A polémica em torno do aumento do preço da luz, anunciada no verão pelo presidente da Endesa fez estalar o verniz com o Governo e levou à saída de Nuno Ribeiro da Silva da liderança da energética. Fonte ligada ao processo confessou ao Nascer do SOL que o mal estar instalado fez com que a administração em Espanha o quisesse substituir e que o CEO tenha tido vontade de sair. O nosso jornal sabe ainda que a elétrica portuguesa está há três meses à procura de uma pessoa para o substituir, mas sem qualquer sucesso e que a ideia é Nuno Ribeiro da Silva continuar na empresa, mas apenas como consultor externo, sem acesso a email e sem direito a gabinete.
«As ordens em relação à sua saída vieram de cima e também Nuno Ribeiro da Silva fartou-se porque o que Governo de António Costa fez foi inacreditável, estendeu-lhe completamente o tapete e optou por sair sem dramas. O mais engraçado é que a Endesa não arranja ninguém para o substituir», garantiu fonte próxima, acrescentando ainda que a preferência recai num gestor português, mas atualmente já alargaram o leque a Espanha. «Mas nem assim conseguem arranjar porque é preciso um perfil semelhante ao do ainda presidente que conhece muito bem o setor e, ao mesmo tempo, ninguém quer pôr o pescoço no cepo».
Em causa estiveram as declarações de Nuno Ribeiro da Silva em agosto e que apontava para um eventual aumento dos preços da energia na ordem dos 40%. Uma notícia que caiu que nem uma bomba junto do Governo. No entanto, tal como o i avançou, na altura, o secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba, estaria a par dessas informações que iriam ser divulgadas.
E a resposta do Governo, na altura, não se fez esperar, através de um despacho assinado por António Costa. «Perante as ameaças de práticas especulativas nos preços a praticar pela Endesa e o dever de o Estado proteger o interesse dos contribuintes na gestão dos dinheiros públicos, determina que os serviços da administração direta e da administração indireta do Estado não podem proceder ao pagamento de quaisquer faturas emitidas pela Endesa, independentemente do seu valor, sem validação prévia, por despacho do secretário de Estado do Ambiente e da Energia e para evitar a descontinuidade do serviço, devem os referidos serviços públicos e a ESPAP proceder cautelarmente a consultas de mercado, para a eventual necessidade de contratação de novos prestadores de serviço que mantenham práticas comerciais adequadas», revelou o diploma.
Uma decisão que chegou a receber o aval por parte do Presidente da República. «O despacho do primeiro-ministro é um despacho interno a dizer aquilo que qualquer superior hierárquico diz ao seu subalterno, chegou a garantir Marcelo Rebelo de Sousa, explicando que se tratava de um reforço de linhas de orientação sobre o assunto, garantindo também que era um comportamento que não «belisca as competências da ERSE – era estranho que o fizesse -, não belisca as competências da Assembleia da República, nem do Governo como legislador». Já para a elétrica optou por dar um ‘puxão de orelhas’, acusando: «Têm de ter a noção de que há quem sofra com a guerra, no dia-a-dia. Claro que entra na responsabilidade social o bom senso de não terem intervenções alarmistas ou especulativas que criem perturbação na comunidade. É o mínimo dos mínimos».
No entanto, uma semana depois de o Governo anunciar que todas os pagamentos de serviços do Estado à Endesa ficariam sujeitos a validação prévia pelo secretário de Estado do Ambiente e da Energia, um novo despacho veio dar um passo atrás. Afinal não serão sujeitas a escrutínio, como se lia no diploma publicado a 2 de agosto, «quaisquer faturas emitidas pela Endesa independentemente do seu valor», mas apenas aquelas em que os gestores de contrato entendam que existem irregularidades.
E também não seria João Galamba o primeiro escrutinador das faturas, que terão de ser enviadas pelos serviços do Estado à Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE).
Preços sempre subiram
Apesar da polémica instalada, os preços do gás e da eletricidade sofreram logo a partir de outubro. E, apesar de os consumidores no mercado livre terem conseguido fugir das subidas da luz e do gás passando do mercado livre para o mercado regulado, os comercializadores de último recurso (CUR) que operam neste último mercado também subiram os preços, ainda que os aumentos sejam menos expressivos.
Quem estava no mercado liberalizado e que era cliente da EDP Comercial no caso da oferta de gás natural ficou sujeito a um aumento, em média, de mais 30 euros mensais, acrescidos de cinco a sete euros de taxas e impostos, uma subida que a empresa justificou com a escalada de preços nos mercados internacionais, após um ano sem fazer atualizações de tarifário. Já em relação à Galp, o acréscimo foi de oito euros com a empresa a justificar esta subida com o «custo de aquisição em linha» com os preços no mercado internacional. Já a Goldenergy apresentou aumentos médios de 10 euros nas faturas de gás mensais, justificando com a subida dos custos aos acessos regulados, à volatilidade do mercado e à escalada de preços do gás.
Estes anúncios de subida de preços no mercado livre levaram o Governo a aprovar uma medida que permitiu o regresso ao mercado regulado de gás dos consumidores no mercado liberalizado, tal como já acontecia no caso da eletricidade.
E para o início do ano, as perspetivas não são animadoras. A Entidade Reguladora do Setor Energético (ERSE) já revelou o valor definitivo da subida que os clientes do mercado regulado vão sentir na fatura da luz, em média, em 2023: o aumento será de 3,3%, acima dos 2,8% previstos na proposta que foi divulgada em outubro. Numa perspetiva mensal, em janeiro de 2023 os clientes registarão um aumento médio de 1,6% em relação aos preços em vigor em dezembro de 2022, quando em outubro a previsão era de uma subida de 1,1%. «Este acréscimo tarifário, superior ao anunciado em outubro, deve-se a um menor sobreganho com a produção em regime especial (PRE), a devolver aos consumidores, do que o inicialmente previsto», explicou o regulador.
Já a fatura do gás natural vai aumentar «aproximadamente» 3% para os clientes mais representativos do mercado regulado, depois de um desvio nas previsões dos preços de aquisição. A ERSE disse que atualizou «o preço da tarifa de energia do mercado regulado, em +2 euros por MWh, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023».
Já para quem está no mercado livre pode contar com uma subida de 3% em 2023. No entanto, o aumento não se deve apenas aos preços da energia mas também à «melhor estimativa do que será o custo do Mecanismo de Ajuste do Mercado Ibérico de Eletricidade. O custo deste mecanismo irá variar mensalmente e estará discriminado na fatura de cada cliente».
Por seu lado, a Endesa afirmou que irá manter o valor global das faturas de eletricidade dos clientes no próximo ano. Mas também garantiu que a partir do dia 16 de janeiro vai discriminar na fatura o valor do custo do Mecanismo de Ajuste Ibérico da Eletricidade, mas, «com a previsão de manter o valor global da sua fatura», vai reduzir os preços de eletricidade. E acrescentou que «os preços incluem a previsão das novas tarifas de acesso às redes em vigor a partir de janeiro de 2023 e o preço base aplicado pela Endesa», enquanto a Galp anunciou que irá reduzir as faturas da eletricidade em cerca de 11%, em média, a partir do início de 2023, mantendo as faturas do gás natural nos primeiros três meses do ano.
AdC condena
Os dias da Endesa estão longe de ser pacíficos. Ainda esta quinta-feira, a ERSE condenou a Endesa a uma coima de 360 mil euros «por violação de diversas normas relativas ao relacionamento comercial com o cliente, designadamente a mudança de comercializador sem autorização expressa do cliente». No entanto, o conselho de administração do regulador decidiu reduzir a coima aplicada à elétrica para 180 mil euros, «atendendo às compensações atribuídas aos consumidores lesados e ao reconhecimento das infrações a título negligente».
O processo de contraordenação em causa foi aberto em junho de 2019 no seguimento de denúncias recebidas, reportando alegadas mudanças de comercializador de energia elétrica ou de gás natural, solicitadas pela Endesa, sem a autorização expressa do cliente para o efeito.