O que acha da escolha de João Galamba para liderar a pasta das Infraestruturas?
O primeiro-ministro mostrou uma grande rapidez em resolver o caso TAP, que é uma pasta muito difícil, com um ramo muito especifico. João Galamba, embora tenha experiência como secretário de Estado não tem experiência na aviação, mas esperamos que venha com vontade de resolver e de devolver o bom nome à TAP com vista a ter uma administração mais eficiente e mais eficaz.
Acha que vai haver espaço para o diálogo e para o tal clima de serenidade que o sindicato pede?
Esperamos que sim. Irá sempre depender da própria administração. Se continuar com o comportamento que teve até agora irá tornar-se um pouco difícil.
Em relação a Pedro Nuno Santos que balanço faz?
Sempre tivemos uma relação muito cordial, tivemos discussões e chegámos a consensos. Era um ministro que conhecia bem o ramo da aviação, até porque teve de o conhecer. No entanto, não teve outra alternativa que não fosse a demissão devido ao escândalo que houve. Teve consciência e bom senso político.
Na semana passada disse que Pedro Nuno Santos teria de demitir a CEO da TAP ou teria de ser ela a sair pelos próprios pés, mas nem uma coisa nem outra, já que foi o próprio ministro a assumir as responsabilidades. Sabe a pouco?
Não é uma questão de saber a pouco. Pedro Nuno Santos assumiu a responsabilidade política que tinha de assumir, mas ainda falta assumir a responsabilidade de gestão de dinheiros públicos. Aí tem de haver uma responsabilidade mais séria, mais dura ou mais árdua, porque estamos a falar de dinheiros públicos. Estamos a falar de dinheiro de todos nós e se as pessoas não têm respeito pelo dinheiro de todos nós então fica um pouco difícil continuar a acreditar em Christine Ourmières-Widener.
António Costa disse que a 'administração está em funções e assim se mantém' e que irá apresentar bons resultados…
Gostava de acreditar nesses bons resultado que o primeiro-ministro disse. Todos sabemos que na aviação, o primeiro e o quarto trimestre são os piores. Há uma diferença entre o primeiro para o quarto porque o quarto tem o Natal e o fim de ano. Esta administração cancelou 400 voos antecipadamente em novembro para dezembro e depois houve outras vicissitudes em dezembro e tiveram de cancelar mais voos.
Por causa da greve…
Sim. Acho muito estranho que um mês que tem um superavit que é o Natal e o fim de ano tenham cancelado tantos voos. Não tenho a certeza que o primeiro-ministro tem, aliás, não sei se tem ou se quer acreditar. E se tiver um bom resultado é só à custa dos cortes que os trabalhadores continuam a ter. Os números não enganam, podemos é tentar manipulá-los. O custo do assento por quilómetro, em 2019, era de 4,45 milhões e, em 2022, é de 4,46 milhões, o que significa que só reduziram os custos dos trabalhadores, ou seja, a massa salarial é que reduziu. Só à custa disto é que vão conseguir eventualmente apresentar resultados positivos, o que não creio. Mas logo veremos.
Os últimos resultados já apontavam para isso?
A empresa apresentou 90 milhões de euros negativos. A TAP não deu lucro, deu prejuízo, depois com as palavras podemos conseguir ludibriar as pessoas.
Como já disse a TAP é uma pasta difícil, mas também representa uma dor de cabeça…
Para os governantes é garantidamente uma dor de cabeça, mas a TAP bem gerida é altamente lucrativa. Até beneficiamos da nossa posição geográfica. Temos muito a mania de dizer que estamos na periferia da Europa, mas não é verdade. Se abrirmos o mapa mundo estamos no centro do mundo.
Ao contrário do que se diz que Portugal é um país periférico e representa uma desvantagem…
Pelo contrário, ganha competitividade por isso. Vou dar um exemplo concreto. Fazemos Lisboa/Nova Iorque com o avião A321 Longe Range, com quatro tripulantes, dois pilotos, paga menos sobretaxa de voo, paga menos de aterragem, paga menos hotel e ajudas de custo. A Iberia que está ao lado para fazer o mesmo voo tem de o fazer com um avião 330 ou 350, que leva muito mais tripulantes, paga mais de taxa de sobrevoo, de aterragem, de ajudas de custo e hotel. Temos uma galinha de ovos de ouro na mão. Tem é de se saber explorar.
E não está a ser explorada?
Não porque não têm uma capacidade inata de gestão. Temos de ver o currículo de Christine, que é público e não é dos melhores. Na aviação todos sabemos que gestores com nome e com know-how podem cometer erros e um erro de um gestor representa milhões de prejuízo. Agora quando não temos esse know-how imagine os milhões acumulados de prejuízo. Aliás, os erros de gestão falam por si. Não conheço nenhum gestor que queira mudar de instalações, não conheço nenhum gestor que queira renovar a frota e, ainda por cima, pretendia aumentá-la.
Mas a renovação da frota acabou por ser cancelada…
Não sei se está cancelada ou se está suspensa. É uma notícia que se perpetua no tempo e, em Portugal, temos a tendência que tudo o que se perpetua no tempo acaba por ser esquecido. Duvido muito que tenha sido cancelada, mas vamos ver. Temos de estar sempre atentos a este tipo de gestão, porque isto leva-nos a todos – contribuintes portugueses, e os trabalhadores da TAP também são contribuintes portugueses – para uma questão que não queremos, porque todos sabemos que a TAP bem gerida é muito benéfica para o país. O primeiro-ministro sabe disso, sabe que a TAP está no top três das exportações nacionais, logo contribui para entrar divisas em Portugal, sabe quanto é que paga de impostos e que são cerca de 300 milhões de euros por ano e emprega muita gente. A nossa economia depende muito da TAP, como a TAP depende do país. O que vemos é que a TAP depende muito dos contribuintes portugueses, quando isso não devia acontecer. Aliás, também gostam de dizer que a TAP está sozinha e que vamos ter de a vender. Não estou contra a venda, mas temos de encarar que não está sozinha. Pertence ao maior grupo comercial da aviação civil que se chama Star Alliance e está há muitos anos nesse grupo.
E como vê outras polémicas, como recrutar aviões e tripulação a outras companhias de aviação?
São erros constantes, mas depois cortam nos salários dos trabalhadores. A massa salarial estava nos 21% e neste momento está em 14,5%. Foi a única coisa que conseguiram reduzir. E vangloriam-se disso e estão todos contentes a dizer que a TAP vai ter resultados positivos.
A atual CEO terá sido recrutada no mercado internacional e com conhecimentos do setor, pelo menos, foi essa a garantia que Pedro Nuno Santos deu…
Se calhar a intenção era boa. Mas não é só no mercado internacional que existem gestores bons, também temos muito bons gestores nacionais. Se calhar foi uma quarta, quinta ou sexta escolha e veio com as condições que o Governo dava, não sei quais eram, mas provavelmente com as condições que o Governo impôs ninguém quis. Aliás, o currículo fala por si, não é dos melhores, já passou por companhias que fecharam. E este tipo de gestores querem trazer a sua equipa, têm o seu ordenado, que é um salário tabelado a nível internacional e têm de tomar decisões, têm de ter liberdade para as tomar e não podem estar condicionados. Se isso acontecer naturalmente não vêm.
E com tantos cortes como vê o pagamento de uma indemnização a uma ex-administradora de 500 mil euros?
Não nos esqueçamos que Alexandra Reis foi uma das responsáveis pelo plano de reestruturação, pelos despedimentos e pelo teto salarial, em termos de indemnização, a quem quis sair por livre vontade. É aquele velho ditado: ‘Faz o que eu digo, não faças o que eu faço’.
O teto era de 250 mil euros?
Era de 250 mil euros para todos os trabalhadores. Há casos de pilotos que teriam saído com muito mais se tivessem saído hoje. Sendo que fazer uma rescisão com um piloto mais antigo, a TAP vai ter um payback [retorno de investimento], ou seja, daqui a um ano e meio consegue ir buscar esse dinheiro porque vai contratar pilotos mais novos que ganham menos. Daí haver uma racionalidade em deixar os pilotos mais velhos sair, mesmo que tenham valores altos. Em termos de gestão faz todo o sentido. Agora Alexandra Reis nada acrescentou à TAP, esteve três, quatro anos ou cinco anos no máximo e o que é que fez? Fez um plano de reestruturação, despediu pessoas com um teto máximo de indemnização e não deu o exemplo, ainda para mais sai do Estado diretamente para outra empresa estatal que é a NAV, da mesma tutela, o que é grave. E mais, a TAP tem um charmain, Manuel Beja que tem de informar o ministro ou o Governo sobre todos os passos que se dão, até ao nível de erros de gestão. Porque é que não informou? Porque não sabia, porque não lá ia e isso também é greve. E há outra questão grave. Houve um órgão de comunicação social que disse que a CEO supostamente receberia um ordenado 720 mil euros e com os cortes de 30% estaria a ganhar 504 mil euros, não é verdade. O relatório do governo societário de 2021 revela os ordenados e diz que Christine ganha 504 mil euros e a esse valor tinha de tirar 30% durante o plano de execução de reestruturação. Christine Ourmières-Widener não tem esse corte.
É mais uma exceção?
É mais uma exceção. Creio que os outros administradores tenham esses cortes, mas sei que a CEO não o tem. É uma questão que tem de ser investigada, porque o exemplo tem de vir de cima, caso contrário, é difícil de respeitar e de seguir. Portugal tem muito o hábito de querer vestir a camisola, não é que não o queiramos, mas assim torna-se difícil. Não podemos estar à espera que façamos todos os sacrifícios e os esforços e o exemplo que devia vir de cima não o faz.
Em relação à indemnização, o Ministério Público já disse que ia investigar…
Se está a ser investigada e se o Ministério Público chegar à conclusão que foi dada indevidamente então temos aqui uma condição de despedimento por justa causa, dito pelos advogados. Não sou jurista, mas se é mais do que um a falar sobre isso começo a acreditar que será verdade. E não nos esqueçamos, mais uma vez, que estamos a lidar com dinheiros públicos. Há que ter um sentido de responsabilidade. Se lidam com o dinheiro de todos assim e se mentem à CMVM, então o que farão aos trabalhadores e aos portugueses? Se mentem à CMVM que é uma entidade reguladora de excelência o que farão a todos nós?
O acordo de emergência foi assinado em nome da sobrevivência da empresa, a partir do momento, em que esse cenário deixa de existir deveria ser revisto?
Naturalmente. E recordo que, nesse acordo de emergência, os pilotos para prevenir despedimentos ou para não haver tantos como era expectável cortaram no primeiro ano 50% do seu salário, o que na realidade se traduz em mais. Só em salário foi 50% mas havia outras situações que também foram cortadas, nomeadamente os treinos de simulador e verificações, em que deixou de ser pago o serviço de solo. Isto num piloto sénior dá entre 65% a 67% do ordenado. O sentido de responsabilidade dos pilotos é grande e dos outros trabalhadores também e quando olhamos para cima vemos que a nossa dirigente máxima, a presidente, não tem cortes. É tudo muito estranho.
Mas os cortes são diferenciados ao longo dos anos…
No caso dos pilotos era de 50% no primeiro ano, 45% no segundo, 40% no terceiro e 35% no quarto ano, que será o último, a 31 de dezembro de 2024. Neste momento, os pilotos ficaram com 25% do seu corte salarial, porque houve uma decisão do Tribunal Superior de Justiça que deu razão aos pilotos de um processo que vinha desde 2017 e conseguimos chegar a um acordo. O acordo de emergência feito previa que a 31 de dezembro de 2024 se atingisse o breakeven, o que, na altura, era bom. Agora se há resultados positivos e se o breakeven vai ser atingido mais cedo então o acordo já não faz sentido. Se chegámos mais cedo então o acordo de emergência tem de acabar mais cedo, principalmente quando já houve várias adendas, porque a própria TAP admite que já não serve para a sua operação.
Se houver falta de sensibilidade por parte da administração admite recorrer à justiça?
Que haja sensibilidade duvido muito, falta de do diálogo também, não digo que já chegámos ao limite, mas estamos fartos de falar e de explicar. E há um ponto muito engraçado, tudo o que dissemos desde que assumimos a presidência deste sindicato aconteceu. Dissemos que tínhamos pilotos a menos e a TAP dizia que tinha pilotos a mais. Depois começou a dizer que tinha pilotos desajustados, mas o que é certo que isso já levou ao cancelamento de voos por falta de pilotos. Agora já admite que tem falta de pilotos e está a pensar em recrutar. Também sempre dissemos que, em junho ou julho deste ano, estaríamos com uma operação a 90% em relação a 2019. Foi 95%. Falhámos mas para cima. A juntar a isto ainda temos os erros de gestão, uns mais fulcrais e chocantes, do que outros. Contratar uma pessoa que não tem experiência nenhuma na aviação para um cargo de diretora só porque é a mulher do PT da CEO não faz sentido. Faz sentido numa empresa privada de Christine não com o dinheiro dos contribuintes. Temos de começar a olhar melhor para a aviação e não podemos ter uma diretora ou presidente ou do conselho de administração que não percebe nada de aviação e foi assim anos a fio.
E em relação à mudança da sede?
Mais uma vez é uma ideia descabida e, mais uma vez, é uma ideia está suspensa. Os CTT que são uma empresa que dão lucro saíram porque era muito caro e a TAP que está numa situação económica difícil e que tem os seus edifícios próprios, a administração acha por bem sair? Não sei porquê, se calhar não quer estar perto dos trabalhadores. E essa saída tem dois encargos, porque tem de manter lá manutenção, enquanto vai pagar quatro milhões por ano por um edifício na Expo.
E acaba com a creche…
Que está prevista nos acordos de empresa e, mais vez, unilateralmente decide mudar esse acordo. A creche é paga consoante o valor que as pessoas ganham, não é grátis e não nos podemos esquecer que os trabalhadores trabalham por turnos. Onde é que um piloto que tem de se apresentar às 5h da manhã e a mulher que também está fora porque também é assistente ou é piloto deixa as crianças com sete, sete meses, um ano ou dois anos? Tem de deixar numa creche aberta 24 horas.
Também foi polémica a atribuição de prémios a administradores e diretores, quando a TAP dava prejuízos…
Mas aí a TAP estava na esfera privada e conseguiram supostamente o melhor ano da TAP. Há duas coisas que não me choca: as pessoas receberem prémios pelo seu trabalho e não me choca que os gestores públicos ganhem muito dinheiro. Na aviação é tudo tabelado e os gestores recebem mais ou menos um milhão de euros. Se o gestor de aviação público der a ganhar à entidade que gera muito dinheiro se calhar é mal pago. Apesar de ser público pode e deve ganhar bem, mas também tem de ter responsabilidade. Perante máxima liberdade, máxima responsabilidade. Se não o fizer, tem de sofrer as consequências, naturalmente. Sou contra um limite salarial só porque é público. Vou sempre discordar desse tipo de retórica. É público e pode ganhar bem, se ganha bem e der prejuízo tem de assumir as consequências. O problema é que não há consequências em Portugal.
A culpa morre solteira…
Perpetua no tempo e fica esquecida. Isso não pode ser.
Está prevista a saída de mais de 50 pilotos por falta de perspetiva de carreira. Como vê esta situação?
Já no primeiro trimestre deverão sair cerca de 50 pilotos devido às condições de trabalho. Fora do país, estes profissionais têm perspetivas de carreira, em que passam de copilotos para comandantes e as companhias do Médio Oriente estão a dar condições muito favoráveis, por isso, é natural que os pilotos mais novos saíam para outras a ganhar muito mais. Quem é que perde mais uma vez? A TAP.
E é incoerente quando a TAP admite que tem de contratar mais pilotos…
A TAP perde porque investiu muito, eles levam o seu know-how e vai ter de investir em novos pilotos.
Qual é o ordenado médio de um piloto?
A nível global sem cortes, por exemplo, um copiloto da Iberia ganha entre 6.500 a 7.500 euros limpos. Um comandante da TAP ganha mais ou menos 4.500 euros. Isto é, ganha menos do que um copiloto. A TAP está a pagar 30% a 40% abaixo face às restantes empresas.
António Costa já disse que não estava arrependido de ter nacionalizado a TAP. Acha que foi a melhor decisão?
Somos completamente indiferentes ser do Estado ou ser da privada. Só queremos é uma boa gestão da TAP e todos sabemos que o Estado nem sempre sabe gerir empresas. Mas se for do Estado e se for bem gerida excelente. Nenhum contribuinte português conhece o plano de reestruturação. É uma falta de respeito por todos nós. Por exemplo, os Estados Unidos foram descobertos pelo privado porque não queriam ficar reféns do Brasil, porque se houver algum problema económico no Brasil o que é que poderá acontecer? A TAP perde o seu nicho de mercado. Os privados arranjaram a América do Norte: EUA e Canadá e a operação é um sucesso e se calhar há rotas que deviam ser feitas mais vezes. Porque é que não fazemos? Porque não temos outros aviões para fazer, nem tripulações para os fazer. Lá está a falta de visão estratégica.
E como vê a ideia de encontrar um acionista privado?
Não sei quais são as condições do negócio, mas quem olha neste momento para a TAP não vai investir um cêntimo. Se tiver como condição de ficar com esta CEO não vai querer, porque sabe que não vai correr bem. Se tiver como condição ficar refém do Governo em algumas decisões não vai querer. Se é ele que vai pôr aqui o dinheiro então deve poder gerir. Mas nem tudo o que é privado é mau, passámos pelo privado e posso elencar vários factos. O privado investiu numa frota moderna, que poupava muito CO2. E ao aumentar a frota contratou pessoas e deu muito emprego. Em todos os casos há que ter ideias, há que inovar. Uma situação que não vejo agora. Isso são factos e as nossas ideologias terão de ficar à porta de casa quando tratamos de capitais públicos. Uma empresa pública serve para dar dinheiro igual ao privado, mas tem uma responsabilidade maior porque o capital é público, é de todos nós. Temos de nos habituar a exigir. Empresas públicas, resultados positivos.
O sindicato dos tripulantes vai avançar com uma greve. Os pilotos vão seguir o mesmo exemplo?
Já fomos empurrados várias vezes com o ministro anterior pelas atitudes que teve connosco. Nós não fizemos. Aliás, respeitamos muito os contribuintes, mas a administração da TAP nunca teve esse respeito. De momento não está previsto nada, mas a lei portuguesa permite que a façamos. Estamos em conversações, não sei como vão ficar, depois de tanta mentira e de tanta polémica. O grau de confiança neste momento é diminuto.
E tendo em em conta que a profissão de piloto é de desgaste rápido…
A profissão de pilotos é única no mundo que é avaliada constantemente e tem processos eliminatórios todos os anos. Temos duas verificações de simulador e duas sessões de treino. Uma verificação de linha – que é um voo normal de passageiros, em que está presente um verificador – e temos exames médicos. Tudo isto é eliminatório e pode acabar com a carreira de piloto. Geralmente, no caso dos médicos por ser uma questão de saúde normalmente a carreira acaba. Temos vários colegas a perder agora a licença. Infelizmente não chegaram aos 50 anos. É uma profissão de desgaste rápido. Perdemos muitas noites. E também é muito exigente em termos técnicos e de conhecimento. O responsável máximo quando se está a voar são os os pilotos, nomeadamente o comandante. Temos um caso prático que é o caso do rio Hudson. Se tivessem morrido era fácil porque era apenas culpá-los e mesmo havendo uma falha qualquer não estavam cá para se defenderem. Mas como sobreviveram, a indústria quis tentar culpar os pilotos e em demonstrações de simulador percebeu-se que o comandante fez tudo bem. Temos sempre o escrutínio e é a única profissão no mundo que é avaliada assim. É uma exigência constante de conhecimento e de dedicação. Imagine que há um erro na aeronave, qualquer que seja a marca, as aeronaves daquele modelo e em todo o mundo têm de ficar no chão para serem reparadas. Qual o impacto negativo que isto provoca? É muito grande. Por exemplo, um Boeing 767 que abriu um sistema que se chama reverse no ar e caiu, o que aconteceu? Todos os modelos daquele avião tiveram de ficar parados porque havia uma deficiência no sistema. Hoje em dia é impossível, não se consegue porque a indústria é muito agressiva. Mais uma vez, se os pilotos morrerem arranja-se um bode expiatório, se não morrerem são escrutinados até o máximo. Basta falhar um passo do que está escrito, porque são questões de segundos ou de milésimos de segundos e já poderá dar outro desfecho à história. E aí já há um culpado, não é do fabricante, mas é do piloto. Por isso é que somos uma profissão bem paga porque levamos uma máquina de milhões, mas muito mais do que a máquina são as vidas humanas que não têm preço.
Disse que havia várias pilotos que vão ter de se reformar antes dos 50 anos. É por questões de saúde?
Sim, normalmente perde-se a licença por motivos de saúde. Por exemplo, se tivermos diabetes, independentemente de ser tipo 1 ou tipo 2 acaba-se a nossa carreira e podemos procurar outra profissão. Depois há pessoas com cancro e outros casos.
E falta de visão?
Agora já não. Usa-se óculos.
Mas chegou a ser um entrave…
Mais na Força Aérea, a aviação civil sempre foi mais liberal.
Havia uma grande transferência de pilotos entre a Força Aérea e a aviação comercial. Isso já não acontece?
Agora não tanto, mas também há escolas de pilotos. A Força Aérea investe muito dinheiro na formação de um piloto e se for piloto de caça é elevadíssimo e a Força Aérea teve de se defender. Se investe muito então tem de ter o piloto 10, 15, 20 anos e trava a saída. A Marinha nunca teve a tem equivalência para a marinha mercante. Antigamente era fácil os pilotos saírem bastava candidatarem-se a uma junta de freguesia e acabavam por sair.
E em relação às escolas privadas?
O curso custa cerca de 60 a 70 mil euros. Foi o que me aconteceu, não foram os meus pais que me deram, fui eu que paguei. Trabalhava como comissário, pedi um empréstimo ao banco e fui tirar o curso piloto. Acabei o curso e tive de pagar a minha qualificação na Portugália. Paguei tudo com empréstimos pessoais, não foi com o dinheiro dos meus pais. Essa ideia de que são os pais que pagam não é bem assim, cada vez mais são os próprios a pagar. É como se fosse um MBA.
Passou de tripulante para piloto. Sempre teve essa ambição?
Sempre quis ser piloto, só que não queria ir para a Força Aérea e julgava que não tinha outra hipótese. Estava a estudar na faculdade, não gostava muito e comecei a ver companhias aéreas que recrutavam. Encontrei a SATA Internacional e concorri naquela fatalidade, em 1999, quando o avião teve aquele acidente no Pico, Por coincidência chamaram-me e entrei na aviação civil. Primeiro como comissário e depois comecei a ver que podia tirar o curso piloto e aí comecei a ver preços e bancos para ver se emprestavam ou não o dinheiro. E foi assim que comecei a minha carreira de piloto.
Há quantos anos?
Há 18.