Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira
O Governo tinha prometido que iria haver surpresas em torno dos resultados da TAP referentes a 2022, ainda antes do episódio polémico em torno da saída de Alexandra Reis que levou a mudanças no Governo e que culminou com a demissão da administração da companhia aérea. Os números foram revelados esta semana: um lucro de 65,6 milhões de euros.
Um resultado que foi atingido, após prejuízos de 1 600 milhões em 2021 e antes do previsto no plano de reestruturação, conseguindo antecipar em dois anos o objetivo definido pela Comissão Europeia para regressar aos resultados positivos. Para trás ficaram cinco anos de perdas anuais consecutivas o que levou o Governo a referir que se tratava de um passo sólido nas perspetivas para o futuro da empresa e para o país. «Num ano ainda afetado pela pandemia, pela guerra na Ucrânia, pelo disparar dos preços dos combustíveis e pela mudança do sistema de tráfego aéreo no hub, que condicionou de forma significativa a atividade da TAP, a companhia provou a sua resiliência», revelou o ministro das Infraestruturas, em comunicado, depois de ter impedido a administração de apresentar os resultados por considerar que face ao «cenário de transição» não faria sentido fazer uma conferência de imprensa para apresentar os resultados da companhia aérea.
João Galamba admitiu ainda que os resultados superaram «todas as expectativas» e que o lucro «só não foi maior porque estamos numa crise energética e pagaram mais de 400 milhões de euros de jet fuel».
Estão assim dados os passos para tornar a empresa mais atrativa para privatizar, como reconhece ao Nascer do SOL, o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC). «Como diria alguém histórico do sindicalismo da área da aviação, ciclicamente quando há uma privatização a empresa dá lucros. Talvez seja uma coincidência, mas é certo que estamos na véspera de um processo de alienação», refere Ricardo Penarroias.
De acordo com o responsável, o anúncio das contas tem dois efeitos. «Por um lado, demonstra que a empresa é sustentável e potencialmente atrativa para qualquer tipo de comprador. Por outro, também revela que a companhia já ultrapassou as dificuldades que advêm da própria pandemia que obrigou a cortes salariais e a acordos de emergência e que neste momento deixam de fazer sentido», lembrando ainda que foi com base nestas restrições que a empresa apresentou lucros.
Penarroias diz ainda que a TAP é a «única empresa da Europa com cortes salariais» e que esse foi um dos grandes motivos «da nossa insatisfação entre novembro e janeiro por considerarmos que já não é justificável estes cortes, nem os acordos de emergência e, como tal, a empresa tem que regularizar a situação o mais rapidamente possível».
Também o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) acusou a TAP de lucrar quase 66 milhões de euros em 2022 à custa dos cortes salariais dos trabalhadores, e de financiar a viabilidade da companhia aérea à custa dos funcionários. «O parco resultado da TAP no ano passado foi conseguido sim, e apenas, à custa dos cortes salariais dos trabalhadores, tendo para isso contribuído substancialmente os pilotos, com um corte salarial de 45% no ano de 2022».
Ao nosso jornal, Tiago Faria Lopes chama a atenção para o facto de estes 60 milhões corresponderem a 1,8% da receita e considera que o «mínimo aceitável para a TAP e para fazer concorrência às suas congéneres era ter tido 7%. Isso significaria 250 milhões de euros, quando todas as suas concorrentes apresentaram lucros de 700 e tal milhões de euros», lembrando que «são todas privadas, em que os atos de gestão que tiveram foram razoáveis e sem terem cortes salariais dos seus trabalhadores».
E questiona ainda o anúncio de saída de Silvia Mosquera Gonzalez da administração. A informação foi revelada esta semana pela transportadora e terá efeitos a partir do dia 23 de junho. E apesar de dizer que tem essa legitimidade porque faz parte da equipa de Christine Ourmières-Widener põe em causa o timing. «Sendo responsável pelas receitas demite-se, na altura, da apresentação de resultados?», questiona e acrescenta: «Se calhar quer dizer que os resultados não foram tão bons».
Hub é prioritário
As duas estruturas sindicais são unânimes em reconhecer que apesar da empresa ser agora mais atrativa para vender, o Governo deve ter cuidados redobrados, no que diz respeito à manutenção do hub (centro de distribuição de passageiros) em Lisboa.
Para Ricardo Penarroias, «não pode passar pela cabeça de ninguém que o hub não seja protegido, caso contrário, poderá ser a condenação da própria TAP». Ainda assim, reconhece que «infelizmente, muitas vezes, são os números que comandam esse tipo de decisões e em processos anteriores o que foi previsto era que o novo comprador tivesse um período de carência e que passado esse tempo poderia tomar medidas, talvez não consensuais ou contrárias àquelas que o Governo pode defender».
Tiago Faria Lopes já tinha referido que em relação aos três nomes que têm estado em cima da mesa – grupo IAG, o grupo Air France KLM e a Lufthansa –, o primeiro é o que têm mais entraves. «O grupo IAG – detentora da Iberia – comprando a TAP tem dois contras que são bem evidenciados. Um deles é o aeroporto de Madrid que, neste momento, nem usa metade da sua capacidade, tendo quatro pistas e, por outro lado, não há historicamente dois hubs a menos de 900 quilómetros de distância».
Governo quer manter posição
Sobre a intenção de o Governo querer manter a sua posição na TAP, mesmo sendo minoritária, o presidente do SNPVAC afirma que sempre disse que a TAP nunca poderá ser privatizada na totalidade. No entanto, diz que o papel do Estado tem de ser efetivo, «não apenas no papel, mas ativo, ao contrário da anterior privatização, em que o Estado era meramente um acionista consultivo», lembrando que tendo em conta a importância da empresa para o país «não defender essa posição pode ser dramático». E prefere não questionar posições. «Se depois será de 49% ou 51% é algo que não vou discutir, porque mais do que a percentagem, essa posição terá de ser qualitativa», refere o presidente do SNPVAC.
Já para Tiago Faria Lopes, a TAP tem de estar numa esfera privada, onde alguém cuide do negócio. «Não conheço nenhuma empresa estatal com interferência governativa que tenha tido sucesso ao nível da gestão». E acusa: «Se a TAP tem lucros superiores a 200 milhões face a 2019, se tem um corte de massa salarial na ordem dos 200 milhões face a 2019 dá um lucro de 400 milhões. Então onde está o dinheiro? Como é que se apresenta apenas lucros de 60 milhões, sendo que há uma benesse fiscal, caso contrário seriam apenas de 30 milhões».
Mas enquanto existe este impasse em torno do futuro da companhia área, a partir da próxima semana arranca a comissão de inquérito que vai ouvir 60 personalidades e entidades, em que as primeiras serão a IGF, a ex-administradora Alexandra Reis, a presidente executiva e o presidente do conselho de administração.
De acordo com o presidente desta comissão parlamentar, o socialista Jorge Seguro Sanches, as seis primeiras audições vão realizar-se nas próximas três semanas. O partido que apresentou mais pedidos foi o PSD, com 43 personalidades, enquanto as listas mais reduzidas foram as do PS e do Chega.