[artigo originalmente publicado na edição impressa do jornal i a 19 de abril de 2013]
por Ana Sá Lopes
As resistências foram imensas, a começar em Salgado Zenha. O núcleo da Acção Socialista Portuguesa de Lisboa – a que pertencia a própria mulher de Mário Soares, Maria Barroso – não queria fundar o Partido Socialista. Alguns dos que foram parar a Bad Munstereifel não sabiam que aquele seria o congresso da fundação do PS. Na biografia “Mário Soares – uma vida”, o jornalista e fundador do PS Mário Mesquita conta só ter percebido em Bad Munstereifel que o encontro se destinava a fundar o PS: “Chegámos lá e encontrámos uma coisa que não sabíamos que íamos encontrar: a reunião tinha sido preparada como destinada a fundar o PS e a nossa posição era estranha, extemporânea. Os de Coimbra e de outros sítios, assim como a representação no exílio, eram a favor. Em Lisboa não tínhamos a ideia de que íamos discutir a possível fundação do partido. O Zenha não tinha ido porque achava que não havia razão para lá ir. Ele e outros amigos em Lisboa diziam algo do género: ‘Isto são coisas do Mário’”.
Mário Soares tinha percebido a iminência do fim do regime e a urgência de ter um partido constituído. Dirá, no mesmo livro, Alberto Arons de Carvalho: “Mário Soares tinha muito mais essa percepção. Lembro-me, no congresso da fundação, dele a dizer ‘o regime está no fim’. A maior parte da malta achava tudo óptimo mas ninguém acreditava. Ele tinha a visão distanciada, global, e a nossa, que vivíamos no dia-a-dia, era que isto estava intocável, firme”.
A ideia tinha começado a germinar na cabeça de Mário Soares e de Tito de Morais algum tempo antes: “Foi então que o Ramos da Costa, o Tito de Morais e eu começámos a pensar seriamente em transformar a ASP em Partido Socialista. A situação político-colonial deteriorava-se todos os dias em Portugal. A ‘primavera política’ lançada por Marcelo Caetano tinha-se desprestigiado em absoluto aos olhos dos portugueses. Chegaram-nos rumores seguros de que havia uma conspiração militar em marcha e nós precisávamos de um instrumento – como eu lhe chamava, um Stradivarius – com contactos europeus sólidos, para nos podermos impor na hora H… Isto é, quando a revolução anticolonialista e democrática triunfasse”, escreve Soares no seu livro “Um político assume-se”.
O congresso foi organizado com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao SPD alemão. “Foram os alemães que pagaram tudo, sobretudo os bilhetes de avião, que eram o mais dispendioso”, escreve Soares. Manuel Tito de Morais é o responsável pela organização e toda a logística do congresso da fundação. “O congresso não foi fácil (…) a discussão mais dura ocorreu entre mim e o Mário Mesquita. Não fui capaz de o convecer”, afirma Soares no livro.
Citado na biografia de Soares, Mário Mesquita diz: “Ele [Mário Soares] convenceu o congresso. E houve uma pessoa que teve uma posição muito clara no sentido de dizer ‘viemos de Lisboa, temos um mandato, não podemos votar contra esse mandato. Podemos daqui a seis meses fazer outro congresso, ponderando as razões que o secretário-geral invoca, mas neste momento estamos vinculados a um mandato’. Era eu, com a minha vocação para desmancha-prazeres”. Mas o próprio Mesquita reconhece que entre os elementos de Lisboa não havia a noção que Mário soares tinha da iminência da queda do regime: “Os exilados teriam mais pressa devido à sua situação. E é preciso dizer que em Portugal não havia a percepção transmitida por Mário Soares de que o regime podia estar à beira do fim (…) havia uma grande diferença entre o estado de espírito dele, achando que o regime ia cair em breve e o ponto de vista no núcleo de Lisboa que vivia num grande desânimo”. O PS foi fundado com sete votos contra – entre os quais o de Mário Mesquita e o de Maria Barroso, casada com Mário Soares e a única mulher presente na fundação.