A imposição do patriarcado

51 Estados-membros da ONU continuam a apresentar barreiras legais às formas de expressão relacionadas com as questões de natureza sexual e de diversidade de género

por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

 

Caminhamos a passos largos para o primeiro quarto do século XXI e continuamos a assistir aos mais diversos casos mundiais de paralisação civilizacional, acrescidos de significativos recuos nalgumas sociedades em relação aos direitos, liberdades e garantias.

Segundo dados divulgados recentemente por algumas organizações internacionais de direitos humanos e de igualdade de género, sessenta e quatro países persistem em criminalizar as relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo, existindo a possibilidade de aplicação da pena de morte em onze e encontrando-se legal e obrigatoriamente estatuída em seis deles.

Para além disso, cinquenta e um Estados-membros das Nações Unidas continuam a apresentar barreiras legais às formas de expressão relacionadas com as questões de natureza sexual e de diversidade de género, não sendo expectável que este cenário revele melhorias consideráveis nos próximos tempos, face aos últimos retrocessos legislativos em certos países africanos.

Escondendo-se em dogmas religiosos, ou seja, nas leis divinas interpretadas e deturpadas a preceito do que interessa a alguns, a verdade oculta assenta noutros princípios, carentes de serem denunciados, porque, na realidade, não existe uma verdadeira permissão individual face ao indesmentível predomínio exacerbado do patriarcado nas variadas culturas.

A opressão da sexualidade só importa a quem persiste na radicalização da diferença e, ancestralmente, na reiterada tentativa de subjugação das mulheres e da sua afirmação social, tentando perpetuar a sua exploração e ausência de autodeterminação económica, como se não existisse uma regressão se estiverem resumidas ao papel exclusivo dos trabalhos domésticos, sem a possibilidade de acederem a cargos de responsabilidade ou possuírem iguais oportunidades salariais.

Para manter o conveniente estatuto de desigualdade, este patriarcado de bastidores recorre a argumentos que servem apenas de justificação para o aumento do fosso entre sexos ou géneros, ridicularizando a criação de quotas na vida política ou empresarial, o livre acesso à educação e à aspiração social, assim como a todas as vias geradoras de uma afirmação e de uma verdadeira independência pessoal.

É pelo desmesurado poder deste patriarcado, inculcado em gerações, que o decote na roupa de uma mulher legitima abusos, tolera agressões ou consegue arquivar processos de assédio moral e sexual nas universidades, conformando-se perante uma comunidade cada vez mais díspar e desvalorizada.

Será necessário um esforço diário de todos. Se não reconhecermos que a criminalização da vida íntima de cada pessoa constitui um dos mais graves constrangimentos à liberdade, nunca serão superadas as limitações seculares assentes no patriarcado, nem se conseguirá trilhar um caminho genuíno para a igualdade.