O Orçamento do Estado foi aprovado na especialidade sem surpresas, não tivesse o Governo maioria absoluta. Questão essa lembrada por António Costa, à saída do Parlamento, ao referir que «graças» à maioria absoluta do PS, as medidas entrarão «em pleno vigor» a 1 de janeiro. O documento foi aprovado com os votos favoráveis do PS, com as abstenções dos deputados únicos do Livre e do PAN e os votos contra de PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e BE. No entanto, os últimos dias ficaram marcados pela apresentação de um número recorde de propostas de alteração ao Orçamento, mais de 1.800, que na sua maioria foram chumbadas pelo Partido Socialista.
Uma das medidas aprovadas e que se destaca diz respeito ao alargamento da tarifa social de energia para as famílias cujo rendimento total anual seja igual ou inferior a 6.272,64 euros e uma taxa de carbono para jatos privados, a ser introduzida em julho do próximo ano.
Há também mudanças no incentivo à introdução no consumo de veículos de baixas emissões, que passa a ser extensível a motociclos de duas rodas e velocípedes, convencionais ou elétricos, e a ciclomotores elétricos, assim como a possibilidade de deduzir o IVA suportado na aquisição de bilhetes de transportes públicos.
Já a isenção do IMT ficará restringida nos casos de aquisição de prédios para revenda estabelecendo um limite mínimo de dois anos de atividade ao comprador.
E a quem tem um PPR será permitida a mobilização parcial ou total do saldo em conta poupança para pagamento de prestações de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria.
Do lado dos proprietários ficam ‘proibidos’ de interromper os contratos antes do prazo de usufruir do benefício fiscal que compensa o ‘travão’ de 2% ao aumento das rendas.
Os economistas ouvidos pelo Nascer do SOL não se mostram surpreendidos pelo resultado final.
César das Neves
‘A grave crise social é pouco ou mal abordada’
Para o economista não há dúvidas: «É um documento centrado na atitude de fundo de disciplina orçamental que o Governo adotou desde o início», lembrando que esta disciplina orçamental «é um propósito importante, para mais num país com tão grande dívida, mas não é a única finalidade nem, pode dizer-se, a principal neste momento».
No entanto, admite que as medidas contempladas não tem conta as necessidades dos mais necessitados. César das Neves diz que «a grave crise social gerada pela inflação, sobretudo no caso dos mais pobres, é pouco e mal abordada pelo Orçamento do Estado», acrescentando que «seria conveniente uma maior atenção aos dramas crescente, sobretudo com cuidado na criação de medidas bem orientadas para os setores mais atingidos (evitando intervenções amplas e mediáticas mas mal calibradas, como as que foram tomadas até agora)».
O economista tinha defendido que o documento deveria contemplar medidas como a redução do IRS e do IRC, por entender que isso seria «uma ajuda importante para as famílias e para as empresas com vista a enfrentar a subidas de preços», referindo apesar de tudo que isso representaria um grande risco orçamental. «O Governo sofre uma grande pressão política de funcionários e pensionistas, e mesmo famílias e empresas, os quais ainda não foram bem compensados das perdas; ao mesmo tempo, tem de reduzir o défice que subiu muito com a pandemia, e a dívida tão alta rapidamente se torna insustentável num quadro de taxas de juro mais elevadas», já tinha salientado.
Já em relação às metas económicas, César das Neves garante as incertezas continuam a ser muito elevadas. «O risco de derrapar é muito elevado porque a incerteza é enorme. O cenário macroeconómico não é irrealista, mas está claramente na margem otimista».
Recorde-se que o Governo acredita que o crescimento da economia portuguesa deverá manter-se acima da média da União Europeia e dos países da zona euro em 2023 e 2024. O Ministério das Finanças estima um crescimento do PIB de 6,5% este ano e de 1,3% no próximo. Perspetivas bem mais elevadas face às entidades internacionais.
Uma situação que o leva a reconhecer que «é bastante provável», perante o aumento do risco, da subida da inflação e dos juros ser necessário avançar com um Orçamento retificativo. Ainda assim lembra que este documento «é um Orçamento na linha dos anteriores. Tem como prioridade a redução do défice, o que agora é facilitado pelo clima inflacionista, e utiliza os truques habituais para fingir que a austeridade afinal não existe».
Quanto ao facto de a Comissão Europeia ter pedido ao Governo português para «tomar as medidas necessárias» para que o Orçamento do Estado para 2023 seja «coerente» diz apenas que «a inflação melhora sempre as contas públicas», acrescentando que «esse pedido é compreensível, devido às exigências europeias, mas é surdo aos graves dramas sociais que são crescentes».
Eugénio Rosa
‘O Orçamento não corresponde às necessidades do país’
«As 1800 propostas apresentadas pelos diversos partidos e o debate na Assembleia da República não alteraram nada, que fosse essencial, da proposta de Orçamento apresentada pelo Governo». A garantia é dada por Eugénio Rosa.
E referiu ainda que o «PS, utilizando a maioria que dispõe, impediu qualquer alteração e a única exceção foi feita pelos próprios socialistas com a possibilidade do aumento previsto para as pensões em 2023 poder ser corrigido face à subida dos preços de novembro de 2022 a divulgar em dezembro, o que resulta do reconhecimento do irrealismo do cenário económico em que se baseia o documento».
Face a este cenário, o economista garante que a Orçamento «baseia-se num cenário macroeconómico irrealista que não tem aderência à realidade, o que contamina todas as previsões de receitas e despesas e as medidas do Governo».
E dá exemplos: enquanto o Executivo prevê que o PIB cresça 1,4% em 2023, a Comissão Europeia aponta para um crescimento de apenas 0,7%, ou seja, metade, e a OCDE de 1%. Já em relação à inflação, o documento acena com uma taxa de 4% em 2023, quando a Comissão Europeia prevê 5,8% e a OCDE 6,6%. Também em matéria de desemprego, os números são divergentes. O Orçamento prevê uma taxa de desemprego de 5,6% em 2023, já a Comissão Europeia indica 5,9% e a OCDE 6,4%.
Valores esses que levam Eugénio Rosa a voltar a garantir que «as metas económicas são irrealistas», o que, no seu entender, revelam «um Governo incapaz de compreender a gravidade da situação internacional e nacional e que toma os desejos pela realidade, incapaz de tomar as medidas que o país e os portugueses necessitam para os defender da escalada de preços, de quebra significativa do poder de compra, da quebra acentuada da atividade económica e mesmo da recessão».
E, por isso mesmo, defende que o «Orçamento não corresponde às necessidades do país» e que isso é visível com as despesas com pessoal, aumento das pensões e investimento público. No primeiro caso, as despesas vão aumentar de 18 900,7 milhões para 19 595,9 milhões, «no máximo poderão aumentar 3,7%, portanto inferior à inflação já prevista para 2023». Já em relação ao investimento, o economista lembra que «é fundamental para o desenvolvimento do país, mas que a experiência tem mostrado que os valores apresentados no Orçamento do Estado são ilusórios pois nunca são executados para o Governo apresentar défices reduzidos».
Eugénio Rosa lembra que no Orçamento do ano passado estava previsto um investimento de 9 106 milhões, mas em outubro, o Governo já estimava que se realizaria apenas 6 778 milhões (-25,5%). «Embora no Orçamento de Estado para 2023 estejam previstos 9 948 milhões é mais do que certo que será realizado pouco mais de metade, pois isso é o que se enquadra na política de ‘contas certas’ do Governo. É evidente que um corte sistemático no investimento não serve o país. A prová-lo está o facto de Portugal poder ser ultrapassado já em 2024 pela Roménia que era um dos países mais atrasados da União Europeia», salienta.
Face a este cenário não hesita: «Se a guerra e as sanções continuarem e o seu feito de ricochete aumentar vai-se colocar ao Governo um dilema: Ou um Orçamento retificativo que responda minimamente às necessidades da população e das empresas ou ainda um maior estrangulamento da economia e da vida dos portugueses com o consequente aumento dos protestos da população», conclui.
Ferraz da Costa
‘O nível de endividamento não dá para grandes aventuras’
«É um Orçamento prudente num ano de todas as incógnitas», alerta Pedro Ferraz da Costa, lembrando que «sabe-se muito pouco o que vai acontecer».
O presidente do Fórum para a Competitividade reconhece, no entanto, que preferia propor uma aproximação mais liberal ao problema do que o Governo, mas também lembra: «Por isso é que são socialistas e eu não sou. São visões diferentes».
Ainda assim admite que «apesar de tudo, o Governo foi também relativamente prudente, quer na compensação da inflação, fugindo entrar num esquema que entrasse em espiral e não prometendo que iria compensar o efeito da inflação e apostando, tal como já acontece nos outros países de que irá começar a baixar em 2023 e que, nessa altura, vamos andar com uma inflação mensal mais baixa do que aquela que existe atualmente».
Ferraz da Costa afirma também que era «muito caro» cumprir. «O Governo está perfeitamente consistente de que tem um nível de endividamento que não lhe dá para grandes aventuras».
Já em entrevista ao Nascer do SOL, Ferraz da Costa tinha reconhecido que não iríamos «ter uma política fiscal muito diferente enquanto não houver disponibilidade para reduzir as despesas públicas».