Ana dos Olivais. “É um retrato fiel daquilo que é a realidade de muitos jovens”

A história da Ana dos Olivais tornou-se viral nas redes sociais. Já alcançou mais de cinco milhões de visualizações nas várias plataformas, com maior sucesso sobretudo no TikTok e Instagram, as mais usadas pelos jovens.

A segunda ronda de perguntas ao primeiro-ministro durante o primeiro dia de debate parlamentar do Orçamento de Estado para 2023, na generalidade, ficou marcada por uma protagonista desconhecida: a Ana dos Olivais, lançada para a discussão por Alexandre Poço. O deputado do PSD e líder da Juventude Social-Democrata (JSD) confrontou António Costa com a história de vida de uma personagem hipotética, de 25 anos, a quem deu o nome de Ana, que vive na freguesia dos Olivais, em Lisboa, e nasceu a 26 de outubro de 1997, quando António Costa já era secretário de Estado no primeiro Governo de António Guterres. Um mês depois, ainda a Ana “não comia sopa”, já Costa subia a ministro, primeiro dos Assuntos Parlamentares, depois da Justiça no segundo Executivo de Guterres, cargo onde ficou até a Ana fazer cinco anos, “quase a entrar na primária”.

Em 2005, Costa voltou a ser ministro desta vez da Administração Interna, no primeiro Governo de José Sócrates. Uma pasta que tutelou até 2007, quando a Ana estava a entrar no 5.º ano de escolaridade. Nesse mesmo ano chegou a presidente da Câmara de Lisboa. Só saiu do Executivo camarário quando a jovem entrou no secundário. E quando esta já frequentava o 1.º ano na faculdade, em novembro de 2015, Costa tornou-se primeiro-ministro.

Na narrativa criada pelo social-democrata, a Ana acabou a licenciatura, tirou um mestrado e começou a trabalhar. Contudo, “tal como um em cada três jovens, provavelmente, recebe o salário mínimo” e, tendo em conta a “média nacional”, só sairá de casa dos pais quando tiver mais de 33 anos. Por essa razão, “provavelmente só conseguirá ter um filho” em linha com a média nacional. Mas mais: “Ainda é mais provável e mais triste que a Ana, por já não suportar esta situação, acabe, como um em cada cinco jovens portugueses, a emigrar”. 

Em menos de uma semana, a parábola foi difundida em vídeo pelo deputado do PSD nas redes sociais e tornou-se viral. Até esta segunda-feira, acumulava mais de cinco milhões de visualizações nas principais plataformas. Alcançou 93,2 mil visualizações no Twitter e 149,8 mil no Facebook, entre as páginas de Alexandre Poço e da JSD. Mas foi no Instagram (3,1 milhões) e no TikTok (1,8 milhões), as plataformas mais usadas pelos jovens, onde fez mais sucesso. O vídeo foi amplamente partilhado e já tem uma etiqueta (hashtag) própria #SomosTodosAna.

“A quantidade de pessoas que vi a partilharem este vídeo, muitas sem qualquer filiação política, mostra bem o quão próxima a realidade dos jovens portugueses é com a da Ana”, escreveu uma internauta no Twitter.

Essa é também a leitura que faz Alexandre Poço: “Acredito que muitos jovens se reveem nas críticas que fiz a António Costa. Tenho entre centenas a milhares de mensagens em todas as minhas redes sociais, em que o principal testemunho que estou a receber é de muitas pessoas se sentirem representadas nesta Ana dos Olivais, porque consideram que esta personagem que retratei é um exemplo fidedigno daquilo que infelizmente caracteriza a vida de muitas pessoas”, confidencia ao i.

Apesar de nunca ter esperado que a sua intervenção se tornasse viral, manifesta em parte alguma satisfação por sentir que ainda é possível ter um discurso político que diga alguma coisa às pessoas, mas lamenta que a personagem que recriou não seja uma realidade imaginada. 

“É uma realidade que nas últimas décadas tem gerado muitas Anas dos Olivais. Depois de ter visto o alcance mediático mas também nas redes sociais, estes números impressionantes fazem-me pensar que o meu discurso e a confrontação que fiz com António Costa teve este alcance porque na realidade a Ana dos Olivais é um retrato fiel daquilo que é a realidade de muitos e muitos jovens de vários pontos do país”, calcula. 

Sublinhando que “há uma maior adesão quando na política se fala daquilo que é a vida concreta, dos problema reais, das aspirações de qualquer jovem em Portugal”, diz que depois é importante que na oposição se consiga “canalizar” essa força para “trabalhar para um país diferente no futuro” que leve as pessoas a “deixarem de acreditar que o país tem de estar sempre permanentemente adiado”. 

“Este ressentimento, esta frustração e este exigir de responsabilidades ao PS e a António Costa em particular tem de ser canalizado para que as pessoas acreditem que não tem de ser assim”, reforça. É nesse sentido que a JSD também irá lançar iniciativas próprias agora na fase de apresentação de propostas de alteração ao Orçamento do Estado “para verificar qual é a abertura do PS para considerar novos caminhos para as novas gerações, nomeadamente em termos de rendimentos, em particular com um regime fiscal próprio para os jovens”, adianta o social-democrata.
 

O conselho de Costa O primeiro-ministro não deixou a Ana sem resposta, começando por apontar que a jovem beneficiou de um executivo socialista que apostou na ciência há 25 anos, da extensão da obrigatoriedade do ensino até ao 12.º ano de escolaridade, e que cresceu numa cidade “que já não estava a cair aos pedaços”. Agora, argumentou António Costa com o Orçamento para 2023 em mente, a Ana vai poder ter “uma forte diminuição na tributação em IRS” e o reforço de 30% no programa porta 65. E a terminar, o chefe do Governo deixou-lhe ainda um “grande conselho”. “Nunca vote no PSD, porque arrisca-se a ter um primeiro-ministro que a convida a emigrar. Se não votar no PSD, vai continuar a ter um primeiro-ministro que prosseguirá a lutar para que não emigre.”

Contudo, para Alexandre Poço, a Ana não tem motivos para sorrir porque “a realidade não muda com discursos de propaganda”. “A resposta do primeiro-ministro é expectável, é um misto de propaganda com jogo partidário. Mas falando com as pessoas essa propaganda tem pouca adesão. Os números da emigração, o número de jovens a receber o salário mínimo e a idade média de saída da casa dos pais demonstram isso”, remata.