‘Tenho pouca fé neste pacote de medidas para a habitação’

O autarca frisa que Oeiras tem 5% de habitação pública e quer chegar aos 10% nos próximos 10 anos, mas diz que para isso só há uma solução: ‘Construir casas em reservas agrícolas’. 

Como vê as medidas propostas pelo Governo para combater o problema da habitação?

Tenho pouca fé em relação a este pacote apresentado pelo Governo. Julgo que foi feito com alguma precipitação, sem um estudo adequado que sustente aqueles propósitos. Vejo apenas duas medidas que eventualmente possam ter algum efeito. Uma delas diz respeito à disponibilização de 980 milhões para subsidiar ou apoiar famílias que têm dificuldade em pagar a renda ou amortizar o empréstimo ao banco, mas que tem um limite de 200 euros. Admito que possa ser útil, no sentido de não haver mais famílias despejadas, pois há pessoas que pagavam 700 euros ao banco e passaram a pagar 1.400 com a subida dos juros. É praticamente o dobro, o que é insuportável. E quanto menos famílias houver desalojadas mais fácil será resolver o problema daqueles que não têm casa. Essa medida pode ajudar, mas é de natureza social, não é para resolver o problema da habitação. Depois, há uma outra medida que tem a ver com o licenciamento. É engraçado, todos falam na ocupação forçada das casas devolutas e o licenciamento não desperta tanta atenção, mas devia despertar, porque este emaranhado legislativo que enquadra juridicamente o licenciamento faz dos presidentes de Câmara uma espécie de provedores dos cidadãos. As teias burocráticas que são criadas colocam nos técnicos um poder discricionário que, às vezes, se aproxima do arbítrio. Mas é nos técnicos, não é nos políticos. Com tanta regulamentação e com tantos constrangimentos para evitar a corrupção, cria-se mais burocracia e concentram-se poderes difusos na área técnica e é aí que está o problema. Corre-se o risco de um projeto dar entrada numa Câmara Municipal e andar no emaranhado burocrático técnico durante anos. É muito difícil combater essa teia burocrática, se não for por via legislativa. 

No caso das rendas coercivas, o Governo quer passar o ónus para as câmaras, no sentido de fiscalizar as contas da água e da luz…

Falei das duas medidas que considero positivas. Depois assistimos a falsos alarmes por parte dos proprietários, que entraram em histeria convencidos que o Estado lhes iria tirar as casas e que os iria obrigar a arrendar uma casa que era arrendada, por exemplo, por 1.200 euros por 500 euros. Tudo isso decorre de uma certa ignorância, porque essas medidas pacote não são para aplicar, nem acredito que o Governo as queira aplicar. Em primeiro lugar, o arrendamento forçado das casas devolutas está assente numa série de premissas erradas. Por exemplo, criou-se a ideia de que havia 700 mil casas devolutas em Portugal, confundindo-se o que é uma casa devoluta por estar degradada ou por estar fechada. Há proprietários que têm uma casa só para passarem um fim de semana por mês ou um mês por ano, mesmo estando numa zona urbana, como Oeiras, Cascais, Sintra ou até mesmo Lisboa. Por outro lado, estas 700 mil casas estão em todo o país e há aldeias abandonadas que também contam para a estatística. O que é que acontece? Vivemos numa situação em que as casas onde fazem falta não existem, como é o caso da Área Metropolitana de Lisboa e do Porto e no litoral. No interior, o que faz falta é ter conforto nas casas, ou porque faz muito frio, ou entra vento, ou não tem uma casa de banho ou uma cozinha adequada. É preciso dar a essas famílias o conforto adequado. A dignidade das famílias também passa por isso. Ainda esta semana, um jornal dizia onde havia casas vagas: 47 mil em Lisboa, 10 ou 11 mil em Cascais, oito mil em Oeiras, etc. Não há dificuldade nenhuma em saber onde existem as casas devolutas, as que não pagam nem água, nem luz e as que pagam. Basta irmos aos Serviços Municipalizados de Abastecimento de Água para temos a listagem de todos os consumidores. Também o INE tem identificada a situação de casa a casa.

Ainda agora foram divulgados os Censos…

Fazemos os censos para quê? Com Américo Tomás, em 1971, ainda no tempo do fascismo, ficaram todos muito ofendidos porque se atreveu a dizer que não sabíamos quantos éramos. Temos todos estes elementos, só não os temos se não os quisermos. Até compreendo aqueles que dizem que António Costa virou comunista, mas é óbvio que alguém o aconselhou daquela maneira. Mas quem disse para ir por esse caminho não conhece minimamente a realidade. Vamos a exemplos práticos. No centro da vila de Oeiras um T2 arrenda-se por 1.200 euros, entretanto o inquilino foi-se embora, o senhorio não arrendou por qualquer razão e o Governo chega ao pé do proprietário e diz que tem de arrendar ao Estado por x, porque depois o Estado vai subarrendar por y a famílias necessitadas. Ou seja, podia ter uma casa arrendada por 1.200 euros e dão-lhe 600 euros.

Perde metade…

Perde metade e diz ‘Tenha santa paciência, nem pensem nisso’. E o que é que o Estado faz nessa altura? Como é que o força? Qual é o mecanismo? Com esta lei não consegue, porque imediatamente o proprietário recorre a Tribunal, que lhe vai dar razão. Este pacote tinha de trazer mais duas coisas: uma alteração ao Código de Expropriações e à Constituição, porque a propriedade é um direito fundamental assegurado pelo Estado. Já o direito à habitação é um direito que o Estado vai satisfazendo teoricamente à medida do que pode. Isto é, o cidadão não pode dizer ao Estado: ‘Dá-me uma casa porque a Constituição diz que tenho direito’ e o Estado diz que não, porque não há casas. Se o Estado viola o meu direito de propriedade, então contesto. É a chamada inconstitucionalidade por omissão, em que posso atacar o Estado e recorrer ao Tribunal Constitucional dizendo ‘Diga ao Estado que não está a cumprir a sua missão, porque devia estar a fazer casas e não está’.

Há o risco de os processos irem parar todos a Tribunal…

O Estado tem de pagar o valor da casa que varia consoante a localização. Por exemplo, em Oeiras abaixo da A5 arrenda-se um T2 entre 1.200, 2.500 ou três mil euros por mês, mas acima da A5 pode-se arrendar entre os 700 e os 1.200 euros. Este pacote é um bocadinho paliativo e foi uma desilusão, porque António Costa e o Governo conseguiram uma coisa notável que não é devidamente valorizada: quando ao nível do PRR foram afetados à habitação 2.700 milhões de euros. Foi uma coisa extraordinária, estamos na União Europeia desde 1985 e nunca veio um euro para a habitação. No caso de Oeiras, temos consignados cerca de 270 milhões euros para 1.500 casas: 750 casas de renda apoiada e 750 casas para renda acessível. Vi o Governo a afetar este montante para habitação no âmbito do PRR e é uma medida excelente, porque vai aumentar o parque de habitação pública. Mas de repente resvalou e veio com aquela ideia de que as casas devolutas podem resolver o problema. E depois também acham que há terrenos urbanos nas cidades que podem colher habitação pública. Onde é que está a grande mentira? As famílias têm salários baixos e as que compraram ao banco começam a não ter dinheiro para pagar a amortização e as que pagavam uma renda de acordo com o seu rendimento, como vêm o seu poder de compra a cair, deixam de ter condições para viver nessas casas. O que determinou isto? Foi o preconceito ideológico, em vez de vir o pragmatismo, veio a ideologia.

E encontram bodes expiatórios?

Dos vistos gold, esses malandros que vêm para aqui como se fossem comprar casas de 120 mil euros. Não, compram casas a que as classes médias nunca teriam acesso, porque são vendidas acima dos 500 mil euros, um milhão, dois milhões, três milhões e por aí fora. E continua a achar-se que são os vistos gold é que encarecem as casas. Outros dizem que a culpa é do alojamento local, que retirou as casas do mercado, e há outros que dizem que é o licenciamento. É tudo mentira. É claro que o alojamento local contribuiu para a indisponibilidade de algumas casas, mas não foi isso que fez com que as rendas aumentassem, o problema foi outro. É curioso, todos aqueles que falam das causas para o aumento das rendas e para a subida dos preços das casas que estão à venda encontram essas causas todas, mas parece que somos mágicos e que as casas são construídas nas nuvens. Para essa gente não é preciso terreno para construir, quando este é o bem mais escasso à face da terra e tem de ser bem preservado, mas ninguém fala no custo do terreno. Por outro lado, olhando para as estatísticas, vê-se que, a partir de 2014, as rendas começaram a subir e o preço das casas também, em que a oferta para a classe média-baixa, nomeadamente abaixo dos 200 mil euros, desapareceu. Entre 2014 e 2021, as casas duplicaram de preço e, em alguns casos, até triplicaram, como foi o caso de Oeiras. Mas essas mesmas pessoas não são capazes de se lembrarem que, com o subprime em 2008, havia casas a mais. Entre 2008 e 2014, o que se dizia é que a oferta era superior à procura. Por exemplo, na Bela Vista, em Massamá, havia 700 casas e ninguém as comprava e era assim um pouco por todo o país. Entre 2008 e 2014, fizeram-se grandes negócios, compraram-se prédios a 200 mil euros que hoje valem 800 mil ou um milhão de euros. No entanto, a partir de 2015, começaram os preços a subir e as casas a esgotar, mas por uma razão muito simples: foi aprovada a Lei 31/2014, que determinou a erradicação de terrenos urbanizados e passou a haver apenas terreno rústico e terreno urbano. O que é que aconteceu? Os municípios ficaram apenas com a possibilidade de planear no espaço urbano. E quem são os donos do espaço urbano? Normalmente é gente que tem algumas posses, não são pobres. A lei veio para combater a especulação e para a defesa das alterações climáticas e, por isso, havia que restringir o espaço urbano. Os preços começaram a disparar e se, entre 2008 e 2010, construíram-se 600 mil casas em Portugal, na década de 2010 a 2021 construíram-se apenas 160 mil, quase cinco vezes menos. Ora bem, esgotou-se o stock de casas e como só há espaço urbano passou-se de 200 euros por metro quadrado para 700/900/ mil euros o metro quadrado. Neste momento, já temos a maior parte do solo a 1.600 euros o metro quadrado. Para quem é que os promotores privados fazem as casas? Não fazem para os pobres, nem têm de fazer, fazem para quem tem dinheiro para comprar. Por exemplo, a Avenida Marginal é a segunda mais cara de Portugal, logo a seguir à Avenida da Liberdade, com certeza que os terrenos urbanos ali atingem valores proibitivos. Não é aí que se vai fazer habitação para pobres.

Onde é que se pode fazer?

Os terrenos custam dinheiro e não são os promotores que têm de construir para a classe média baixa ou para as famílias pobres. Tem de ser o Estado. O Estado devia ter vergonha em ter as barracas que existem, como há em Almada, na Amadora e um pouco por todo o lado. Os políticos deviam ter vergonha e deviam resolver o problema. É preciso construir habitação pública, mas não pode ser construída nos terrenos urbanos ao preço a que estão. A legislação de 2014 foi feita para combater as alterações climáticas e para combater a especulação, etc., mas teve exatamente o efeito inverso, porque gerou mais especulação, gerou o aumento do preço dos terrenos, que triplicaram e quadruplicaram, e não dá para vender casas a preços acessíveis. Só há uma solução: construir casas em reservas agrícolas nacionais exclusivamente para habitação pública. Temos 2% de habitação pública em Portugal, Oeiras têm 5%, mas queremos chegar aos 10% nos próximos dez anos. Espanha tem 10%, mas depois França, Itália e países nórdicos têm cerca de 45%. Vamos fazer agora 18 mil casas com o PRR, mas era preciso fazer 80 mil e investir mais 12 mil milhões, mas em terrenos desafetados da Reserva Agrícola Nacional, exclusivamente para habitação pública. Aí teríamos 15/20 mil no máximo para famílias carenciadas – aquelas que iriam pagar rendas entre oito e 380 euros – e umas 40 a 50 mil casas com rendas entre os 280 e os 780 euros. O problema é que nem o Governo, nem todos aqueles que têm influência estão a olhar para este problema.

Há resistência por ser terreno agrícola?

Tem a ver com um preconceito ideológico, complexos de esquerda e de extrema esquerda, em que a direita nada faz. Aliás, esta lei é da direita e foi feita pelo PSD no tempo da troika, mas naquela conjuntura, só que a conjuntura passou. Bastaram quatro anos para esgotar o stock de casas e aumentar o preço brutalmente. A verdade é ninguém apresenta uma proposta legislativa no sentido de alterar a lei. E quando falo nisso acusam-me de ser negacionista das alterações climáticas, quando sou um defensor do combate às alterações climáticas e tomo medidas todos os dias nesse sentido.

Qual seria a percentagem desses terrenos agrícolas para a construção?

Seria uma percentagem mínima e teria de ser feito ao nível das necessidades de cada concelho. Provavelmente em Torres Vedras ou nas Caldas da Rainha não será necessário desafetar a reserva agrícola. Estamos a falar das zonas de maior pressão, onde não há outra hipótese.

E ao construir nesses terrenos não poderemos assistir ao agravamento das cheias, por exemplo?

Dá a sensação que nos terrenos agrícolas não há cheias e que os agricultores nunca tiveram problemas de inundações, nem nunca tiveram perdas de produção por causa das chuvas torrenciais. Há fenómenos extremos que as infraestruturas construídas pelo homem não resolvem. Por exemplo, na Finlândia ou na Dinamarca, constrói-se no mar. Em Portugal não se pode. Se os estudos científicos dizem que o aquecimento global vai determinar um crescimento das águas do mar em 70 centímetros nos próximos 100 anos eles fazem a estrutura 1,5 metros acima. Em todo o lado se constrói nas zonas ribeirinhas, agora tem de se salvaguardar as condições futuras da subida das águas do mar. O problema da impermeabilização dos solos é outra questão. Temos quatro linhas de água fundamentais: ribeira da Laje, de Barcarena, do Jamor e Algés. Por exemplo, a Ribeira de Barcarena está perfeitamente capacitada, a ribeira da Laje não tem nenhum problema ao longo do seu percurso, o mesmo acontece com a ribeira de Barcarena e com a ribeira do Jamor. O problema não está na construção ou na impermeabilização, o problema é que não é acompanhada pela reformulação das estruturas. Por exemplo, na ribeira de Algés, 2/3 vem da Amadora e de Lisboa e nos últimos 40 anos transbordou três vezes. Uma delas foi em 1976 e, nessa altura, nem Miraflores, nem Outurela existiam e Algés ficou arrasado, porque foi um fenómeno extremo. A secção de Algés já devia ter sido duplicada, é um problema identificado há vários anos e é uma responsabilidade do Governo. A Câmara Municipal de Oeiras já se disponibilizou para financiar até 50%, mas o Governo estava à espera de fundos comunitários que não vieram, o Instituto Nacional de Água não tinha dinheiro e ficou tudo adormecido. Agora, com estas cheias, toda a gente acordou. Vamos ver se desta vez realmente se avança com a obra. Mas não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Por exemplo, uma das coisas que estamos a fazer é nos planos de pormenor aprovados pela Câmara Municipal com sete, oito, nove ou 10 prédios a ocupar extensivamente o terreno, decidimos propor aos promotores fazer uma ou duas torres para terem mais espaços verdes e, em vez de libertarem três mil metros quadrados de espaço, libertam 30 mil.

Mas depois não há críticas por serem demasiado altos?

Aí está. Os mesmos radicais criticam a altura. Tudo isto tem de ser racional. Não tenho dúvidas de que a agenda climática vai ser a grande agenda do século XXI, mas não podemos olhar como uma agenda ideológica. Não é uma agenda da esquerda ou da extrema esquerda ou uma agenda da direita ou da extrema direita. É uma agenda da humanidade, como costumo dizer não podemos proteger o gafanhoto da libelinha e não dar condições dignas ao homem. O desafio da sustentabilidade é o equilíbrio, é a harmonia. É procurarmos que os aspetos económicos, sociais e culturais estejam presentes.

E depois há esta resistência em relação à ideia de permitir a construção em terrenos agrícolas…

Essas alterações têm de ser aprovadas pela Assembleia da República. Isto é o paraíso da extrema esquerda, que estupidamente não concorda. Não estou a dizer que é para fazer à toa, é exclusivamente para construir habitação pública, o que não quer dizer que não seja um promotor privado a construir. Mas para isso é necessário o Estado dizer: ‘Tem aqui terreno e, ao contrário do solo urbano, em que só consegue a 800 euros por metro quadrado, vamos vender um terreno a 200 euros o metro quadrado e vai fazer casas que vai vender a 1600’. Lancei agora a primeira pedra de 66 apartamentos no Alto da Montanha e a média daqueles apartamentos entre T1 e T4 ronda os 170 mil euros, mas estão a ser vendidos T2 no outro lado da rua a 550 mil euros, porque esse construtor comprou o terreno a 400 ou 500 euros o metro quadrado, ou mais.

A Câmara não tem edifícios que podiam ser usados para a habitação?

A Câmara de Oeiras tem uma política de habitação jovem. Nos últimos 15 anos comprámos 300 apartamentos. A qualquer local que vá, vai ver prédios da Câmara. Nessa matéria, a Câmara de Oeiras é a única em Portugal que faz habitação jovem.

Por falar em jovens, Oeiras vai receber os voluntários da Jornada da Juventude e sugeriu usar o palco do Alive…

A questão da Jornada da Juventude tem sido muito politizada, talvez exageradamente. Talvez não tenha havido os cuidados adequados na forma como se divulgaram os gastos. De uma forma geral, ninguém tem estado bem. Portugal é que se candidatou e foi uma festa quando disseram que o evento seria em Portugal. Depois, à boa maneira portuguesa, houve alguns atrasos, houve mudanças do presidente da Câmara de Lisboa em 2021 e isso poderá ter tido algum impacto. Se não tivesse havido a mudança do presidente da Câmara, se calhar não tinha havido esta polémica, nem esta tendência para chutar culpas. Oeiras não estava na agenda e não estava prevista a receção do Papa aos voluntários – espera-se 20 a 30 mil voluntários -, mas a ministra Ana Catarina Mendes falou comigo e chegámos à conclusão de que a zona de Algés poderia ser uma solução, tendo em conta a ideia de poupança. O Alive decorre 20 dias antes e a estrutura está montada. Por exemplo, falava-se muito, na altura, das casas de banho que eram muito caras, ali tem casas de banho que até sobram, porque temos para 60 mil pessoas. Então por que é que se há de estar a montar uma estrutura noutro sítio que fica obviamente muito mais caro? Ocorreu-me logo falar com o promotor do Alive, Álvaro Covões, e perguntar quanto custa manter a estrutura mais 20 dias, em que esse custo é assumido pela Câmara. Acredito que mais uns dias e fechamos esse dossiê.

Falou em cerca de um milhão em custos…

O que disse é que não esperava que Oeiras gastasse mais de um milhão de euros com a Jornada e estou convencido de que não vamos chegar lá. O que a Câmara se comprometeu, de acordo com o memorando que assinámos, foi à disponibilização daquele espaço. Havia umas dúvidas em relação ao tamanho do palco, porque o que vai lá estar é um bocadinho maior. Mas aí está, naquele caso, talvez por causa dos complexos do palco altar, queriam um 20/10 e o que estará lá é 30/20, mas se já lá vai estar não o vamos desmontar para pormos um mais pequeno.

Estava à espera desta polémica?

Foi surpreendente, não esperava. Se não fosse a vinda do Papa, se calhar aquilo continuava a ser um sapal no Trancão e iria demorar mais alguns anos a resolver. Para a população de Lisboa e de Loures vai ser uma coisa extraordinária, porque ficam com um parque fantástico. Em relação ao palco, acho que, se tivesse sido devidamente explicado – e foi entregue um caderno de encargos -, não teria ganho estes contornos e mesmo em relação ao preço não parece que tenha sido excessivo. Mas também acho que tinha sido uma polémica desnecessária se o presidente da Câmara não dissesse uma coisa, o bispo outra e o Presidente da República outra. Nestas coisas só um é que deve falar. E todos disseram que a Jornada Mundial da Juventude vai ser importante para a imagem de Portugal, mas depois vão do 8 ao 80 e uma das coisas que me causou alguma confusão foi quando falaram do palco no Parque Eduardo VII e disseram que não valia a pena fazer para poupar. Então, quer dizer, fazíamos a Jornada Mundial da Juventude no Trancão e as imagens divulgadas pelo mundo fora eram do Trancão? O Parque Eduardo VII é o coração da cidade e ver as imagens da cidade de Lisboa, do seu coração, por todo o mundo é um contributo extraordinário, que desperta curiosidade. Tudo isto tinha sido desnecessário e pareceu uma feira de vaidades.

Continuando com as polémicas recentes, como vê a história da TAP?

Foi um erro o Governo ter nacionalizado, mas a TAP também foi mal privatizada, nunca devia ter sido feita no tempo da troika, porque foi privatizada ao desbarato, como é habitual nestas coisas quando se está com a corda na garganta. E, depois de ter sido privatizada, o Governo português não se devia intrometer mais. Mas, como o Governo de António Costa não estava de acordo com a privatização, muito por pressão do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, lá nacionalizaram e lá se foram três mil e tal milhões de euros para agora se ir privatizar outra vez. Embora a TAP esteja numa situação difícil, o país não está numa situação tão difícil como estava na altura. É fundamental a sua privatização e já lá vai o tempo em que a TAP era uma empresa de grande prestígio e que nos orgulhava a todos pelo serviço que tinha, etc. A partir do momento em que foi privatizada, transformou-se numa espécie de low-cost. Os privados retiraram todo o conforto aos aviões, só não retiraram o sorriso ao pessoal de bordo. É claro que uma empresa pública com uma grande influência pode ser mantida durante algum tempo e admito que o cliente até possa ser melhor servido, mas é preciso que haja uma gestão muito rigorosa, muito competente e isso nem sempre acontece. E todos sabemos que a TAP há muitos anos que dá prejuízo.

Com estas demissões da administração por justa causa há o risco de os processos irem parar a tribunal…

Sobre isso não tenho dúvidas. Daqui a cinco, seis ou sete anos, o tribunal vai decidir naturalmente a favor dos despedidos.

E estava à espera dessas polémicas todas em torno do Governo neste curto período de tempo?

Não sei se acontecerá mais daqui para a frente. O Governo cometeu alguns erros e alguém que vai entrar para o Governo devia ter um escrutínio mínimo, mas, às vezes, o próprio pode não ter consciência disso e pode ter estado numa empresa A ou B e essa empresa pode ter tido uns problemas que ele próprio desconhecia. E de repente surge o alerta, mas já não pode fazer nada. Não há ninguém hoje que não pergunte a nenhum membro do Governo se tem algum rabo de palha, algum problema, etc. Com certeza que perguntam. Mas as pessoas muitas vezes não têm a noção. É a mulher ou o marido que fez isto ou aquilo. Muitas vezes nem todos os maridos e mulheres se confessam um ao outro. Estou convencido que estes casos que surgiram vão parar.

Como vê o papel da oposição?

Não existe. É lamentável como no PSD acusava-se muito Rui Rio de não fazer oposição e que era necessário mudar a liderança. Agora temos Montenegro e começou a aparecer o nome de Pedro Passos Coelho…

… Que tem sido apontado como candidato às presidenciais…

Há coisas que são culpa do PSD, há outras que são pura especulação, não só da comunicação social, mas também da contrainformação do Governo. É natural que o PS alimente o Chega. Mas não me parece que Passos Coelho queira voltar ao partido nestas condições, porque na realidade Montenegro é um Passos Coelho 2. Montenegro pensa como pensava mais ou menos Passos Coelho, não há grande diferença. Passos Coelho granjeou pela sua postura no Governo da troika, marcado por um posicionamento com sentido de Estado, embora discorde das políticas que foram tomadas. É indiscutível que foi muito coerente, mas Álvaro Cunhal também foi coerente e não é por isso que concordava com as políticas dele. Não queria a democracia, no entanto, era coerente na defesa do comunismo. Se Montenegro, por qualquer razão, nas eleições europeias se demitisse e se mais ninguém concorresse, talvez Passos Coelho tomasse conta do partido, mas não me parece que seja solução. O Chega e a Iniciativa Liberal nasceram não por culpa de Rio, foram criados depois de Rio ganhar o partido, mas nasceram porque Passos Coelho fez uma grande viragem à direita e as pessoas que hoje constituem a Iniciativa Liberal e o Chega sentiam-se como peixe na água no PSD do Passos Coelho e não no PSD de Rio. Mas também tem a ver com a evolução dos tempos. O PSD sempre foi uma espécie de albergue espanhol, sempre comportou diferentes sensibilidades, pessoas. Não tenho dúvidas de que havia mais gente de direita no PSD do que no CDS. O CDS é um partido conservador e, por isso, havia pessoas mais radicais no PSD do que propriamente no CDS. E quando Passos Coelho sai, essa gente sentiu-se órfã, e quando o PSD perdeu o rumo só havia uma solução: fazer uma Iniciativa Liberal e um Chega. O que é que acontece? Há esperança de algumas pessoas de que o retorno de Passos Coelho ao PSD consiga fundir ou trazer o Chega e a Iniciativa Liberal novamente para dentro do PSD. Acho que isso já não é possível, por uma razão muito simples: são partidos que criaram dinâmicas e ambições próprias, fomentado também por outros partidos internacionais. O que significaria que Passos Coelho, com as suas ideias e ideologia neoliberal, ao voltar ao PSD reduziria ainda mais o seu eleitorado. É óbvio que o Chega e a Iniciativa Liberal veriam em Passos Coelho um melhor primeiro-ministro, do que Montenegro ou Rio. Indiscutivelmente, seria muito mais fácil essa aliança. Há é aqui um problema: será que conseguem obter mais votos do que o PS e a esquerda? O PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega juntos terão mais votos do que o PS, Bloco Esquerda e Partido Comunista? Porque é óbvio que numa situação de vitória da direita…

Tinha de ser criada uma espécie de geringonça à direita…

Claro. Todos perguntam se o PSD vai fazer um acordo com o Chega, aí estou de acordo com Montenegro, só que devia ser mais perentório e dizer que não faz alianças com partidos xenófobos, racistas, etc. O PSD é um partido com vocação governamental, quer ganhar eleições e quando houver eleições, se não tiver maioria absoluta, tem de fazer os acordos e, se for necessário, terá de fazê-los com o Chega ou com a Iniciativa Liberal ou com outro partido qualquer. Montenegro devia demarcar-se claramente, não deixando qualquer dúvida de que o PSD nunca se aliaria ao Chega. Quer isto dizer que o Passos Coelho é um problema que vai continuar a pairar, mas penso que estará mais destinado a ser candidato a Presidente da República. Depois de um Marcelo frenético vir um Passos Coelho mais discreto, com uma pose menos afetuosa talvez não fosse mau. Quanto a Montenegro, há outro erro na oposição. Barroso dizia que sabia que ia ser primeiro-ministro, mas não sabia quando. Montenegro diz: ‘O PSD quer governar, mas agora é a vez do PS’. Tem ideia de que o PS tem de levar isto até ao fim e que as legislaturas são por cumprir. É um Governo péssimo, está a fazer mal aos portugueses, mas como ganhou tem de lá estar. É um erro. Os partidos existem para exercer o poder. E aí a estratégia do Montenegro está errada, se diz que o Governo é mau…

Tem de apresentar uma alternativa…

Tem é de dizer que está preparado para ser Governo de imediato, não é dizer que o Governo tem de aguentar até ao final. E mais, o PSD não pode aparecer com um homem só ou como uma espécie de triunvirato. Montenegro, Rangel e Jorge Moreira da Silva. Aparecem sempre os três e se não é um é outro. Por outro lado, sinto que o PSD continua fechado. Mas isso não é só PSD. Ainda há dias convidei os presidentes das associações de estudantes e, não tendo nenhum partido, disse que se deviam envolver na política e nos partidos que correspondem aos seus ideais. Todos responderam que têm muita dificuldade em entrar nos partidos políticos porque lhes fecham as portas. Os partidos têm de se abrir mais, é claro que a política e os cargos políticos são mal remunerados e isso afasta algumas pessoas, mas também é verdade que há muitas pessoas que conheço com excelentes ordenados, que já passaram os 50 anos, que estão bem de vida e gostavam de dar um contributo na política. No entanto, têm de ser desafiados e esses desafios não existem. Mas, ainda assim, acho que o PSD vai ser Governo. Vai ser muito difícil o PS ganhar as eleições em 2026.

Nem que seja pelo desgaste?

Por exemplo, o PRR é um desafio extraordinário para o Governo. Não é que seja muito dinheiro, o PRR é um maço de cigarros por dia durante um ano por cada português. As pessoas não fazem estas contas. O que é que acontece? O Governo vai ser muito escrutinado. Suponha que não utiliza 20%, 30% do PRR, vai ser um escândalo. Há coisas que podem não correr bem e é muito difícil. E, na altura serão 12 anos do Governo, do primeiro-ministro. Não é fácil. Isso gera um desgaste muito grande. Portanto, é natural que isto caia nos braços do PSD. Também é a razão por que agora se fala em Passos Coelho e se não for Passos Coelho vai falar-se noutro. A política é muito instável, é como as tempestades, quer dizer, vai num sentido, mas de repente vem o vento e vira para outro lado. A política também é assim. E à medida que vêm que o PS pode perder as eleições começam a aparecer candidatos à liderança do PSD.