Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira
As fortes chuvas que se fizeram sentir nas últimas semanas deram algum aconchego às barragens um pouco por todo o país. E não só. Se o caudal do Tejo podia ser atravessado a pé, tal como o Nascer do SOL anunciou em julho, agora o cenário é bem diferente. Os especialistas contactados pelo nosso jornal garantem que ainda é cedo para afastar a ideia de que a seca acabou.
De acordo com Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, é preciso falar nesse assunto com precaução, referindo que «ainda temos de ver como isto tudo evolui». O responsável chamou ainda a atenção para o facto de atualmente haver barragens com problemas, ou seja, com níveis bastante abaixo do normal, como é o caso na região do Mira, do Sado e parte do Algarve, remetendo dados para a Agência Portuguesa do Ambiente.
O mais recente relatório da APA sobre a evolução da situação hidrológica, mostra dados que permitem respirar de alívio. Pelo menos por agora. Desde o dia 12 deste mês e devido à precipitação que aconteceu entre os dias 12 e 14, em 71 das 80 albufeiras monitorizadas pela APA, a reserva de água aumentou cerca de 785 hectómetros cúbicos (hm3), encontrando-se a 72% da capacidade total de armazenamento.
E essa recuperação das reservas de água aconteceu em praticamente todas as bacias hidrográficas a nível nacional, com a maior subida em percentagem a acontecer na bacia do Vouga (+20%), do Mondego (+14%) e do Tejo (+17%), Sotavento (+10%) e Guadiana (7%). Destaque ainda, desde o início de dezembro, para a albufeira de Alqueva que recuperou cerca de 350 hm3 e Castelo de Bode, cuja água abastece a área metropolitana de Lisboa (cuja captação é, em média, de cerca de 450 mil m3/dia), que recuperou cerca de 180 hm3.
Por altura desse relatório, das 71 albufeiras monitorizadas pela APA, 18 têm disponibilidades inferiores a 50% do volume total, sendo que dessas 14 têm disponibilidades inferiores a 40%. «A situação hidrológica da região do Algarve é neste momento a mais preocupante em termos de disponibilidades, em particular o Barlavento onde se destaca a Bravura e Odelouca, com níveis de recuperação muito reduzidos, em especial a Bravura que registou um armazenamento adicional de apenas 0,3 hm3 desde o início do ano hidrológico», destaca a APA.
Francisco Ferreira diz, no entanto, que é necessário ter em conta a diferença entre seca meteorológica e seca hidrológica. E se no segundo caso admite que podemos estar perante «uma situação mais confortável, tirando algumas regiões», já em relação à seca meteorológica o otimismo não é tão grande, uma vez que, está dependente do que irá acontecer nos próximos meses. «O que temos verificado é que na primavera, a chuva termina mais cedo, quando antigamente tínhamos bastantes chuvadas entre o verão e o outono e depois entre a primavera e o verão e agora cada vez menos se verifica».
E salienta: «É preciso ter aqui alguma atenção porque se neste momento não estou com seca hidrológica, nada me diz que a seca meteorológica não possa vir a ter lugar daqui a alguns meses. Temos de aproveitar esta altura que estamos a sair do período de seca para tomar as decisões certas em termos daquilo que é o curto e o longo prazo».
Também ao i, Patrícia Gomes do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) afirmou que «provavelmente já podemos afastar um pouco esse cenário de seca, mas tudo depende da evolução dos próximos tempos. Neste momento, até a região sul já está ligeiramente afastada desse cenário. Agora com a continuação do inverno vamos ver». A meteorologista disse ainda que a percentagem de água no solo nas regiões de norte e centro já estão acima dos 99% e também a região do sul, Alentejo e Algarve, já está com uns valores razoáveis: entre 40 a 60%.
Lições a tirar
O presidente da Zero deixa ainda um recado em relação ao nosso comportamento futuro, ao considerar que «todos aprendemos uma lição», em relação ao risco de falta de água nas torneiras. E dá, como exemplo, as medidas avançadas pelo Governo no verão. «Acho que aprendemos uma lição e não sabemos como vão ser os próximos meses e até os próximos um a dois anos», defendendo que «temos de fazer uma gestão preventiva do uso da água em cada uma das albufeiras para não deixarmos chegar ao ponto em que foi mesmo preciso limitar o uso da água e com consequências também para a agricultura».
Para Francisco Ferreira, «ainda temos de ver como é que a situação evolui nas regiões onde estamos com maior défice». E defende que «a insistência tem de ser no uso eficiente da água e na escolha dos usos da água».
O responsável deixa ainda algumas críticas: «Continuamos a achar que se pode expandir um determinado tipo de agricultura de regadio para não sei quantos milhares de hectares e obviamente que os sinais que tivemos nos últimos tempos são no sentido contrário».
Por tudo isto, Francisco Ferreira não tem dúvidas que «ainda não podemos respirar de alívio, nem vamos continuar a respirar de alívio nos próximos anos». Agora, diz, «temos que tornar esta vantagem que temos em muitas das áreas numa lógica de tornar esta situação mais resiliente para não voltarmos a cair no mesmo erro de continuarmos a fazer os mesmos usos da água excessivos e problemáticos, encontrarmos situações de eficiência e de alternativa quando isso faz sentido do custo de eficiência».
Prejuízos e agravamento
O mau tempo que se fez sentir nas últimas duas semanas levou a perdas elevadas. «Este ano estamos perante a tempestade perfeita. Estávamos na ressaca da pandemia, apareceu o problema da guerra com as consequências que teve em termos de inflação e de falta de alguns produtos, etc. e agora para juntar temos mais esta situação de inundações», chegou a dizer ao i, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).
O também parceiro social pediu ao Governo que fosse definido um plano de emergência, até com base nas experiências que já houve, quer durante a pandemia, quer em relação às zonas afetadas pelos incêndios.
João Vieira Lopes aponta para perdas avultadas, uma vez que nem todos têm seguros que cubram de uma forma completa situações destas e admite que isso ainda irá tirar mais o ‘brilho’ à época de Natal que funciona como um balão de oxigénio para o setor. «O comércio de rua é aquele que vai sofrer o maior impacto», disse ao nosso jornal.
Também a União de Associações de Comércio e Serviços (UACS) já tinha admitido estar disponível para ajudar os comerciantes com os prejuízos causados pelas cheias na região de Lisboa e apoiá-los junto das entidades governamentais e autarquias. A associação liderada por Carla Salsinha diz que a «ausência de indemnizações aos empresários para cobrir os prejuízos decorrentes das inundações nos estabelecimentos comerciais devem ser tidas em conta e a UACS encontra-se disponível para receber os inventários dos prejuízos causados e lutar perante as entidades governamentais e autarquias pelo apoio aos empresários».
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa também referiu que pretendia criar um fundo de, pelo menos, três milhões de euros para apoiar os comerciantes e particulares que sofreram prejuízos, apesar de garantir que o valor «não está fechado». Ainda assim, Carlos Moedas reconheceu que essa ajuda é «insuficiente» e defendeu a necessidade de o Governo ser célere com os apoios que irá disponibilizar: «O Governo tem de ajudar já. Tem de ser rápido», referiu, já depois de o primeiro-ministro ter admitido recorrer a um fundo comunitário destinado a catástrofes para fazer face aos prejuízos causados pelo mau tempo.
Também a autarquia de Oeiras já tinha avançado que iria dar um apoio de 1,5 milhões de euros para apoiar os comerciantes afetados pelo mau tempo, ainda antes destas últimas inundações. A ministra da Presidência esteve nos concelhos mais afetados, e garantiu que não iria avançar com o estado de calamidade, esclarecendo que essa não é uma condição para avançar com os apoios que são necessários. «O que é mais importante para os municípios é garantir que o Governo está presente neste apoio, recorrerá a todos os instrumentos nacionais e europeus que existam para estes momentos, na medida em que alcance os patamares definidos», salientou.
Por outro lado, a ministra da Coesão mostrou a sua disponibilidade em ir ao Parlamento para abordar os efeitos do mau tempo, considerando que é «um problema coletivo» que deve preocupar todos os grupos parlamentares, respondendo assim ao pedido.
Individualmente algumas autarquias vão fazendo contas às perdas. À Lusa, a Junta de Freguesia de Benfica avançou que os prejuízos devido às chuvas devem rondar os 1,8 milhões de euros, um valor não muito distante da Câmara de Campo Maior, que fala em «praticamente dois milhões de euros». Muito acima está Loures que, com o mau tempo desta última semana espera prejuízos de «mais de 20 milhões de euros», detalhou a autarquia.
E enquanto se faz as contas aos prejuízos, há notícias que mostram que os estragos podem não ficar por aqui. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) aponta para um agravamento da previsão meteorológica, a partir de segunda-feira.
Apesar de as situações mais gritantes terem sido vividas na região da Grande Lisboa, todo o país foi afetado pelas chuvas fortes que se fizeram sentir.
A título de exemplo, em Monforte, no distrito de Portalegre, numa hora choveu um sexto do que é normal ao longo de todo o ano para aquela zona. O concelho contou com inúmeras habitações inundadas, estradas que colapsaram e muros que caíram. Pelo menos duas pessoas ficaram desalojadas.
Em Avis, no mesmo distrito, o presidente da câmara falou em situação complicada, uma vez que várias habitações ficaram inundadas e um dos acessos à Estrada Nacional esteve submerso.
Também em Portalegre, algumas das casas ficaram inundadas «quase até ao teto», com garagens, vias públicas e automóveis submersos. Uma das situações mais alarmantes aconteceu em Campo Maior, como confirmou a autarquia, falando numa «catástrofe» no centro da localidade
Mas não foi só por aqui. O mau tempo deixou vários lugares da Marinha Grande, no distrito de Leiria sem água devido ao mau tempo. Em Pombal, quatro pessoas ficaram desalojadas devido ao perigo de derrocada de um muro sobre a casa onde vivem.
A Proteção Civil registou mais de 7 950 ocorrências em território nacional, incluindo 4 841 inundações, que provocaram 88 desalojados desde a meia-noite do dia 7 até às 8h do dia 15.