“Há uma continuidade nos valores, há uma rutura na forma de gerir o partido”

Para a deputada e também candidata à liderança da Iniciativa Liberal, o partido  não deve ‘andar com guerras internas e com divisões’. E não hesita: ‘Temos uma agenda liberal para cumprir e um país para ganhar’.

Por Joana Mourão Carvalho e Sónia Peres Pinto

A candidata à liderança da Iniciativa Liberal revela que sentiu muitos apoios para avançar, mas não perde de vista o seu objetivo: «Fazer crescer a Iniciativa Liberal». Acredita que o partido tem muito espaço de manobra para crescer, mas, para isso, reconhece que é preciso descentralizar a área de atuação e ir além das bandeiras do partido: «A Iniciativa Liberal não pode ser só associada à parte da fiscalidade. Tem de ir para outros territórios, nomeadamente económicos e sociais, e tem de ter bandeiras sociais para temas que não têm sido colocados em cima da mesa», lembrando que «as liberdades sociais fazem parte do programa e vão ter de ser assumidas», nomeadamente a liberalização das drogas leves.

Carla Castro diz que nunca teve ambições de liderar o partido, mas reconhece que as circunstâncias mudaram. «No dia seguinte às eleições», garante, «continuaremos com toda a força e a colocar mais bandeiras na agenda liberal», pois considera que só assim é possível «marcar mais a agenda política».

Ao contrário do candidato rival não sugere qualquer data para realizar eleições e promete que irá aceitar o que for decidido no próximo Conselho Nacional. 

A Iniciativa Liberal viu-se agora confrontada com a decisão de Cotrim Figueiredo de sair da liderança e de não se recandidatar. Estava à espera? 

Para mim foi uma surpresa, quer a convocação de eleições, quer a demissão.

Em que momento é que soube? 

Na reunião da Comissão Executiva no domingo, onde foi anunciada a demissão do João, a decisão da sua não recandidatura e a demissão dos dois vice-presidentes, colocando a Comissão Executiva como demissionária.

O candidato rival terá sabido 15 dias mais cedo…

Já assumiu publicamente isso, mas falámos na segunda-feira ao final do dia, onde me confirmou que já sabia dessa decisão há duas semanas. Não é especulação, já é um dado confirmado.

Sentiu-se pressionada para avançar? 

Senti muitos apelos para avançar. Considerei que a minha candidatura poderia ser uma mais-valia para fazer crescer a Iniciativa Liberal. Tem de ser esse o nosso princípio, fazer crescer o liberalismo. Houve muitos apelos internos e externos para avançar. Isso fez parte da minha ponderação, mas nunca é uma decisão fácil. 

Até aqui tinha dito que não tinha qualquer ambição de chegar à liderança. O que mudou? 

A circunstância é que mudou. Não era uma ambição, não era algo que procurasse, avancei por necessidade e para representar uma alternativa à própria gestão do partido, por considerar que há necessidade de haver maior descentralização, uma forma diferente de conduzir as coisas, de unir para dentro para conquistar mais votos lá fora e para querer no partido aquilo que defendemos no país. Essa alternativa é importante, ainda para mais, num partido liberal, onde a concorrência, a pluralidade é algo importante.

Não corre o risco de dividir ainda mais o partido, tendo em conta que uma das candidaturas conta com o apoio da atual direção? 

Isso depende sobretudo da maneira como for feita a campanha e como os próprios candidatos se apresentem. Se nos apresentarmos com aquilo que defendo, assente em alternativas para fazer crescer o partido, dotarmos mais as nossas estruturas para funcionarmos melhor internamente e conquistarmos mais o país, temos aqui uma oportunidade para mostrar o que os liberais sabem e do que podem ser capazes. E isso pode ser uma forma de afirmação no espaço liberal.

Mostrarmos que é um partido com muita gente válida, nunca foi um partido de uma pessoa só e mostrarmos que há essas alternativas. Neste caso até pode engrandecer o partido. Claro que tudo dependerá da forma como irá decorrer a campanha, mas pela minha parte é isto que quero: afirmar o liberalismo, afirmar a Iniciativa Liberal e mostrar o que podemos ser. 

Não sente que há uma grande rotatividade, tendo em conta que o partido é recente para ter tantas mudanças de liderança? 

Não, acho que é natural e se há algo que é muito bom na Iniciativa Liberal é ter uma consistência e uma coerência, quer nos valores, quer nos programas. Não somos um partido de uma pessoa só e essa rotatividade de liderança não tem de representar uma instabilidade. Crescer de forma sustentável é muito importante e o liberalismo tem muito espaço para crescer. O que está agora em cima da mesa são duas candidaturas e é preciso ver quem tem mais condições para fazer crescer a Iniciativa Liberal. Não é dividir, é multiplicar. É preciso colocar as reformas e as ideias liberais mais na agenda política.

Podemos estar perante um cenário de rutura ou de continuidade? 

Há uma continuidade nos valores, há rutura na forma de gerir o partido. É preciso ter uma gestão mais descentralizada, participativa e avançar com um conjunto de reformas concretas. Mas não tem de ser rutura, no dia seguinte temos de estar todos unidos para crescermos. Não podemos na Iniciativa Liberal andar com guerras internas e com divisões. Temos de analisar as diferenças, juntar o que temos em comum e lutarmos lá fora. No dia seguinte às eleições vamos estar todos a fazer crescer o partido e, por isso, o próprio processo e a discussão ao longo da campanha são muito importantes. 

Cotrim Figueiredo disse que não tem o perfil adequado por ser necessário ter um rosto mais populista. Sente que tem esse rosto?

Não sou populista, sou reformista. O que é ser popular? Ser popular é ser superficial? Ser popular é fazer política mais associada a demagogismos ou populismos? Claramente não vou por essa linha. Se ser popular é fazer crescer o liberalismo, então aí sim. 

Dá a ideia que é preciso apostar mais nos soundbytes….

Se há coisa que me é reconhecida, entre outras coisas, é a sustentação, a credibilidade e a coerência. Os soundbytes são interessantes, mas é pouco para um partido que quer ser reformista e se quer apresentar como uma alternativa efetiva à política governativa em Portugal. O soundbyte pode ser interessante, mas somos muito mais do que isso. Isso não significa que não tenhamos uma matriz de irreverência, de humor e é para se manter. O nosso ADN passa por isso e é para manter essa matriz. 

Diz que é necessário o partido crescer, mas os votos têm sido conquistados no litoral e nas grandes cidades. A mensagem não chega aos outros?

Há aí duas vertentes. Uma vertente interna de gestão e de maior apoio, quer aos núcleos, quer aos autarcas. A ideia é ter uma gestão mais participativa e descentralizada do partido. Por outro lado, uma vertente externa de afirmarmos mais as reformas que temos. Temos, por exemplo, uma política fortíssima, importante para agricultura, para o interior e também representa uma bandeira do ponto de vista ambiental que não tem sido apresentada.

Temos ainda, quer do ponto de vista da mobilidade, quer do ponto de vista do sistema eleitoral muitos temas que são muito importantes, quer para o interior, quer para a coesão territorial, além da bandeira da descentralização. Isto revela que temos soluções e temos políticas. No entanto, temos de ser mais capazes ao nível da ação e de levarmos a todo o país esta mensagem liberal e isso passa pela forma como se gere o partido. 

Então o famoso slogan ‘Menos Estado, Mais Economia’ não passa para todos?

Menos estado para mais economia é um bom ponto para explicar porque é que temos de apresentar mais reformas em mais áreas. A Iniciativa Liberal não pode ser só associada à parte da fiscalidade. Tem de ir para os territórios, nomeadamente económicos e sociais e tem ter bandeiras sociais para temas que não têm sido colocados em cima da mesa e que têm que ser colocados. Um desses exemplos é a liberalização das drogas leves, mas que não tem estado na agenda política. Não podemos ter um país onde há saúde e educação para ricos e para pobres.

A liberalização das drogas leves também é uma das políticas de bandeira de outros partidos, como o Bloco de Esquerda… 

Estou-me a candidatar à presidência de um partido liberal e é um partido liberal do ponto de vista político, económico e social, com uma matriz humanista e tolerante. As liberdades sociais fazem parte do programa e vão ter de ser assumidas e serão assumidas de corpo inteiro. Haverá outros partidos que poderão pontualmente estarem mais próximos de umas coisas, outros mais próximos de outras, mas isso é o caminho dos outros partidos.

O nosso programa é claro: política liberal do ponto de vista político, económico e social. E nesta matriz de valores, insere-se a liberalização das drogas leves, assim como a componente fiscal. Além de outros temas, como podermos subir com o trabalho, termos oportunidades de nos realizarmos, consoante as opções que cada um de nós tiver na sua vida. A vida privada é uma coisa e um liberal preza muito essa liberdade individual. Continuaremos a ser profundamente defensores das liberdades individuais. Durante a pandemia fui bastante interventiva em relação à questão das escolas e das crianças poderem ter as suas aulas presenciais. É importante lutar pelos direitos individuais e pelo desenvolvimento de cada um de nós. 

Nessa altura, assistiu-se a uma grande diferença entre escolas públicas e escolas privadas e entre litoral e interior… 

Não podemos ter uma política governativa que divide mais do que une, que trata diferente e que não permite a igualdade de oportunidades, quer ao longo do país, quer se trate de estruturas públicas, privadas, sociais. Isso para um liberal não pode ser. É preciso haver igualdade de oportunidades para não estarmos presos de onde vimos, para não termos os grilhões a diversos níveis que têm que ser rompidos. 

Disse recentemente que era preciso dar um salto no partido e no grupo parlamentar. Que salto é esse? 

É um salto de amadurecimento. Sempre que há crescimento é preciso passar por uma fase de crescimento, amadurecimento, crescimento, amadurecimento. Neste momento, estamos numa fase, em que havendo eleições é preciso decidir o que queremos para o futuro e há decisões em cima da mesa. Em relação a decisões, por exemplo, queremos ter uma Comissão Executiva com o número mínimo que os estatutos permitem e que serão 15 pessoas. Isto não só permite reforçar os diversos órgãos, como também vamos ter uma Comissão Executiva que vai trabalhar em equipa, em colaboração com outras estruturas.

Ao mesmo tempo, iremos ter uma Comissão Executiva mais pequena e representa um sinal de reforço de outros órgãos, nomeadamente do Conselho Nacional. Esta forma mais descentralizada de colaboração entre as estruturas é um exemplo da proposta que temos para crescer internamente e de forma diferente face ao que temos feito até agora. Mas isso é natural porque foram provocadas eleições e o que temos de decidir é como queremos crescer daqui para a frente. Há mais do que um projeto em cima da mesa é preciso decidir. 

Concorda com o adiamento das eleições para janeiro como tem defendido o outro candidato? 

Não foram garantidas igualdades de oportunidades desde o início e esse erro já não pode ser desfeito. Quem tem a decisão de adiar ou não as eleições será o Conselho Nacional e vou respeitar essa decisão. Não vou colocar nenhuma data em cima da mesa. Vou respeitar a decisão dos conselheiros. O que disse e mantenho é que tomei a decisão com base nos dados em que havia e com base nesses dados considerei que havia condições para avançar. E não é por mim que será adiado. O que temos de decidir e o que gostava que cada pessoa ponderasse é o que acha que é melhor para o partido.

O partido vai beneficiar ou não com mais um mês? E é essa a reflexão que se tem de fazer, mais do que os ganhos ou não de cada uma das campanhas. A verdade é que o processo nasceu mal e não é pelo adiamento que vai ser corrigido. Agora é andarmos para a frente para estarmos em condições qualquer que seja a data. 

Mas pela lógica é a candidatura que sai mais prejudicada. Não seria uma forma de igualar a desvantagem? 

É verdade que teria mais tempo para preparar, dado que estamos a preparar os programas e a equipa. Claro que mais tempo, no limite, até nos poderia beneficiar. Mas não é uma questão de calendário, o que quero transmitir é que estou tranquila em qualquer das opções. Tomei a decisão de avançar. Temos equipa e somos capazes de apresentar as nossas visões e o nosso projeto. E é isso que está em cima da mesa, volto a dizer que o que é importante é pensar no que é melhor ou não para o partido. Não vou propor nenhuma data e aceitarei com tranquilidade o que for decidido no próximo Conselho Nacional. 

A decisão de adiar poderá ser uma forma de Rui Rocha ter mais tempo para se preparar? 

Não sei qual é o motivo, mas se for para correr atrás do prejuízo do início do processo que começou mal não é por aí, agora já é tempo de falarmos nas propostas e como nos vamos diferenciar. O mal está feito e a partir daqui aceito as regras do jogo. 

Curiosamente nenhum dos candidatos foi fundador da Iniciativa Liberal…

Entrei em 2019 e tive uma grande colaboração no ajudar na construção do que tem sido este partido. Estive nas legislativas em 2019 como número nove em Lisboa e depois como número dois em Lisboa. Além disso, enquanto João Cotrim de Figueiredo foi deputado único, contávamos com uma equipa pequena, mas o gabinete de estudos foi fundamental para o trabalho, para a coerência e para a sustentação das nossas políticas.

Em relação a ser fundador ou não, não fui, sendo que estou profundamente grata a quem o fez, porque sem os fundadores não estaríamos aqui hoje em dia. É preciso nunca esquecer que todos no seu tempo tiveram o seu papel e sou uma pessoa, quer agradecida, quer reconhecida pela construção de Iniciativa Liberal. Era importante ter um partido e mais do que um partido, vejo um movimento. O liberalismo tem muito para crescer em Portugal e todos esses contributos ao longo do percurso foram importantes. 

Antes de entrar para o partido nunca tinha tido uma experiência política?

Nunca, zero. Foi a primeira.

O que a levou a entrar para um partido?

A convocação para a ação, querer mudar, achar que era altura também de dar esta participação na área política. Quando concordamos com as coisas, quando achamos que as coisas não estão bem e podemos ter um papel ativo, o devemos fazer é avançar. Foi a minha forma de contribuir.

Sente que partido cresceu demasiado rápido? São as tais dores de crescimento, daí esta instabilidade?

As dores de crescimento fazem parte. Não creio que tenha crescido demasiado rápido. Portugal ainda é pouco liberal, portanto, o crescimento do liberalismo é importante e o crescimento da Iniciativa Liberal é importante. Por isso, o crescimento não foi rápido demais e ainda queremos crescer mais. Queremos crescer com consistência, bem consolidados internamente e, mais uma vez por isso, também é importante dentro do partido unirmo-nos para lutarmos lá fora.

No partido, o importante não é dividir, é multiplicar. É todos sermos participantes nas suas medidas, nas suas vontades, nas suas possibilidades, mas estarmos unidos neste projeto de um Portugal mais liberal. Isso é fundamental. Convocar essa força, essa colaboração de todos, e também dotar, quer as estruturas, quer os membros, de mais informação.

Por exemplo, algo em que me vou diferenciar bastante há de ser na componente da comunicação, quer aos membros, quer aos núcleos e também no apoio aos autarcas. Assim, seremos mais capazes internamente de convocar todas estas energias com propostas concretas, não só ideias no ar, para fazermos este crescimento sustentado, o que é perfeitamente possível.

A lista B não oficializou diretamente o seu apoio, mas já deu abertura para que haja uma plataforma de entendimento com a sua candidatura. Já houve esse contacto? 

Não estamos em negociações com nenhuma lista. Estou a montar a equipa e o programa. Os liberais que se revejam neste projeto, nesta forma descentralizada de gerir o partido, com colaboração e nos valores em que nos revemos, são bem vindos. Neste projeto que lidero quero continuar a respeitar os valores liberais do ponto de vista político, económico e social, numa matriz tolerante e humanista.

No entanto, é natural que haja liberais que se revejam mais numa componente e outros em outra, conforme há muitos oponentes de outros partidos que nos dizem que somos monotemáticos fiscais. Portanto, temos de perceber que o liberalismo é em toda a linha e é isso que vamos defender profundamente e temos bandeiras em todas estas áreas. Os liberais que se revejam neste projeto são bem vindos, mesmo que adiram mais a uma dessas componentes.

Mas têm que respeitar esta matriz. Somos poucos liberais. Insisto muito nesta ideia de que dentro da Iniciativa Liberal somos poucos para o que o país precisa e temos que nos unir para vencermos o país.

Poderá haver uma ala mais conservadora dentro da Iniciativa Liberal a não se identificar tanto com os projetos que defende?

Pode acontecer. E isso pode ser uma decisão de cada um. Cada membro que vai fazer o seu voto, vai decidir em consciência face àquilo em que se revê mais, quer nos valores, quer no projeto de partido. Há aqui várias coisas em cima da mesa: condições para fazer crescer o partido lá fora e há aqui uma ação reformista e de convocação de energia, de positivismo, de tentar colocar realmente as reformas liberais na agenda política.

Para fazer crescer a Iniciativa Liberal é importante ter o partido unido internamente e cheio de força e com capacidade. Temos um potencial enorme nos nossos membros, uma vontade enorme nos nossos simpatizantes. É a partir daqui que vamos fazer crescer o partido. 

Esta semana, Bernardo Blanco em entrevista ao Observador disse que temia que o partido se transformasse num CDS 2.0 se a sua liderança fosse apoiada pela ala mais conservadora…

Há aí algum desfoque. Quem tem de se preocupar com o CDS 2.0 é o CDS 1.0. Estou a candidatar-me à presidência da Iniciativa Liberal. É um partido liberal. A minha preocupação e o meu foco é a Iniciativa Liberal 2.0. É nela que centro as minhas energias e que tem uma matriz clara. A partir daqui, o problema dos outros partidos é dos outros partidos.

Mas a sua candidatura agrega todo o tipo de liberais, até os mais conservadores?

Agrega, mas dentro da matriz que temos. Estamos a fazer uma Comissão Executiva que terá quinze elementos, tem um foco muito claro numa forma de defendermos a gestão do partido, conforme defendemos a gestão no país. Quem se revir nessas bandeiras e respeitar este programa é bem vindo. Entrei para um partido liberal com um determinado programa e valores. É isso que quero respeitar e potenciar para fazer crescer a Iniciativa Liberal.

Que balanço faz do seu mandato de deputada?

Extremamente positivo. Coordeno o projeto do Orçamento de Estado, sou deputada da comissão de Orçamento e Finanças e da comissão de Educação. Algo que tenho estado a fazer e que faço questão de fazer é apresentar no meu trabalho todas as nossas bandeiras. Já tive propostas aprovadas.

O grupo parlamentar tem beneficiado muito deste trabalho de apresentação concreto, desde as áreas mais sociais, justamente os abonos escolares e as bolsas escolares, ou por exemplo contributos para a reforma efetiva do ensino superior, um pacote de simplificação para profissionais liberais e para pequenas e médias empresas. Também associado ao Orçamento do Estado, a parte do chamado ‘Desprograma fiscal’. Isso são tudo medidas que tenho apresentado nas comissões.

Cada deputado na sua comissão vai avançando com o manancial do programa que temos. Temos a oportunidade de pôr em cima da mesa várias propostas e tenho sido muito fiel a isso. Poder apresentar efetivamente a agenda liberal é uma honra.

No debate do Orçamento de Estado, pouco ou nada se viu em termos de alterações à proposta inicial apresentada pelo Governo. Tem dito várias vezes que não é aquele o documento de que os portugueses precisavam. O que poderia ter ido mais além?

O Orçamento do Estado, para já, devia ser mais reformista. Quando terminarmos a implementação daquele orçamento vamos ficar no mesmo estado, com o país com 40% da população à beira da pobreza, um país estagnado no crescimento. Nem as famílias ficam mais libertas fiscalmente, quer em termos de poder de compra, quer em termos de crescimento pelo trabalho. Nem há uma reforma que permita às empresas serem mais competitivas. Precisamos de criar riqueza para a distribuir. Nada disto está neste Orçamento. Portanto, obviamente que não é um Orçamento que corresponda às preocupações de Portugal.

A Iniciativa Liberal sempre defendeu uma taxa única. Como vê medidas como as empresas só terem benefícios de IRC se aumentarem salários?

Temos de começar a desmontar a propaganda que o Governo faz. Essa medida, na prática, só dá benefícios em 2024 e, em média, são 150 euros por empresa. Há um trabalho muito importante na oposição que é preciso fazer, a par das bandeiras liberais, que é de desmontar as narrativas e as propagandas do Governo. E essa medida é justamente um bom exemplo de que uma coisa é o que o Governo diz, outra coisa é o impacto prático.

Na prática é pouco ou nada…

150 euros em média e a entrar em vigor em 2024.

O mesmo se aplica aos escalões de IRS…

Os escalões de IRS que continuam a não compensar a perda do poder de compra, porque não compensam a não atualização dos escalões em 2022. O que o Governo faz tem um impacto igual a um corte salarial ou ao aumento de impostos pelo facto de não atualizar os escalões de IRS. Tudo isto é importante para ir desmontando.

Tenho utilizado a expressão do ‘Orçamento de maquilhagem’, porque temos de ir demonstrando que as coisas não são assim, que as pessoas, no final da história, percebem no seu bolso. Quando veem que há efetiva diferenciação nas escolas, que há a saúde para ricos e para pobres, que no seu bolso, no final do mês, as contas não estão certas. É isto que temos que ir desmistificando. Explicar que há políticas alternativas. Há países liberais com implementação de políticas de sucesso e estamos a trabalhar muito para fazer crescer essas alternativas.

Que alternativas podiam ser aplicadas nessas áreas?

Era importante, na parte orçamental, a competitividade das empresas para que pudessem contratar e pagar mais salários. Era importante ir aos impostos indiretos. Não é possível perceber o racional de não baixar, por exemplo, o IVA dos produtos alimentares, nomeadamente para quem menos aufere. O cabaz alimentar pesa muito no seu rendimento. Não há justificação nenhuma quando já há autorização europeia para podermos baixar o IVA. Ao nível dos impostos indiretos baixar o IVA na energia e nos produtos alimentares é um exemplo cabal.

O IRS para desonerar e compensar a perda de poder de compra. E ainda dar condições para as empresas criarem riqueza e a distribuírem é fundamental. Isto na área do Orçamento, porque fora do Orçamento temos claramente que atuar noutras áreas. Neste momento, a escola não agrada nem às crianças, nem aos jovens, nem aos professores. Não está a servir. Temos um sistema de ensino que não está a servir de elevador social, que não garante a igualdade de oportunidades e que não satisfaz nem a crianças, nem a professores. Alguma coisa está errada.

O que acaba por estrangular o próprio sistema de ensino…

Estrangula. O ensino faz com que não haja motivação para tudo aquilo que é preciso fazer em termos do rejuvenescimento dos professores. É uma profissão extraordinariamente digna e é preciso atrair novos profissionais e pessoas que queiram exercer a sua vocação como docente. Mas na prática temos um sistema de ensino que está delapidado quando tem que ser um dos pilares do futuro de Portugal.

Não é possível pensarmos e ambicionarmos mais para Portugal, termos mais crescimento, sem passar por um profundo investimento e reestruturação de como o ensino está pensado. Na Saúde, também não é possível assumirmos um país com justiça quando quem não tem dinheiro está vetado a ir para uma lista de espera. Isto não é correto.

E quando somos confrontados com listas de espera de anos…

Exatamente, não podemos estar tranquilos sem termos uma reforma de Saúde, sem termos uma reforma de Educação, ou uma reforma de Justiça. Pouco se tem falado de Justiça. A altura do Orçamento de Estado não é a altura para se falar em Justiça. Pelo momento parlamentar não é institucionalmente altura. Uma Justiça lenta não é Justiça. Temos de acautelar a Justiça, até como pilar de uma democracia liberal.

Temos que defender as liberdades individuais, as instituições, a separação de poderes. Isso é algo que é feito no Parlamento e fora do Parlamento, é feito pelas estruturas locais, é feito pelos membros. É mais do que a atuação só parlamentar e até mais do que um partido. É de movimento. Há que colocar a perceção destas bandeiras e destes princípios em cima da mesa.

Por falar em princípios, enquanto deputada e candidata à liderança da IL, como vê os casos de incompatibilidades no Governo?

É um tema muitíssimo importante. A partir do momento em que estas situações vêm à luz, tem de se investigar e esclarecer rapidamente, sob pena da deterioração dos próprios órgãos de soberania e dos princípios da democracia. Faz parte da credibilidade dos próprios órgãos e da qualidade democrática. A partir do momento em que há suspeitas tem de se investigar e esclarecer logo rapidamente.

Voltando ao processo eleitoral na IL, há pouco falou sobre guerras internas e há relatos de uma certa fricção dentro do grupo parlamentar…

Estar a lançar poeira em campanha é negativo e isso não corresponde à realidade. Temos de estar concentrados em ter um processo eleitoral e uma campanha correta e elevada. No dia seguinte vamos estar todos aqui. Tenho feito questão de dizer isso. Estamos aqui num processo construtivo, há alternativas e as pessoas têm de avaliar os dois projetos e no dia seguinte estaremos todos juntos. Isso não só não contribui em nada para o partido, como não corresponde à verdade. Nem sequer quero entrar nessas discussões. Acho lamentável entrarmos por aí.

Mas estando metade da bancada parlamentar de costas voltadas à sua candidatura, como fica a relação entre deputados?

Não tenho metade da bancada parlamentar de costas voltadas. Há toda uma narrativa que é preciso levar para já com tranquilidade. Depois, avançar antecipadamente com a candidatura altera as condições de partida. A tal igualdade de oportunidades não foi garantida. As coisas também têm que ser analisadas à luz disso. Posto isso, não só não é um tema de campanha, como não corresponde a nenhuma cisão, nem a nenhum problema. É muito desadequado irmos por aí.

Temos um trabalho parlamentar fundamental para fazer. Estamos em pleno processo de Orçamento de Estado. E temos uma agenda liberal para cumprir e um país para ganhar. Recuso divisionismos, oposicionismos e esse tipo de linguagem. Não é nem matriz, não vai passar a ser e gostava francamente que não fosse. Mas essa escolha não é minha. Eu faço as minhas escolhas, os outros fazem as deles. 

Se perder também não abdica do mandato de deputada?

Claro que não. Estou profundamente convicta no meu mandato de deputada, no papel que temos, e apresento a candidatura porque é uma mais-valia e é importante focarmo-nos em alternativas para fazer crescer Portugal. Há um projeto alternativo, nomeadamente no ponto de vista interno, há um estilo de liderança diferente e isso tem de ser avaliado.

E analisar quem tem a melhor a possibilidade de fazer crescer a Iniciativa Liberal e com que projeto. Defendo internamente no partido o que defendemos para o país e tenho uma visão bastante clara sobre isso. Já disse algumas medidas aqui, mas vai ser muito clara no programa. Espero que, no dia seguinte às eleições, continuemos com toda a força e a colocar mais bandeiras na agenda liberal. Temos de marcar mais a agenda política.

Caso seja eleita, como será a relação da Iniciativa Liberal com o Chega na sua liderança?

Linha vermelha. É para manter. Não há nenhuma alteração a esse nível.

Paulo Carmona será o seu número dois. Que outros nomes podemos esperar?

Não quero avançar para já com nomes, por um motivo muito simples. Estamos a constituir uma equipa de quinze pessoas e estou muito contente porque é uma equipa cheia de qualidade, independente, desafetada, com grande espírito de missão, que sabe trabalhar em grupo, descentralizar e trabalhar em conjunto com outras estruturas.

Vou querer anunciar os nomes em conjunto porque é uma equipa. Inicialmente tinha referido que primeiro o programa e depois a equipa, porque as ideias são fundamentais e também é importante dar a conhecer aos membros o que estamos a defender. Com tranquilidade, estamos a montar a equipa e vai ser apresentada em equipa.