O Presidente da República voltou a submeter o decreto do Parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida ao Tribunal Constitucional (TC) para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. O anúncio foi feito primeiro no site oficial da Presidência, mas a decisão acabou por ser justificada mais tarde por Marcelo Rebelo de Sousa. “Tinha enviado o decreto anterior, perguntando ao Tribunal Constitucional se as expressões utilizadas eram suficientemente concretas para dar uma certeza de Direito na aplicação do diploma. O Tribunal entendeu que não, e pronunciou-se sobre a inconstitucionalidade de algumas regras do diploma”, disse, após a cerimónia de tomada de posse dos novos ministros.
Segundo a sua leitura, o novo texto exclui a exigência de uma ‘doença fatal’ e adotou “fórmulas diferentes daquelas que tinham sido adotadas na primeira versão que foi ao tribunal”, acrescentando o chefe de Estado: “Por uma questão de certeza de Direito, perguntei ao Tribunal se estas novas fórmulas preenchiam as exigências que tinha formulado da primeira vez”.
Também na nota da Presidência tinha referido que “a certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias”.
Falta de clareza No primeiro acórdão, o TC considerava que o conceito de “doença grave e incurável” era pouco claro. Entretanto, os deputados clarificaram o termo no texto final, como sendo “doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”.
No entanto, o Presidente mantém as reservas. “A dúvida que se pode suscitar é a de saber se esta nova definição, e, em particular, a alusão a ‘grande intensidade’ é de molde a corresponder à densificação e determinabilidade exigida” no acórdão anterior.
Já em entrevista ao Nascer do SOL, António Bagão Félix, que se mostra contra o documento, lembra que “ao mesmo tempo que é aprovada no Parlamento uma lei que despenaliza a morte medicamente assistida, utilizando este eufemismo, verificamos que a vida medicamente assistida está cada vez mais posta em causa com ruturas do Serviço Nacional de Saúde, com filas de espera absolutamente insuportáveis”, referindo que “como cidadão, como contribuinte, preferia que o Estado investisse mais naquilo que deve investir, quer nos cuidados de longa duração, quer nos cuidados paliativos, até para ter ‘moral’ para ter uma lei sobre a eutanásia, independentemente de não concordar”.
E diz ainda que levanta outro problema que é a questão da limitação. “Onde é que se pára? O que é isso de uma doença irreversível? Há 50 anos havia doenças irreversíveis que hoje já não o são. O que é isso de um sofrimento insuportável? Não há um algoritmo, não há uma equação matemática, não há uma precisão aritmética para essas coisas, e isso permite, como está a permitir na Holanda e na Bélgica e noutros países, haver um certo aproveitamento da chamada cultura de morte. Em bom rigor, na eutanásia como em outras medidas fraturantes, sabemos como é que as coisas começam, mas ainda não sabemos como é que as coisas acabam”.
Opinião contrária tem Francisco César. “Sou pelo direito à vida e o direito à vida, a meu ver, é dar a liberdade às pessoas em decidir como exercem a sua vida, ou seja, o direito de viver e decidirem o seu direito de morrer.
Mas isso é a minha convicção pessoal. Lembro-me de poucos temas tão debatidos na Assembleia da República como este”, referindo que “o debate foi feito e temos de nos habituar a uma coisa, a Assembleia da República serve para o diálogo, para acordarmos sobre aquilo que acordamos e discordar ou acordar sobre aquilo que discordamos. E, portanto, há matérias que nos dividem naturalmente”.
Partidos reagem O PS considerou que a decisão do Presidente da República de enviar para o Tribunal Constitucional o decreto do parlamento que despenaliza a eutanásia significa que “as instituições e órgãos de soberania estão a funcionar com regularidade”.
O Chega aplaude a decisão, considerando que a versão saída do Parlamento viola a Constituição: “Este envio prova que a razão nos assistia quando apontámos alguns elementos que eram flagrantemente contrários à norma e espírito da Constituição”.
André Ventura considerou ainda que “a nova versão da lei, em vez de restringir o seu âmbito, como pedia um anterior acórdão do Tribunal Constitucional, alargava-o, nomeadamente com a eliminação do conceito de doença fatal”.
Para o líder do Chega, “o Presidente da República compreendeu o que facilmente qualquer jurista compreenderia”.
Também o presidente do CDS-PP, Nuno Melo, reagiu. “Ponderadas as justas razões de natureza formal – falta de audição dos órgãos das regiões autónomas – e de natureza substancial consideradas na nota do Presidente da República, o CDS espera agora que o Tribunal Constitucional volte a julgar inconstitucional esta nova lei da eutanásia, que além de vaga nos conceitos e mais abrangente nas possibilidades de pôr termo à vida humana, alinha com os regimes mais permissivos de eutanásia à escala global”, defende.
Recorde-se que a Assembleia da República aprovou em 9 de dezembro a despenalização da morte medicamente assistida em votação final global, pela terceira vez, com votos da maioria da bancada do PS, IL, BE, e deputados únicos do PAN e Livre e ainda seis parlamentares do PSD. Votaram contra a maioria da bancada do PSD, os grupos parlamentares do Chega e do PCP e seis deputados do PS. Só quatro deputados (três do PSD e um do PS) abstiveram-se.