deve estar concluído no final de 2023.
Em causa está a solução em que o aeroporto Humberto Delgado fica como aeroporto principal e Montijo como complementar, uma segunda em que o Montijo adquire progressivamente o estatuto de principal e o Humberto Delgado de complementar, uma terceira em que Alcochete substitui integralmente o aeroporto Humberto Delgado, uma quarta em que será este aeroporto o principal e Santarém o complementar e uma quinta em que Santarém substitui integralmente o Humberto Delgado.
Hipóteses que não agradam a Pedro Castro, diretor da Sky Expert e docente em gestão turística. «Do que sinto sempre falta é da opção de não ter novo aeroporto. Nem é tanto por não se chegar à conclusão, é simplesmente porque as coisas mudam completamente e mudam nestes termos: se fizermos uma análise prospetiva, o que temos de perguntar é como é que se vai fazer a deslocação aérea, como é que vai ser o transporte aéreo daqui a 10 anos, ou seja, é mais ou menos quando houver um aeroporto novo», diz ao Nascer do SOL.
E vai mais longe, ao defender que o aeroporto em si não serve para nada. «Temos de pensar como é que se vai voar daqui a 10 anos e tudo indica que estamos a caminhar para uma revolução tecnológica na área da aviação que vai ser disruptiva. Estamos a falar, hoje em dia, de aviões que descolam verticalmente, de aviões que não precisam de pistas tradicionais, estamos a falar de ‘uberaviões’. No fundo uma ‘uberização’ do transporte aéreo. E, neste momento, estamos a avaliar um aeroporto tradicional. Não vejo esta análise a ser feita. Vejo todos a dizer que se debate isto há 50 anos, mas mas não vejo discutir o aeroporto que vamos precisar em 2050».
Pedro Nuno Santos ‘escapa’ destas tendências em relação a que tipo de infraestrutura vamos precisar e prefere garantir que «quem decide onde vai ser o aeroporto da região de Lisboa é o Estado português e o Governo», afastando assim a hipótese de ser uma empresa a escolher a sua localização. E só depois de ficar decidida a sua localização, após a avaliação de impacto ambiental é que será levada a cabo «a sua concretização».
Portela com maior urgência
Para Pedro Castro, mais urgente do que encontrar uma nova localização é melhorar o atual estado do aeroporto de Lisboa, lembrando que o investimento nesta infraestrutura está parada há mais de 5 anos. «Parece que há uma intenção quase de sabotar aquele aeroporto, de deixá-lo a cair. Isto é, ficar tão podre que as pessoas pensam que há uma necessidade, o que não corresponde à verdade».
De acordo com o especialista, há situações na Portela que podem ser resolvidas. Um desses casos é a existência de 100 slots da TAP que não são utilizados. «Isso não faz sentido quando falamos que estamos com um aeroporto congestionado».
É certo que o ministro das Infraestruturas garantiu que o espaço vai ser alvo de investimento, uma vez que «o novo aeroporto vai demorar» e defende que «as obras na Portela [Humberto Delgado], não permitindo aumentar a capacidade do aeroporto, vão permitir pelo menos aumentar a fluidez do funcionamento da operação aeroportuária», indicou. De acordo com Pedro Nuno Santos, desta forma irá conseguir «ganhos do ponto de vista de atrasos» através de um «investimento que aumentará o conforto do passageiro». No entanto, reconhece que esta medida «implica investimento e implica alterar as bases da concessão» com a ANA – Aeroportos de Portugal, detida pelo grupo Vinci, ainda assim, referiu que é possível «chegar a um valor» para este investimento, chegando a um «entendimento» com a concessionária.
Pedro Castro lamenta a decisão de só agora fazer obras no aeroporto de Lisboa. «Só agora é que diz isso?», questiona, acrescentando que, o ministro o deveria ter dito em 2017, ou em 2018 ou em 2019. «Devia ter tomado essa iniciativa quando se começou a falar que o aeroporto estava esgotado. Agora hoje percebemos isto até porque já vieram informações a público a dizer que o ministro das Finanças, na altura, bloqueou qualquer iniciativa neste sentido». E não hesita: «Havia uma intenção clara de sabotar qualquer melhoria no aeroporto de Lisboa porque isso iria sabotar a própria intenção de desconstruir o aeroporto. Se tivéssemos o aeroporto de Lisboa atualmente resolvido, limpo, tudo tranquilo, ninguém sentiria esta necessidade», refere ao nosso jornal.
E aplaude João Soares que já referiu que o Aeroporto Humberto Delgado está longe de estar esgotado. Recorde-se que, o ex-autarca, ao Nascer do SOL já tinha lamentando que «essa história esteja a ser repetida há mais de 50 anos». O antigo presidente da Câmara da capital recorda: «Tenho vindo a dizer isso desde que fui autarca em Lisboa e já saí da Câmara em 2002».
A solução, no seu entender, passa por resolver o problema na aerogare, ao referir que a infraestrutura tem duas pistas: «A primeira, mais antiga, é a 1735, mas está inoperacional, e depois tem a 0321 que é uma pista de altíssima qualidade». No entanto, reconhece que esta segunda tem o entrave de não ter taxiway – percurso que os aviões fazem fora da pista, antes de descolar ou depois de aterrar – que é um dos problemas colocados ao tráfego aéreo, sobretudo nas horas de maior expediente.
Também Pedro Castro recorda as declarações de Ferreira do Amaral, enquanto ministro das Obras Públicas que afirmou na Ota que, quando Lisboa chegasse aos 16 milhões de passageiros, esgotava. «Lisboa, em 2019, teve 31 milhões de passageiros. Se tivéssemos acreditado em Ferreira do Amaral em 95, ou se tivesse acontecido aquilo que disse, na altura, nunca estaríamos aqui para dizer que mentiu ou que estava errado. Afinal o aeroporto não acabou nos 16 milhões. Temos de ter a consciência que há aqui uma vontade política muito grande de desacreditar este aeroporto, de fazer o mais possível, inclusive não fazer qualquer investimento e deixá-lo a cair de podre para impingir a tal solução. E isto não é coadunável com a agenda climática que vamos ter que fazer. Isto é um compromisso europeu que Portugal assumiu que é a descarbonização da economia. Não entendo como é que se descarboniza uma economia construindo algo que vai carbonizá-la ainda mais», concluiu.